População de Brasília participa, em 2013, dos protestos nacionais que começaram como reivindicações por melhorias no transporte público e contra altas tarifas. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

 

Em junho de 2013, parte significativa da população brasileira, especialmente jovens de classe média, tomou as ruas das principais cidades do país. Apesar de terem abrigado cada vez mais demandas à medida que se multiplicavam, os protestos tiveram como gatilho um fato específico: o aumento das tarifas de ônibus e a qualidade dos serviços de transporte no Brasil.

 

Desde então, iniciativas políticas têm tentado abordar esses problemas para corrigir defeitos pontuais ou para tornar o sistema mais eficiente. Um exemplo desse segundo tipo de ação aconteceu dia 15 no Plenário do Senado: o Congresso promulgou a Emenda Constitucional 90, que faz do transporte um direito social. Ela é fruto da PEC 74/2013, da deputada Luiza Erundina (PSB-SP). A nova emenda coloca o transporte na companhia de outros direitos já reconhecidos constitucionalmente como essenciais ao bem-estar social, como educação, saúde, segurança, moradia e previdência.

 

Relator da proposta, Aloysio Nunes ressalta que tudo depende de um bom sistema de locomoção. Foto: Ana Volpe/Agência SenadoO relator da PEC no Senado foi Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). Para ele, a institucionalização do transporte como direito social é um passo correto porque todos os demais direitos dependem de um bom sistema público de locomoção.

 

— Como ocorre em toda sociedade industrial, a geografia brasileira se caracteriza pela especialização dos usos do solo. Por isso, sem transporte, não há educação, saúde, trabalho, alimentação ou lazer, salvo aqueles eventualmente produzidos nas próprias residências e que a sociedade não pode tomar por base — justificou.

 

A PEC foi aprovada no dia 9. Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), ao anunciar voto favorável, disse enxergar uma relação inescapável de dependência entre o transporte de qualidade e o usufruto dos demais direitos assegurados pela Constituição. Ela, que é membro da Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI), citou especificamente o caso da educação.

 

— Às vezes falamos em evasão escolar e pensamos só na escola, não em como as crianças se deslocam das suas casas para ela. O transporte coletivo, hoje, passa a adquirir um papel fundamental na vida das pessoas — afirmou a senadora.

 

Primeiro passo

 

O presidente do Senado, Renan Calheiros, usou argumento semelhante na sessão de promulgação da nova emenda. Para ele, não reconhecer o transporte como uma garantia pode criar uma “bola de neve” de efeitos negativos.

 

— Transporte ruim leva o brasileiro a passar longos períodos em deslocamento até o trabalho, o que acaba comprometendo a sua própria produtividade. É ruim para o trabalhador, para a empresa e para a sociedade — disse.

 

Renan também afirmou que não basta a intenção de elevar o transporte à categoria das prioridades sociais — é preciso criar os meios para efetivar essa postura.

 

— Assegurar o transporte como direito social é um primeiro passo de um longo caminho. Precisamos de políticas públicas, de ação governamental efetiva, para garantir um transporte de qualidade a todos os brasileiros.

 

De fato, a simples inclusão de um tema no artigo 6º da Constituição, que enumera os direitos sociais, não garante que a sociedade ganhe imediatamente mais acesso a ele. O consultor legislativo João Trindade, especialista em direito constitucional, explica que, a partir de agora, será necessária a ação dos parlamentares.

 

— O efeito imediato é muito pequeno, mas não dá para dizer que é inócuo. Cria um direito fundamental, então cria também a obrigação do legislador de regulamentá-lo, ou seja, vai depender de regulamentação para poder produzir efeitos práticos — explicou.

 

Em outras palavras, é possível dizer que a nova emenda constitucional cria um “vazio legislativo”, que precisa, agora, ser preenchido. O professor Paulo César Marques, da Universidade de Brasília (UnB), especialista em mobilidade urbana, afirma que esse reconhecimento aponta numa boa direção.

 

— Não há alteração imediata, mas dá respaldo para o Estado ser responsável por políticas públicas de abrangência universal — disse.

 

A norma já abre a possibilidade de que os cidadãos cobrem do poder público a criação dos mecanismos legais que façam jus ao novo status do transporte.

 

— Provavelmente será cabível que, se o legislador não regulamentar e o Executivo não melhorar as condições, [o cidadão] entre com mandados de injunção para reconhecer a chamada “mora”, a demora para se reconhecer e efetivar um direito — explicou João Trindade.

 

O mandado de injunção é uma ferramenta jurídica que combate a chamada inconstitucionalidade por omissão, que fica configurada quando um direito constitucional não pode ser exercido por falta de regulamentação adequada. Ou seja, caso não sejam estabelecidas leis prevendo as garantias e as formas de exercício do direito ao transporte, será possível contestar judicialmente essa omissão e, assim, exigir do Legislativo que desenvolva essas garantias.

 

O consultor adverte, porém, que o Judiciário não tem a capacidade de determinar a alocação de recursos para a execução de políticas públicas e que demandas individuais referentes a casos particulares — em oposição a uma ação coletiva, por exemplo — podem não ter força suficiente para prevalecer.


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