Adolescentes internos da Fundação Casa (antiga Febem), em São Paulo: revista vexatória inibe as visitas dos familiares. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Tirar toda a roupa. Agachar-se em cima de um pequeno espelho. Primeiro de frente, depois de costas. Saltar. A série de procedimentos constrangedores faz parte da rotina dos familiares de quase 20 mil adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) em todo o Brasil. Independentemente da idade ou do sexo, eles precisam cumprir os procedimentos para conseguir ver o filho, a filha, o irmão ou o neto numa das mais de 300 unidades de atendimento espalhadas pelo país.

 

Na falta de uma lei que discipline a revista de visitantes no Sinase, os familiares que visitam os internos são obrigados a se sujeitar aos mesmos métodos de revista pessoal adotados nas prisões. Humilhante e ofensiva, condenada na Constituição e por entidades judiciárias e de direitos humanos, a prática ficou conhecida como revista vexatória.

 

A boa notícia é que ela está prestes a ser banida do país.

 

O Senado aprovou em novembro o Projeto de Lei do Senado (PLS) 451/2015, que acaba com a revista vexatória dos visitantes das unidades de internação do Sinase. Enviada para a Câmara dos Deputados, a proposta acrescenta à Lei 12.594/2012, que instituiu o sistema, dispositivos disciplinando a revista pessoal obrigatória para acesso às unidades de internação.

 

Tratamento desumano

 

O texto proíbe qualquer forma de “desnudamento ou introdução de objetos na pessoa, tratamento desumano ou degradante” e determina que a revista será feita com uso de equipamentos eletrônicos, como detectores de metais e aparelhos de raios X.

 

Para o autor do projeto, senador Eduardo Amorim (PSC-SE), a lei será um instrumento capaz de inibir a revista vexatória.

 

Para Amorim, autor do projeto que proíbe revista vexatória, medida afeta a dignidade. Foto: Pedro França/Agência Senado

 

— Esse procedimento afeta a dignidade da pessoa, na medida em que a submete a procedimentos extremante humilhantes, incluindo posições desconcertantes e até a manipulação de órgãos genitais — lamenta o senador.

 

Em 2006, uma inspeção feita pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em unidades de internação de 22 estados e do Distrito Federal apontou que apenas três estados não adotavam revista vexatória: Bahia, Ceará e Santa Catarina. Nestes dois últimos, as famílias não eram revistadas, mas os internos sim, após as visitas.

 

Desde então, pelo menos em dez estados foram editadas normas disciplinando as revistas em visitantes de presídios e unidades socioeducativas, banindo as práticas vexatórias.

 

Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraíba e Amazonas têm alguma legislação sobre a questão, mas, mesmo assim, a revista continua sendo a prática mais comum.

 

No Rio de Janeiro, os deputados estaduais derrubaram os vetos do governador Luiz Fernando Pezão às propostas aprovadas na assembleia legislativa que extinguiram, nos presídios e no sistema socioeducativo, o desnudamento, o agachamento sobre espelho e a inspeção anal e vaginal de familiares em dias de visita. Para evitar que as revistas persistissem nos sistema, os parlamentares também entregaram ao governo fluminense um cheque no valor de R$ 19 milhões para compra de 33 scanners corporais.

 

O senador Eduardo Amorim explica, porém, que a compra de equipamentos é a melhor solução para substituir as revistas a visitantes, mas não é a única.

 

— Se não há orçamento para adquirir esses equipamentos, a revista manual pode ser a regra. Todavia, o desnudamento fica expressamente proibido — esclarece.

 

A revista manual está prevista no PLS 451/2015. Ela pode ser adotada, por exemplo, no caso de a pessoa ter problemas de saúde que a impeçam de se submeter a determinados equipamentos de revista eletrônica ou no caso de a revista eletrônica apontar a suspeita de porte ou posse de objetos proibidos.

 

Sala separada

 

Para assegurar que não haja excessos, a relatora do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senadora Ana Amélia (PP-RS), incluiu uma emenda no texto definindo o que é revista manual e reforçando a proibição do desnudamento e das manobras constrangedoras.

 

Com a emenda, o texto define revista manual como “inspeção realizada mediante contato físico da mão do agente público competente sobre a roupa da pessoa revistada, sendo vedados o desnudamento total ou parcial, o uso de espelhos e os esforços físicos repetitivos, bem como a introdução de quaisquer objetos nas cavidades corporais da pessoa revistada”.

 

O projeto esclarece ainda os procedimentos sobre revista manual, que terá de ser feita por servidor habilitado e do mesmo sexo da pessoa revistada, de forma individual. Caso a pessoa a ser revistada assim o deseje, poderá ser realizada em sala apropriada apartada do local da revista eletrônica e sem a presença de terceiros.

 

— Esse projeto chega em boa hora. A revista vexatória viola o principio da dignidade da pessoa humana e dificulta que o adolescente tenha acesso à convivência familiar e comunitária. Além disso, os scanners e essas outras formas de inspeção são muito mais adequadas — afirma a senadora.

 

Ana Amélia cita ainda uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que condena a prática e uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária que veda a realização de revista vexatória, substituindo-a pelo uso de equipamentos eletrônicos.

 

Além disso, a própria legislação do Sinase proíbe a submissão dos adolescentes à situação mais gravosa do que seria submetido um adulto nas mesmas condições.

 

Paola Lima


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