Propostas mudam CDC para elevar proteção ao consumidor em calamidades

Da Redação | 11/09/2020, 11h29

O Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei 8.078, de 1990) completa 30 anos nesta sexta-feira (11) e foi um marco no amparo aos direitos dos cidadãos e na qualidade dos serviços oferecidos para a população. Apesar da eficácia da proteção garantida pela lei, a calamidade pública decretada no Brasil em razão da pandemia de covid-19 mostrou que ainda há lacunas a ser preenchidas para diminuir a fragilidade do cliente no seu relacionamento com empresas. Os senadores têm trabalhado por isso.

Uma das primeiras consequências para o consumo após a disseminação do novo coronavírus no país foi a escalada dos preços de produtos importantes para a proteção e enfrentamento à doença, como álcool em gel, máscaras e luvas descartáveis e até mesmo medicamentos e equipamentos hospitalares. Houve corrida às farmácias e mercados, disputa por produtos, dispêndios abusivos e desabastecimento.

A prática persiste até os dias atuais, com cobrança exagerada de preços de alguns artigos. O último exemplo é o arroz, escasso no mercado por causa da preferência do produtor agrícola pela exportação, que paga mais e em dólar, o que diminui a oferta do produto no mercado interno. Os preços do leite e do óleo de soja também já estão se elevando.

— Estamos num momento muito doloroso no quesito arroz, que poderá se estender a outros produtos da cesta básica — lamentou o senador Angelo Coronel (PSD-BA) em entrevista à Agência Senado.

De acordo com nota técnica divulgada pelo Ministério Público de São Paulo, qualquer fornecedor que use a escassez de um bem sabendo da alta procura em razão da pandemia e decida aplicar um aumento arbitrário nos lucros, infringe o CDC. No entanto, as consequências são administrativas, e não criminais, como a imposição de multa e até mesmo a cassação do alvará que autoriza o funcionamento do estabelecimento comercial, diz o documento do MP-SP.

Os senadores sabem dessas limitações e, para alterar o cenário e evitar aumentos abusivos e indiscriminados, apresentaram propostas que criminalizam a prática, protegem o consumidor, além de facilitar a flexibilização de regras contratuais em prol dos cidadãos, especialmente em ocasiões especiais, como pandemias e desastres.

Crime

Somente no Senado, existem mais de 40 propostas para atualizar o CDC. Mas em 2020, os senadores se concentraram em proteger os cidadãos nas exceções originadas com o distanciamento social e os cancelamentos causados pela covid-19.

É o caso do projeto do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que altera o Código de Defesa do Consumidor e a lei que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (Lei 8.137, de 1990) para estabelecer sanções penais e econômicas para o aumento abusivo no preço de produtos, como o que tem ocorrido nos últimos dias. O projeto determina pena de 2 a 5 anos de reclusão e multa para quem praticar esse tipo de crime (PL 771/2020).

Randolfe citou valores como o preço do álcool em gel de marca popular, por exemplo, que aumentou de R$ 16,06, em 27 de fevereiro, para R$ 41,99, em 4 de março. Para ele, a conduta, além de "repulsiva", é ilegal e configura prática abusiva.

“Isso ocorre devido à imprecisão dos termos no Código de Defesa do Consumidor e também pela fragilidade da sanção a ser aplicada pelo descumprimento. A elevação que queremos coibir é aquela que representa um aumento na margem de lucro não por otimização dos processos de aquisição, armazenamento, distribuição e venda de produtos, mas por mero aproveitamento de necessidade social ocasionado pela crise de abastecimento”, afirma.

O senador Angelo Coronel (PSD-BA) propõe criminalizar a elevação de preços, sem justa causa, em períodos como a pandemia do novo coronavírus, especialmente quando se tratar de produtos hospitalares. Para isso, o PL 768/2020 altera o CDC para prever detenção de 1 a 3 anos e multa para quem elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços em época de emergência social, calamidade pública ou pandemia.

Para o senador, é um crime ainda mais grave quando a elevação de preços sem justa causa for de produtos médico-hospitalares, um crime contra toda a coletividade, em sua opinião. Por isso, o projeto inclui no Código Penal (Decreto-Lei 2.840, de 1940) o crime de elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços médico-hospitalares em época de emergência social, calamidade pública ou pandemia, com pena de reclusão de 2 a 5 anos mais multa.

De forma similar, a proposta (PL 2.189/2020) do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) torna crime a conduta de aumentar abusivamente o preço de produtos ou serviços em situações de epidemia, desastres de grandes proporções e calamidade pública, punível com pena de detenção, de 6 meses a 2 anos, mais multa.

Segundo o senador, chama a atenção o fato de existirem comerciantes que, de forma criminosa, buscam obter vantagens financeiras excessivas em situações emergenciais como a pandemia de covid-19 ou em tragédias como a queda das barragens de Brumadinho ou Mariana, ambas em Minas Gerais.

“Tais condutas atentam contra os direitos dos consumidores, pois, em situações de alta demanda e baixos estoques, privilegiam a busca pelo lucro desmedido em detrimento da saúde, da dignidade e do bem-estar dos consumidores. Essa especulação de preços gera um grande desequilíbrio nas relações de consumo e, portanto, deve ser prontamente reprimida”, opinou.

Adequação de estabelecimentos

O senador Veneziano Vital do Rego (PSB-PB) quer assegurar condições sanitárias para os clientes e pacientes que procuram atendimento durante a ocorrência de epidemias. O texto do PL 1.360/2020, de sua autoria, altera o CDC para obrigar o fornecedor de produtos ou serviços, quando houver surto, epidemia ou pandemia, a adotar medidas de adequação em seus estabelecimentos, para minimizar o risco de transmissão de doença infectocontagiosa. A ideia é mitigar os efeitos adversos de uma possível contaminação dos estabelecimentos comerciais e hospitalares.

Veneziano cita algumas das medidas: sinalização interna e externa de ambientes fechados e abertos; uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), como máscaras, jalecos e luvas descartáveis pelos funcionários; instalação de divisórias de vidro ou acrílico que separe o atendente do consumidor (ou paciente); infraestrutura para a higienização das mãos, com o fornecimento de água, sabão e álcool em gel; treinamento dos funcionários para as determinações de caráter educativo; entre outras, que serão definidas por regulamento das autoridades sanitárias.

“O Estado pode impor ao fornecedor medidas de adequação dos estabelecimentos em épocas de pandemia, sem afrontar o princípio da livre iniciativa”, justificou o senador.

Outra proposta que amplia as garantias para clientes é o PL 2.569/2020, do senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que obriga o fornecedor de produtos ou serviços a oferecer canal de atendimento ao consumidor — inclusive nas hipóteses em que o estabelecimento estiver fechado por determinação do poder público.

A alteração no CDC assegura que fornecedores ofereçam aos consumidores canal de atendimento para receber reclamações do produto ou serviço, esclarecer dúvidas, questionar valores ou formas de cobranças e pagamentos, prestar orientação e receber outras demandas. O funcionamento poderá ser presencial ou remoto, por qualquer meio eletrônico. Se o estabelecimento estiver fechado, ainda que por determinação do poder público, o atendimento deverá ser oferecido por plantão telefônico no horário comercial.

Caso esse canal não venha a funcionar corretamente, ficaria configurada, de acordo com a proposta, a prática abusiva, suspendendo as obrigações do consumidor até o atendimento da solicitação ou até a apresentação de justificativa fundamentada ao consumidor, que não poderá sofrer qualquer penalidade.

Contratos

A senadora Rose de Freitas (Podemos-ES) buscou instrumentos para fixar condições de reequilíbrio dos contratos em casos de surto, epidemia ou pandemia. Para isso, apresentou o PL 1.520/2020, que facilita alterações nos contratos já firmados entre fornecedores e consumidores, durante período de decretação de estado de calamidade pública.

Pelo texto, os contratos já firmados podem ser alterados desde que tenham por objetivo: a conversão de produto ou serviço em crédito para seu usufruto em até doze meses após o encerramento do estado de calamidade; a substituição por outro produto ou serviço equivalente; a resolução do contrato mediante o devido reembolso das quantias pagas e não utilizadas, caso o produto não possa mais ser entregue ou o serviço não possa ser prestado; e qualquer outra forma de repactuação desde que mais favorável ao consumidor.

“Preocupados com o momento sensível que a pandemia gera também na economia, em especial na atividade empresarial, propomos este projeto que apresenta soluções mutuamente benéficas, pois: permite às empresas um fôlego extra para ajustar sua vida financeira e operacional, mediante a possibilidade de postergação da entrega do produto ou da prestação do serviço por um prazo de até um ano após o encerramento da vigência do respectivo decreto de calamidade pública; faculta a substituição por um produto ou serviço equivalente que possa ser prestado de modo alternativo, por exemplo, a distância, mas igualmente eficaz; possibilita a resolução do contrato, mediante o devido reembolso das quantias pagas e não utilizadas, caso o produto não possa mais ser entregue ou o serviço não possa ser prestado; e permite outra forma de pactuação a ser celebrada entre as partes, desde que mais benéfica ao consumidor”, detalhou.

Já o PL 2.021/2020, da senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), modifica o CDC para tornar nulas as cláusulas de fidelidade de contratos em vigor firmados antes da decretação de estado de calamidade pública pelo governo federal, como no caso decorrente da pandemia de covid-19.

A senadora argumenta que a crise afetou a economia das famílias, interferindo na capacidade de manter em dia o pagamento de contratos como os de telefonia, televisão a cabo e outros serviços.

“Nesse quadro, devem as famílias direta ou indiretamente afetadas, ou seja, todas as famílias brasileiras, terem o direito de verem as cláusulas de fidelidade de contratos anuladas, de modo que possam redimensionar seus gastos domésticos e redirecioná-los ao auxílio dos mais necessitados”, justificou Mara

PROPOSTAS
PL 768/2020) Angelo Coronel (PSD-BA Punição na esfera penal para a elevação sem justa causa de preço de produtos ou serviços em época de emergência social, calamidade pública ou pandemia, com pena de 1 a 3 anos de reclusão e multa.
PL 771/2020 Randolfe Rodrigues (Rede-AP)

Prevê o crime de elevação de preços abusivos durante epidemias, com pena de 2 a 5 anos de reclusão e multa.

PL 2.189/2020 Styvenson Valentim (Podemos-RN) Torna crime a conduta de aumentar abusivamente o preço de produtos ou serviços em situações de epidemia, desastre ou de calamidade pública, punível com pena de detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa.
PL 1.360/2020 Veneziano Vital do Rego (PSB-PB) Obriga o fornecedor de produtos ou serviços, quando houver surto, epidemia ou pandemia, a adotar medidas de adequação em seus estabelecimentos, para minimizar o risco de transmissão de doença infectocontagiosa.
PL 1.520/2020 Rose de Freitas (Podemos-ES) Fixa condições de reequilíbrio dos contratos em casos de surto ao assegurar a possibilidade de haver alterações nos contratos entre fornecedores e consumidores, durante o período de decretação de estado de calamidade pública no país.
PL 2.021/2020 Mara Gabrilli (PSDB-SP)

Modifica o CDC para tornar nulas as cláusulas de fidelidade de contratos em vigor firmados antes da decretação de estado de calamidade pública pelo governo federal.

PL 2.569/2020 Roberto Rocha (PSDB-MA) Obriga o fornecedor de produtos ou serviços a oferecer canal de atendimento ao consumidor — inclusive nas hipóteses em que o estabelecimento estiver fechado por determinação do poder público.
PL 3.703/2020 Wellington Fagundes (PL-MT) Inclui no rol de práticas abusivas descritas no CDC a exigência de apresentação de documentação complementar “sempre que a certidão de óbito constituir meio de prova suficiente para confirmar a ocorrência do sinistro coberto pelo seguro”.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)