Juízes e procuradores pedem mais debate sobre projeto de abuso de autoridade

Da Redação | 03/04/2017, 19h19

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) realizou nesta segunda-feira (3) audiência pública com representantes do Judiciário e do Ministério Público sobre o projeto de lei que tipifica o crime de abuso de autoridade (PLS 280/2016). Os convidados manifestaram preocupação com os efeitos da proposta sobre o trabalho de juízes e procuradores e pediram mais discussão sobre o assunto.

Na avaliação dos convidados, o projeto está tramitando no Senado “a toque de caixa” e com um texto vago, sem as devidas deliberações sobre as consequências que as normas criadas possam ter sobre as órgãos de investigação e julgamento.

- O que para nós soa inconcebível é que essa legislação seja aprovada sem que a sociedade e as instituições sejam ouvidas – cobrou o subprocurador-geral da República Nívio de Freitas Silva Filho.

O presidente da CCJ, senador Edison Lobão (PMDB-MA), rebateu as críticas e negou que haja açodamento na condução do projeto. Para ele, essa afirmação é “quase uma fantasia” e não reconhece a totalidade do processo legislativo.

- Não estamos trabalhando 'a toque de caixa'. Estamos fazendo reuniões normais. Quando a CCJ votar o parecer do relator, o projeto irá para o Plenário, novo prazo se abrirá, e terminado lá ainda vai para a Câmara. Onde há pressa? Perdoem-me, mas isso é uma forma de estigmatizar o próprio projeto - disse Lobão.

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) observou que a audiência foi marcada com poucos dias de antecedência e ocorreu em um dia que não favoreceu a presença de muitos senadores, uma vez que a maioria deles passa a segunda-feira em seus estados – o próprio relator do PLS 280, senador Roberto Requião (PMDB-PR), não estava na audiência.

Cristovam disse acreditar que o evento estaria servindo de prévia para que o projeto fosse votado pela CCJ nesta quarta-feira (5), quando a comissão faz sua reunião semanal agendada. O presidente Edison Lobão, porém, afirmou que não colocará o relatório de Requião em pauta nesta semana.

Interpretação

A maior ressalva dos convidados ao texto atual do projeto de abuso de autoridade é o risco de “criminalização da hermenêutica”, ou seja, da criminalização da interpretação que os juízes fazem do texto da lei para proferir suas decisões. Para Jayme Martins de Oliveira Neto, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), esse risco é muito grave.

- O ato de interpretar é único e exclusivo do juiz. Somente nas piores ditaduras o Legislativo impunha métodos de interpretações para o Judiciário. É indiscutível que projeto tem como objetivo cercear a atividade jurisdicional de maneira grave, tal como está - disse.

Oliveira Neto explicou que o projeto produz esse efeito ao impor punições aos juízes que tomem decisões consideradas ilegais. Ele argumentou que a reversão de sentenças - mediante recursos - é uma parte natural do processo judiciário, e que um juiz não pode sofrer sanções penais caso tenha uma decisão mudada por uma instância superior.

O mesmo ponto de vista foi defendido por José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

- É normal de um sistema que preza pela ampla defesa e pelo contraditório que as interpretações jurídicas de diversos agentes sejam diferentes. Desde que elas sejam justificadas, isso não é abuso, é exercício normal do direito. Atacar isso é atacar a base do Judiciário - afirmou.

As senadoras Regina Sousa (PT-PI) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) rebateram a interpretação dos convidados. Segundo elas, o texto do PLS 280 diz expressamente que as interpretações jurídicas com o devido embasamento legal não sujeitariam o magistrado à punição por abuso de autoridade.

Cavalcanti recorreu a um exemplo para sustentar o seu argumento: o julgamento de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Na ocasião, o Senado decidiu manter os direitos políticos de Dilma, apesar de a Constituição dizer que essa é a consequência da perda do mandato. Para o representante da ANPR, os senadores estariam sujeitos naquele caso à condenação penal por abuso de autoridade proposta pelo PLS 280, uma vez que atuaram como juízes.

Lava Jato

Jayme de Oliveira Neto afirmou, ainda, que a elaboração do projeto de lei foi motivada pela Operação Lava Jato, que tem produzido investigações e denúncias contra parlamentares.

- A magistratura pede aos senadores que não legislemos ao sabor de uma circunstância momentânea que ocorre no país e que não criemos dispositivos específicos para ela - disse.

O diretor de Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luiz Antônio Colussi, trouxe a mesma advertência.

- Estamos percebendo uma tentativa de intimidação da magistratura brasileira e de calar o Ministério Público. Não podemos aceitar que atores denunciados por ilícitos contra o patrimônio publico promovam reformas que objetivem inibir a ação dos agentes do sistema de Justiça e assegurar a sombra confortável da impunidade.

O presidente da CCJ, Edison Lobão, interveio para garantir que o projeto não tem a intenção de criar obstáculos à Lava Jato ou a qualquer investigação policial. Para Lobão, fazer essa afirmação equivale a “apequenar” o projeto de lei.

Sugestões

Os convidados chamaram atenção para o conjunto de sugestões apresentado ao Senado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na semana passada, referente ao PLS 280. Para o defensor público Fernando Calmon, as propostas de Janot merecem uma avaliação cuidadosa, e podem ser incorporadas ao parecer do relator Roberto Requião.

Entre as sugestões, Calmon destacou a tipificação da “carteirada” – o ato de a autoridade exigir alguma vantagem fora do seu contexto profissional devido ao cargo que ocupa – e do uso abusivo dos meios de comunicação. Ele também propôs aos senadores que estudem a possibilidade de substituir a criminalização dos agentes judiciais pelas sanções administrativas, através de sistemas internos de controle suscetíveis à participação de órgãos externos.

Essa última ideia também foi levantada pela senadora Ana Amélia (PP-RS), que quis saber se as instâncias atuais de controle interno produzem resultados. José Cavalcanti, da ANPR, afirmou que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) tem um bom histórico de afastamento de membros da corporação que apresentam condutas irregulares.

Ao final da audiência, Edison Lobão informou que as sugestões de Rodrigo Janot já foram recebidas pela CCJ e serão encaminhadas ao relator do projeto. Elas podem ser incorporadas ao relatório ou, ainda, tramitar como projeto independente.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)