Congresso e governadores debatem o pacto federativo

Da Redação | 19/05/2015, 19h54

Uma importante etapa na discussão do pacto federativo será cumprida nesta quarta-feira (20) no Senado Federal. O presidente Renan Calheiros recebe os 27 governadores estaduais do país para uma reunião pública no Salão Negro, às 11h. Em pauta, a situação financeira dos estados, os caminhos para desfazer o nó do endividamento e a reorganização da agenda federativa.

— É hora de rever o pacto federativo e o Senado é a Casa da Federação por natureza constitucional. Aqui tem três senadores por estado. Nós temos que regular essa Federação – disse Renan na semana passada. O presidente do Senado tem defendido que é indispensável viabilizar mais recursos para os estados, que, segundo ele, correm o risco de “quebrar”.

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Renan já havia promovido uma reunião com os governadores em 2013. Na ocasião, o tema das dívidas dos estados também dominou a pauta. As reivindicações trazidas pelos chefes dos Executivos estaduais incluía ainda redução de juros, aumento do teto de endividamento e de empréstimos, participação na receita das contribuições da União, limite para transferência de encargos e fim da tributação entre os entes federados.

O senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) era governador de Minas Gerais em 2013 e participou da reunião como pleiteante. Recordando aquele momento, ele explica que os governadores vêm ao Congresso com a tarefa de transmitir as demandas de suas populações.

— Os governadores têm obrigação de serem os grandes amplificadores da situação. As circunstâncias são diferentes em relação a cada estado. Eles é que estão ali com a dificuldade do dia-a-dia, sofrendo as agruras dos seus governos. A função deles é mostrar isso, pedir soluções e mostrar alternativas.

Agora, como parlamentar, Anastasia tem a oportunidade de debater o pacto federativo com outra perspectiva.

— Ao Senado cabem dois papéis: acolher essa demanda e mostrar à sociedade brasileira que a situação é grave, e amplificar esse debate. A federação está enfraquecida. Isso é bom para o Brasil? Uma concentração tão grande de recursos e poderes na esfera federal é boa para o desenvolvimento e a economia do Brasil? - indagou

Ao traçar uma comparação entre o momento atual e aquele que viveu como governador em 2013, Anastasia diz entender que a condição financeira dos estados apenas se agravou, o que exige mais urgência no tratamento do pacto federativo e confere mais importância à reunião desta quarta-feira.

— De lá pra cá a coisa não avançou como desejávamos. O que mudou foi que a crise piorou. O governo federal se esforçou em permitir que os estados tomassem empréstimos para investimentos para melhorar o PIB [produto interno bruto], só que esse processo não adiantou, as receitas caíram, a crise atingiu as finanças estaduais e os estados estão numa situação pior - lembrou o senador.

Mesmo com essa avaliação, Anastasia vê uma perspectiva favorável a mudanças na sistemática do pacto e no diálogo com o Executivo:

— Houve um avanço na questão da dívida dos estados com a mudança do indexador, graças a um esforço grande do Congresso. O governo hoje atravessa uma situação mais delicada que tinha em 2013, e por isso mesmo, talvez mais espremido pelas circunstâncias, se veja obrigado a fazer algumas revisões que não quis fazer lá.

Serviço

A reunião será realizada no Salão Negro do Congresso Nacional às 11h. Além dos governadores e do presidente Renan Calheiros, participarão do evento o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, os líderes partidários no Senado, os membros da Mesa do Senado e alguns membros da Mesa da Câmara. Governadores que não puderem comparecer podem enviar representantes.

Ao longo da manhã e até o início oficial da reunião, as autoridades ficarão à disposição da imprensa no Salão Nobre, e um púlpito para entrevistas coletivas será disponibilizado próximo às escadas que dão acesso às galerias do Senado.

O acesso ao Salão Negro será restrito aos profissionais devidamente credenciados com o adesivo holográfico específico para o evento, distribuído pela Polícia Legislativa. Cada governador e parlamentar poderá dispor de um assessor no local.

ICMS

O principal tópico do encontro será o déficit dos estados, que têm dificuldades para sanar dívidas com a União e para cumprir obrigações constitucionais. O Senado já se debruçou sobre projetos que criam válvulas de escape para esse problema e a reunião com os governadores pode ser o ponto de partida para uma solução mais concreta.

No entendimento dos senadores, essa resposta passa necessariamente por uma ampla reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cuja arrecadação é uma das principais fontes de receita para os estados.

A proposta mais avançada sobre o tema é o PRS 1/2013, que unifica as alíquotas interestaduais do imposto e dá maior peso à arrecadação no destino das mercadorias. O projeto já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e atualmente tramita na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR).

As alíquotas interestaduais, hoje de 7% e 12%, são cobradas na saída das mercadorias, beneficiando os estados que as produzem. Os estados de destino ficam com a diferença entre a alíquota interestadual e a final, que varia conforme a unidade federativa e o produto. A ideia é promover uma redução e unificação gradual dessas alíquotas.

Na última quarta-feira (13) a CDR promoveu audiência pública sobre o tema com secretários de Fazenda dos estados. Eles sugeriram que o texto final do projeto utilize como referência o Convênio 70, elaborado no ano passado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O documento estabelece prazo de oito anos para a mudança nas alíquotas, além da convalidação dos incentivos fiscais sobre o ICMS concedidos sem o aval do Confaz.

O Senado aprovou no início de abril um projeto que concretiza ao menos parte desse plano. Com o PLS 130/2014, os incentivos fiscais que os estados oferecem a empresas para que elas se instalem em seus territórios são validados. Ao longo dos anos, muitos deles foram concedidos em desacordo com a norma atual do Confaz, que exige concordância unânime dos membros do conselho. Assim, eles existem em estado de insegurança jurídica. O projeto está sob análise da Câmara.

Outro elemento fundamental da equação do ICMS é a criação de fundos, com provimento financeiro do governo federal, que compensem os estados que acabarem prejudicados pela nova distribuição do imposto e impulsionem o desenvolvimento regional.

Ainda em relação a mudanças na distribuição do ICMS, o Congresso promulgou também em abril a Emenda Constitucional 87, que garante a divisão do ICMS entre os estados, comprador e vendedor, sobre comércio eletrônico. Uma iniciativa do Senado em 2011, o dispositivo corrige uma distorção tributária que permitia o recolhimento de todo o ICMS pelo estado-sede da loja virtual. O estado de residência do comprador não tinha qualquer participação no imposto cobrado. Assim, eram beneficiados principalmente os entes mais desenvolvidos.

Indexador e repasses

Outra providência já tomada pelo Congresso para solucionar o endividamento dos estados, e cujas ramificações serão debatidas na reunião de Renan com os governadores, foi o novo indexador da dívida, aprovado em 2014. A mudança limita o reajuste anual ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% (ou a taxa Selic, o que for menor), o que alivia a progressão da dívida.

O Congresso acelerou também a regulamentação da matéria, que não foi feita de imediato. No final de abril o Senado aprovou o PLC 15/2015, que fixa até janeiro de 2016 o prazo para que o governo federal passe a aplicar a nova regra. O projeto está nas mãos da Câmara para decisão final.

O abastecimento do caixa dos estados, condição essencial para a administração da dívida, também foi abordado pelo parlamento em alguns aspectos e pode ganhar corpo no encontro dos governadores. Uma emenda ao PLC 15/2015 permite a estados e municípios o uso, como receita, de parte dos depósitos judiciais e administrativos de processos em andamento. É uma forma de aumentar a arrecadação a um custo baixo.

Em anos anteriores o Senado já havia tratado do assunto. A aprovação das novas regras para rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE), em 2013, garantirá mais dinheiro para as unidades da federação a partir do próximo ano. Em 2014 foi a vez de o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ganhar incremento, com promulgação de Emenda Constitucional que aumentou em um ponto percentual o repasse obrigatório de recursos da União.

Segurança pública

Não é apenas a questão financeira que preocupa governadores e senadores. A divisão de competências entre União, estados, DF e municípios também faz parte do pacto federativo e deve receber menção no encontro. Essa questão é bem representada pela PEC 33/2014, que inclui a segurança pública entre as obrigações comuns dos entes da Federação.

A proposta já foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e até consta da ordem do dia, mas sua votação em Plenário ainda depende de negociação com o Executivo.

Com o aumento da violência, a participação do governo passou a ser mais exigida para a modernização das instituições de segurança pública dos estados e do Distrito Federal. Há um fundo específico para a execução de ações relativas à área, o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), mas são frequentes as queixas de retenção dos recursos pelo Tesouro Nacional.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)