O lado ruim do acesso facilitado ao crédito

Da Redação | 03/09/2013, 00h00

Cintia Sasse

 


 

Os idosos brasileiros conquistaram o acesso ao crédito consignado em setembro de 2004, com a Lei 10.953. A autorização legal para o INSS descontar as prestações do empréstimo no valor dos benefícios é considerada uma experiência bem brasileira. Poderia ser considerado um avanço, que inexiste na maioria dos países, não fossem as consequências que transformaram idosos em presas fáceis do assédio dos bancos, seus intermediários — os conhecidos pastinhas — e até dos próprios familiares.

Essa avaliação pode ser extraída de uma pesquisa com 215 idosos de São Paulo e de Porto Alegre, feita entre 2006 e 2007 por especialistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pelo Procon paulista.

— É preciso ter regras claras que realmente funcionem, acabar com a ação dos intermediários e prestar muitas informações, em cursos e outras formas, para que os idosos possam enfrentar o assédio e decidir com mais segurança sobre o que querem fazer — recomenda o professor Johannes Doll, especialista em educação e envelhecimento e um dos responsáveis pela pesquisa.

O levantamento evidenciou a baixa escolaridade entre aposentados e pensionistas, mesmo sendo pessoas da classe média e da média baixa, segundo o professor. Quase 20% não tinham nenhuma escolaridade e 47,9%, apenas quatro anos. Ou seja, praticamente dois terços dos entrevistados mal sabiam ler e escrever. O que, de acordo com Doll, é compatível com os resultados da pesquisa feita em 2007 pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com o Serviço Social do Comércio (Sesc), considerada uma das mais amplas sobre os idosos brasileiros, que ouviu 2.136 pessoas com mais de 60 anos de todas as regiões do país.

Pouco mais de um terço dos aposentados e pensionistas gaúchos e paulistas tinham consignado. Dos endividados, 41% disseram que a vida deles havia piorado e 35%, ao contrário, manifestaram melhora com o acesso ao crédito. Portanto, disse Doll, não se pode dizer que o crédito seja ruim. Mas há consequências perversas.

— Pela baixa escolaridade, grande parte deles nem sabe o que significa juro nem consegue avaliar os reflexos dos empréstimos na sua aposentadoria. A maioria viveu em uma época onde não havia facilidade de obter crédito — explica o professor, que também integra o Conselho Estadual do Idoso do Rio Grande do Sul.

A pesquisa mostrou que 33% dos endividados tiveram que reduzir drasticamente despesas pessoais, cortando compras de remédios, de mantimentos e até cancelando plano de saúde.

Entre os motivos para se endividarem, despontou como o principal a ajuda a familiares, em geral filhos e netos.

Alguns casos envolvem indiretamente os chamados acidentes da vida. Em um deles, por exemplo, a idosa se endividou para ajudar o filho a comprar um carro, no qual ele se deslocava para apoiar o pai hospitalizado. O filho vendeu o carro por dificuldades financeiras e à mãe restou a dívida no consignado. O segundo motivo foi fazer o empréstimo consignado para reformar a casa. O terceiro foi pagar dívidas, aproveitando os juros mais baixos. E, em quarto, foram as doenças, separações e outros acidentes da vida.

— Os idosos formam um grupo grande e heterogêneo. Essa pressão dos familiares vale tanto para aqueles que ainda são chefes de família quanto para os que têm 80, 90 anos ou mais — explicou o especialista, que vem estudando a violência doméstica contra o idoso. Ele conta que já ouviu relato de aposentado dizendo que se não faz o crédito, apanha em casa.

Outro aspecto relevante é fazer com que as regras realmente funcionem. A margem consignável de 30% do benefício, que deveria ser um mecanismo de proteção aos aposentados e pensionistas, está sendo driblada de várias maneiras, inclusive com a compra das dívidas entre as instituições financeiras, a chamada portabilidade.

— Precisa haver um controle efetivo dessa margem — ­defendeu o especialista.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)