Toda loucura é resguardada

Da Redação | 09/12/2014, 00h00

Larissa Bortoni

 

Ana Rosa e Leonardo são tratados em serviços comunitários e públicos de saúde mental. É o que prevê a Lei Antimanicomial (Lei 10.216/2001): internação só quando o tratamento fora do hospital se mostrar ineficaz. Prevê três situações para as internações: a voluntária (com o consentimento do paciente), a involuntária (sem o consentimento e a pedido de outra pessoa) e a compulsória (determinada pela Justiça).  As internações voluntárias e involuntárias devem ser autorizadas por médicos.

 

Por causa da lei, 70 mil leitos psiquiátricos foram fechados desde 2001. A consequência, segundo Roberto Tykanori, do Ministério da Saúde, foi um significativo aumento no número de atendimentos na rede comunitária de saúde. Em 2002, foram atendidos 400 mil cidadãos com transtornos psiquiátricos. Em 2010, 20 milhões.

 

Em substituição aos hospitais psiquiátricos, o Ministério da Saúde determinou em 2002 a criação dos Centros de Atenção Psicossocial. Os Caps são espaços para o acolhimento de pacientes com transtornos mentais. Dados do ministério mostram que há 2.155 centros. O Brasil tem 5.570 municípios.

 

A Lei Antimanicomial tem defensores ardorosos, como Roberto Tykanori, para quem a mudança restituiu a cidadania aos brasileiros com transtornos mentais. O psiquiatra Augusto César de Farias Costa acrescenta que mais um ingrediente nesse processo é o Programa De Volta para Casa. Criado em 2003, prevê o pagamento de um auxílio (R$ 412, hoje) ao paciente psiquiátrico que ficou internado por longos períodos.

 

O psiquiatra Renato Cânfora apresenta outros benefícios, como a possibilidade de a família também receber apoio no centro de atendimento. Além disso, faz parte da terapia a participação em oficinas ocupacionais, que habilitam o doente a uma atividade produtiva.

 

Pronto-socorro

 

Ao contrário do que muitos imaginam, os Caps, de acordo com Cânfora, não substituem o atendimento emergencial nos episódios de surto. Nesses momentos, os pacientes são conduzidos aos prontos-socorros de hospitais.

 

Na lida diária com a realidade de um Caps estão Girlene Marcos Pinheiro e Márcia Kafuri. A primeira gerencia o centro em Taguatinga, uma das cidades do Distrito Federal. Atende 470 pessoas. Márcia responde por um Caps de Goiânia.

 

O objetivo, explica Girlene, é promover a reinserção social dos doentes. Para isso, a terapia começa tão logo o paciente é recebido. Há todo um estudo sobre a situação da pessoa. Com o levantamento pronto, é ofertada uma série de recursos, além do próprio atendimento psiquiátrico.

 

Mas há problemas, admite Girlene. Não há Caps em quantidade suficiente para acolher quem precisa. Por isso, muitos não acessam o serviço.

 

— Temos vários pacientes que passaram por inúmeras internações. Depois que vieram para o Caps, nunca mais foram internados — garante Girlene.

 

Naquele Caps de Goiânia, são atendidos 300 pacientes. Todos passaram por longas internações. Márcia se entusiasma com os resultados. Diz que a melhora pode ser aferida por qualquer índice.

Se há falta de centros de atenção psicossocial, a carência é ainda maior quando se trata dos serviços residenciais terapêuticos. São casas para abrigar pacientes com transtornos severos que perderam contato com a família e não têm para onde ir com o fechamento dos manicômios. São 274 no Brasil.

 

Gravidez

 

Letícia tinha acabado de nascer quando Cláudia foi internada pela primeira vez num hospital psiquiátrico. Era quase uma menina: 19 anos. Gravidez complicada com quadro de pré-eclâmpsia. Psicose pós-parto. Tratada. Recebeu alta e foi para casa. Uma nova gravidez. Dessa vez do Lucas.

 

Mais uma pré-eclâmpsia. Mais uma psicose pós-parto. Mais uma internação. De lá para cá, nem se recorda de quantas vezes foi hospitalizada, mas sabe que passou mais tempo em hospitais psiquiátricos do que em casa. A fase agora é boa. Há nove meses está em tratamento domiciliar.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)