Descriminalização das drogas divide especialistas em audiência na Comissão de Educação

Da Redação | 30/03/2016, 19h22

Em debate na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), nesta quarta-feira (30), os especialistas convidados a falar a respeito de políticas sobre drogas procuraram deixar claro que uso de substâncias psicoativas produz malefícios à saúde. O entendimento não foi consensual, contudo, em relação à descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, tema que estará em pauta em sessão especial da Organização das Nações Unidas (ONU) no próximo mês.

A audiência pública teve por finalidade debater projeto de lei da Câmara dos Deputados (PLC 37/2013), que muda o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (Sisnad) para definir condições de atendimento aos usuários, diretrizes e formas de financiamento das ações. O texto está sendo relatado na CE pelo senador Lasier Martins (PDT-RS), que dirigiu o debate.

Hoje no Brasil o porte de drogas para consumo é crime, mas a conduta é punida com penas alternativas, sem prisão, o que não está sendo alterado pelo projeto. A questão, contudo, está sendo avaliada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com analise de ação que propõe a descriminalização total do porte e uso da maconha. o ministro Gilmar Mendes já se manifestou a favor da descriminalização de todas as drogas.

Para o psiquiatra Fernando Farah de Tófoli, professor da Universidade Estadual de Campinas, o aumento da repressão não vem resultando em respostas mais eficientes ao consumo de drogas na América Latina. A seu ver, tratar o usuário como criminoso é “iníquo e ineficaz”. Segundo ele, estudos evidenciam que os impactos da descriminalização em diferentes países tendem a ser mais positivos que negativos, e que isso deve estimular o país a repensar sobre a atual política, ainda do século passado.

— Manter essa política significa ratificar a mensagem de que o usuário problemático de drogas é antes um criminoso do que alguém que pode ter a necessidade de cuidados à sua saúde — afirmou.

Tófoli afirmou ainda que a criminalização significa gerar distorções no sistema de justiça criminal, com impacto negativo para a saúde física e mental dos dependentes. Ele destacou que o sistema prisional hoje mantém mais de 500 mil pessoas encarceradas, um problema que se agrava com o aumento das condenações por tráfico das pessoas que são, antes de tudo, consumidoras.

No caso das prisões por tráfico realizadas em 2014 no Rio de Janeiro, ele citou estudo mostrando que 94,3% dos detidos não pertenciam a organizações criminosas e 97% nem sequer portavam algum tipo de arma. Os presos por tráfico de maconha foram pegos com menos de 100g. A maioria nem chegou a ser condenada, mas ficou detida sete meses, em média.

Tófoli afirmou ainda que os estudos sobre países que partiram para experiências de descriminalização do porte mostram não ter ocorrido variações importantes nas taxas de consumo, seja aumento ou redução. Destacou também o caso do México como exemplo oposto, onde desde 2006 se pratica uma política agressiva de militarização no combate ao tráfico. Depois disso, houve aumento tanto no nível de crimes associados às drogas como de outros tipos.

Cautela

Contrário a um abrandamento da legislação sobre porte e consumo de drogas, o também psiquiatra Sérgio de Paula Ramos observou que pesquisas podem servir a diferentes teses, daí a importância de se avaliar a credibilidade de quem patrocinou, produziu e publicou. Diferentemente de Tófoli, ele destacou estudos que mostram uma correlação entre liberalização do uso de maconha e aumento do consumo, tanto em estados norte-americanos como em Portugal, que vem sendo apontado como modelo em política de liberalização de drogas.

— Se as evidências sinalizam que, com a possível liberalização da maconha, haverá aumento de consumo e dos problemas decorrentes desse consumo e também um mero deslocamento do problema hoje no sistema judicial para o da saúde. Então, a pergunta não é apenas para que liberar, mas também quem está interessado nessa liberação — salientou.

O próprio expositor citou que, entre os interessados, estariam investidores como George Soros, que chegou a visitar o então presidente José Mojica, do Uruguai, país que legalizou o pequeno cultivo e consumo de maconha. Citou ainda a indústria internacional de tabaco, que no Brasil perdeu grande espaço, graças às políticas de informação sobre os malefícios do fumo e ao controle da publicidade, a seu ver, um exemplo para o mundo.

— É muita grana em jogo, gente. Deixo a vocês a tarefa de responder qual das indústrias das atualmente instaladas tem vocação para o novo negócio. Será por acaso uma que nos últimos anos perdeu mais de 50% de seu mercado? — indagou.

Novos usos

Ronaldo Laranjeira, médico professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também reforçou que os estudos seriam “erráticos”, sendo úteis para mostrar “maravilhas” ou que as drogas produzem “graves danos sociais”. A seu ver, a segunda opção é a mais certa. Como exemplo, citou a experiência de legalização da maconha no estado Denver, nos Estados Unidos, que no entender dele reforçam a preocupação com os riscos de aumento nas taxas de consumo. Lembrou que naquele estado há uso crescente de maconha agregada a produtos alimentícios, como chocolates, biscoitos, bebida energéticas, e também em cigarros eletrônicos.

— É uma temeridade tratar a maconha como se fosse droga leve, uma vez que produtos desenvolvidos são muito mais diversificados e podem causar dependência muito maior — alertou.

Laranjeira também falou sobre o programa de tratamento de dependentes do estado de São Paulo, que ele dirige, e destacou ainda que o Legislativo deve levar em consideração a população não quer descriminalizar o uso da maconha. Segundo ele, pesquisa recente indicou que 90% dos brasileiros abraçam essa posição.

Caracterização de usuário

Em resposta a Lasier Martins, os convidados defenderam a manutenção de dispositivo da atual legislação que atribui aos juízes, a partir dos elementos colhidos na investigação policial e pelos promotores, a responsabilidade de avaliar se pessoas flagradas com drogas são usuários ou traficantes.

No parecer ao PLC 37/2013 aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), foi incluído um patamar mínimo para diferenciar usuário e traficante, equivalente ao porte de quantidade de consumo para cinco dias, a ser calculada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O autor do projeto, deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que acompanhou o debate, apelou pela manutenção do texto como veio da Câmara. Contrário à legalização drogas, ele observou que legislação atual já é suficientemente protetiva com os usuários, que são livres de prisão, respondendo pelo crime apenas com medidas socioeducativas.

Depois da votação na CE, a matéria será ainda avaliada em outras três comissões: Assuntos Econômicos (CAE); Assuntos Sociais (CAS); e Direitos Humanos (CDH).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)