Joseana Paganine

 

No dia 13 de setembro de 1987, uma cápsula contendo um pó que emitia luz azul brilhante foi aberta, de modo desavisado, por catadores de material reciclável em Goiânia. O brilho azulado encantou trabalhadores e familiares. Logo se espalhou também pela vizinhança. Em pouco tempo, as pessoas começaram a se sentir mal. Consultada a Vigilância Sanitária, foi constatado que a substância era o elemento químico césio 137, altamente radioativo.

O fato, que ficou conhecido como o acidente do césio 137, ainda hoje se faz presente na vida dos acidentados e na memória da cidade. Vinte e cinco anos depois, as vítimas reivindicam assistência médica adequada, ressarcimento financeiro e pesquisa científica sobre as ­consequências da radiação a longo prazo. É o que pede Odesson Alves Ferreira, presidente da Associação das Vítimas do Césio 137 (AVCésio).

Odesson teve um dedo da mão direita amputado e outro da mão esquerda atrofiado por causa do contato com a substância. Era caminhoneiro e motorista de ônibus. Foi obrigado a se aposentar aos 32 anos. É irmão de Devair Ferreira, dono do ferro-velho onde a cápsula foi aberta, e de Ivo Ferreira, também contaminado.

Ele reclama que o Centro de Assistência aos Radioacidentados (Cara), que pertence à Secretaria da Saúde do Estado de Goiás, não vem cumprindo a função. O centro possui cerca de mil cadastrados, mas só 164 pessoas são acompanhadas pela instituição. Dessas, 60 são vítimas diretas do césio e devem receber medicamentos, mas isso não acontece desde novembro de 2010. O restante dos cadastrados não tem direito a assistência médica, apenas a ajuda financeira, no valor de um salário mínimo.

— O centro só existe porque existem os radioacidentados que precisam de assistência. Se ele não dá assistência, não precisa existir. Todos os envolvidos no acidente deveriam ter acompanhamento médico — reclama Odesson.

O diretor-geral do centro, André Luiz de Souza, disse que, desde a semana passada, a distribuição de medicamento para os 60 acidentados está sendo normalizada. Mas, segundo ele, isso não é o suficiente. Souza concorda com a reivindicação de assistência médica para todos.

De acordo com o diretor, as 164 vítimas que recebem acompanhamento do centro pertencem aos grupos 1 e 2, que estiveram em contato direto ou indireto com o césio. Os outros cadastrados pertencem ao grupo 3, composto por profissionais que auxiliaram no acidente, como policiais, bombeiros e pessoas que trabalharam na descontaminação da região e na remoção dos rejeitos.

A Lei 14.226/02, do estado de Goiás, reconheceu que os integrantes do grupo 3 também devem receber assistência integral. Mas o centro, sozinho, não tem condições de fornecê-la. Souza disse que o Ministério Público de Goiás já tomou conhecimento de que a lei não está sendo respeitada.

—O que é de competência do centro, nós estamos fazendo — garantiu.

 

Discriminação


Em compensação, Souza afirma que o trabalho de descontaminação feito à época foi muito bom. Ele contou que, há cinco anos, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) fez um estudo sobre as doenças que estão acometendo os envolvidos com o césio 137 e chegou à conclusão de que elas são as mesmas que acometem o resto da população, na mesma proporção. Mas o diretor pondera que é obrigação do poder público acompanhá-los para ver se surge algum sintoma diferente.

De acordo com o diretor, hoje a discriminação é o grande problema e não as doenças:

— Os acidentados são discriminados pela sociedade e, às vezes, até pela própria família. O estigma os torna mais vulneráveis e suscetíveis a transtornos psicológicos, conforme atestou pesquisa feita recentemente pela Secretaria da Saúde de Goiás.


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