Políticas públicas podem ajudar a reeducar agressores de mulheres, dizem especialistas

Da Redação | 01/12/2015, 15h51

Senadores e integrantes do Ministério Público, do Judiciário e de programas públicos contra a violência doméstica acreditam ser possível a reeducação dos homens agressores. Eles debateram o tema em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) nesta terça-feira (1º) e concluíram que, embora seja um desafio, a mudança é possível desde que haja políticas públicas específicas.

Os expositores da audiência trouxeram exemplos de ações que estão sendo feitas em alguns estados do país e que têm obtido sucesso. A partir da educação e reflexão em grupos, grande parte dos homens que agrediram mulheres e foram processados pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) está deixando de reincidir na prática da violência. De acordo com os palestrantes, o trabalho com os agressores é importante também e não deixa de ser uma política de proteção às mulheres.

O juiz Jamilson Haddad Campos, da 1ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Cuiabá (MT), lembrou que as ações de reeducação já estão previstas na própria Lei Maria da Penha. Para Campos, essa linha de trabalho precisa ser multiplicada pelo Brasil, onde apesar de haver uma das legislações mais avançadas no combate à violência contra a mulher, uma em cada quatro mulheres já sofreu agressões físicas ou psicológicas associadas à condição de gênero. Ele observou que o país ocupa a quinta posição em ranking global de assassinatos de mulheres, ficando atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia.

Para a senadora Regina Sousa (PT-PI), que propôs o debate, a audiência pública foi uma das mais importantes já realizadas na CDH com a temática de violência contra a mulher. Ela afirmou que essas ações devem se transformar em políticas de Estado.

— Se as pessoas em iniciativas individuais já conseguem fazer tanto, imagina se têm o apoio do Poder Público — afirmou.

O senador Donizeti Nogueira (PT-TO) defendeu a ressocialização dos agressores e disse que é preciso combater o sentimento de propriedade que o homem tem sobre a mulher.

— Acho que é um aprofundamento do processo educacional desde a infância. É necessário ter punições severas, mas também a gente tem que encontrar uma forma de ressocializar esse homem — afirmou.

Para a senadora Fátima Bezerra (PT-RN), o país deu passos importantes do ponto de vista da legislação, mas que é preciso avançar nas políticas públicas.

— Avançamos, mas o quanto nós precisamos avançar ainda do ponto de vista de cobrar da sociedade civil, do parlamento e dos governos aquilo que é competência dos governos — disse.

A senador Simone Tebet (PMDB-MS), que preside a Comissão Mista de Combate à Violência Contra a Mulher, admitiu como indispensável um “olhar” para a reeducação dos agressores e, sobretudo, para a educação das novas gerações. Ela defendeu a inclusão do tema nos conteúdos escolares e se prontificou a estimular esse debate na Comissão de Educação.

— Temos que mudar a mentalidade do menino e da menina. É preciso deixar claro que é direito da mulher ser tratada com respeito — afirmou.

A audiência foi mais um evento dentro do ciclo destinado a analisar as políticas públicas de combate à violência contra as mulheres que está sendo realizado pela CDH, em cumprimento à determinação regimental para que cada comissão técnica da Casa promova anualmente a avaliação de uma das políticas públicas do seu campo de atuação. A senadora Regina Sousa foi encarregada de produzir o relatório.

Exemplos positivos

No Rio Grande do Norte, a promotora de Justiça do Ministério Público Érica Veras citou o exemplo do grupo reflexivo de homens, criado em 2009, para agressores que respondem a processos pela Lei Maria da Penha. O objetivo do grupo, segundo ela, é o de esclarecer a esses homens que a violência contra a mulher é um problema sócio-histórico e, por meio da reflexão, fazê-los mudar a atitude, quebrando o ciclo da violência.

O grupo funciona uma vez por semana, por duas horas e são dez encontros obrigatórios. Ali também acontece a troca de experiências, pois é dado espaço e voz aos participantes. Entre as frases que Érica relatou escutar nesse grupo, estão “Eu não bati nela. Eu bati no atrevimento dela” ou “Eu pensei que não podia bater na mulher dos outros, mas na minha eu não sabia que era proibido”. A promotora afirmou que os resultados do grupo estão superando as expectativas.

— Nós esperávamos reduzir (a reincidência) em 50%, mas já temos três anos de funcionamento do grupo, mais de 300 homens já passaram pelo grupo em três cidades diferentes do Rio Grande do Norte e surpreendentemente nós mantemos o índice de reincidência zero — disse.

O projeto Lá em casa quem manda é o respeito, desenvolvido há quatro anos pelo Ministério Público do Mato Grosso é outro caso de ação positiva para reeducação do agressor. O projeto trabalha com os homens que estão presos e, por meio de sessões com psicólogos e assistentes sociais, eles podem contar suas histórias. Segundo a promotora Lindinalva Costa, dos 2 mil homens atendidos até hoje, houve 6% de reincidência. Mas desses 6%, mais de 70% eram homens que tinham problemas com álcool e drogas

— E nós pudemos ver que o João, o Antônio, o José eram todos o mesmo homem. Tinham todos a mesma história de vida – homens sofridos, que viram a mãe sendo espancadas pelo pai ou padastro e que apanharam muito na sua infância — contou.

A promotora Maria Gabriela Prado Manssur, coordenadora do Núcleo de Combate à Violência contra a Mulher do Ministério Público (MP), em Taboão da Serra (SP), falou do projeto Tempo de Despertar. Iniciado há três anos, o projeto foi lançado após se constatar que, em 65% dos casos de violência, os autores eram reincidentes.

— Penso ser necessário se criar a obrigatoriedade de os homens comparecerem a esses cursos, inclusive de modo que essa participação possa trazer algum benefício para ele, como a eventual atenuação da pena ou troca da pena de privação de liberdade pelo sursis, que é a suspensão condicional da pena — falou.

Núcleo de atendimento

A psicóloga Maisa Guimarães, da Subsecretaria de Política para Mulheres do Distrito Federal, relatou sobre o trabalho do Núcleo de Atendimento às Famílias e a Autores de Violência Doméstica. Criado em 2003, o trabalho hoje apresenta nove núcleos de atendimento no DF e a demanda tem crescido. O serviço é vinculado à Justiça, que encaminha os agressores para os núcleos.

— Em 2012, tínhamos uma média de 40 autores de violência encaminhados por mês para o serviço. Em 2015, 115 homens são encaminhados por mês, o que representa nesses últimos três anos um aumento de 275% da demanda pelo serviço — afirmou.

Verginia Dirami Berriel, que representou a Central Única dos Trabalhadores (CUT), falou das iniciativas da entidade no sentido da promoção da mulher e no combate às desigualdades e violência de gênero. Observou que, na nova diretoria da CUT, numericamente homens e mulheres estão igualmente representados.  Também participou do debate Luciana Beco Madureira, psicóloga da Secretaria de Saúde do DF, que atua em projeto de reeducação de presos em unidades prisionais. O objetivo é evitar a reincidência, como foco especial em internos que cometeram crimes contra a dignidade sexual das mulheres.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)