Idosos chegam a comprometer 100% da aposentadoria

Da Redação | 03/09/2013, 00h00

Cintia Sasse

 

Há 15 anos, quando um dos  três filhos dele foi morto em um assalto em frente à residência da família, no Rio de Janeiro, o militar reformado Valter Barreto viu a vida virar de cabeça para baixo. Morava em uma casa ainda inacabada e estava se separando da mulher.

— Fiquei tão perdido, tão diferente, que nem conseguia fazer os cálculos do meu endividamento — lembra Barreto, que, aos 75 anos, luta judicialmente para tentar a renegociação de 16 empréstimos consignados, dos quais 10 em um único banco.

Caso emblemático do idoso que entra no ciclo do endividamento excessivo pelos chamados acidentes da vida, Barreto resolveu recorrer no ano passado à Defensoria Pública do Rio, que mantém um núcleo de atendimento aos superendividados. Ele conta que só foi atendido porque o valor que restava da aposentadoria era muito baixo.

Apesar da margem consignável de 30% do benefício estipulada em lei, o idoso comprometeu 65%.

— Entrei com um pedido para adequar os pagamentos ao limite legal — resume Barreto.

A possibilidade de quitar um empréstimo consignado com outro, em bancos diferentes, e o assédio dos chamados pastinhas explicam, segundo o aposentado, a ultrapassagem da margem consignável.

— Não posso culpar ninguém. Precisava do dinheiro. Mas tive muito assédio por telefone. Alguns me surpreendiam. Quando me procuravam, já sabiam o valor das minhas dívidas — diz Barreto.

A indução ao endividamento abusivo é muito frequente, provocada não só pelo marketing agressivo das instituições financeiras na oferta do consignado e pelo assédio dos correspondentes, que recebem pelo número de contratos firmados. Muitas instituições burlam a margem legal quando induzem os idosos a transformar as contas exclusivas para recebimento de proventos ou pensões em contas correntes, passando a oferecer diversas modalidades de crédito, como os automáticos liberados nos caixas eletrônicos.

Por esse mecanismo, alguns idosos chegam a comprometer 100% da aposentadoria ou pensão, impossibilitando a subsistência deles e das famílias, de acordo com as ocorrências analisadas pela Delegacia de Segurança e Proteção ao Idoso de Teresina, que produziu um farto material sobre abusos e fraudes nos consignados, entregue ao ministro da Previdência.

“Os abusos são tão grandes que muitas instituições averbam reserva de margem consignada (RMC) no órgão pagador, sendo comum a efetivação pelo INSS, sem qualquer autorização do titular do benefício”, registra o documento.

Os valores seriam para pagar faturas de cartões de crédito que, em muitos casos, conforme o dossiê, os idosos não receberam. Eles também enfrentam enorme dificuldade para cancelar a RMC.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)