Para presidente do Incra, regularização fundiária reforça fiscalização do Estado
Da Redação | 11/02/2020, 18h40
Medida provisória (MP 910/2019) permite a responsabilização dos ocupantes de terras públicas e reforça a fiscalização do Estado, além do monitoramento e a cobrança do cumprimento da legislação vigente, em especial o novo Código Florestal (Lei 12.651, de 2012). Esta foi a avaliação do presidente do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Incra), Geraldo Ferreira de Melo Filho, em audiência pública na comissão mista que analisa a proposição, nesta terça-feira (11).
A MP define a regularização fundiária das ocupações de exploração direta e pacífica em terras de domínio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da União anteriores a 5 de maio de 2014.
Melo Filho rebateu críticas ao texto da MP e explicou que a proposição unifica a legislação fundiária em todo o país, além de atualizar procedimentos e ampliar o uso da tecnologia no cruzamento de dados para a regularização das propriedades, como forma de simplificar o processo de titularização de terras da União.
— A MP mantém e amplia exigências para o processo de regularização, com a declaração do próprio interessado acompanhada de documentos comprobatórios do imóvel, que deverá estar inscrito no CAR [Cadastro Ambiental Rural]. O imóvel não poderá ser objeto de embargos, não poderá manter trabalhadores em condição análoga à escravidão. Deverá manter culturas efetivas, com ocupação mansa e pacífica da área a ser regularizada. Não serão passíveis de alienação áreas destinadas à atividade militar federal, áreas indígenas e quilombolas — explicou o presidente do Incra.
'Regras claras'
Assessor jurídico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Kaufmann disse que a MP 910/2019 enfrenta o problema da regularização fundiária com regras bastante claras, pontuais e endereçadas, que visam modernizar e simplificar processo de regularização definitiva dos assentados, os quais se encontram atualmente à margem da cadeia produtiva em razão da situação informal, e quase ilegal, de suas propriedades.
—A MP veio em boa hora e é importantíssima para o país, especialmente para os produtores rurais assentados, de uma forma geral. A MP foi elaborada a partir de um diagnóstico desolador e confuso. Temos problemas administrativos e de informação de gerenciamento de dados que prejudicam a elaboração de políticas adequadas. A CNA é absolutamente favorável à MP, e apoia a iniciativa para simplificar o processo de avaliação das terras e implantação do cadastro rural — disse.
O representante da CNA também afirmou que o caráter informal das terras impede o pequeno e o médio produtor rural de receberem respaldo oficial do Estado em suas atividades, como a impossibilidade de financiamentos no sistema bancário público ou privado, tendo em vista que o acesso ao crédito rural viabiliza-se a partir de garantias sólidas, como a oferta da própria terra em garantia às instituições.
— A MP não favorece a grilagem e prevê a responsabilização penal, administrativa e civil do produtor. Ela prevê vistoria prévia das propriedades na maioria das situações e cria, de fato, condições de publicizar as informações de controle e monitoramento das áreas rurais. Em relação ao desmatamento, ela traz maior regularidade, com regras alinhadas ao CAR — ressaltou.
Representante da Defensoria Pública da União (DPU), Atanásio Darcy Lucero Júnior defendeu o aprimoramento do texto da MP. Ele sugeriu que o relator aprofunde o diálogo entre as políticas fundiárias; promova o ajuste das dotações orçamentarias à política fundiária; preveja a participação da Ouvidoria Agrária Nacional, bem como a obrigatoriedade na vedação do trabalho escravo; estabeleça a definição clara dos limites de intervenção do Incra na regularização fundiária das propriedades, e ainda o fim da prorrogação das datas-limite de regularização das propriedades rurais.
'Desorganização fundiária'
Procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat criticou a MP. Ela disse que o texto da proposição é “muito generoso” e que o país não dispõe de dados confiáveis em relação à questão fundiária. A procuradora considerou que a desorganização acumula-se ao longo dos anos, “desde a época das sesmarias”, e que alterações na legislação em vigor são acompanhadas de pouca clareza sobre dados disponíveis para que a providência seja exitosa.
Débora ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) contra outras duas MPs de regularização fundiária, editadas em 2009 e 2017. A procuradora destacou que a Corte Suprema já reconheceu, de fato, que a ausência de vistoria nas propriedades só pode se dar em verificadas condições que atestem a confiabilidade das informações, e jamais em áreas que envolvam povos tradicionais e de interesse ambiental.
— O estoque de regularização previsto agora, em relação às duas outras MPs, foi muito ampliado, Além da generosidade, temos falta de controle de como se dá o processo de regularização fundiária. É preciso que haja informação de confiabilidade dos dados apresentados. Estamos vivendo uma crise econômica em que o Estado tem sérias dificuldades de cumprir funções traçadas na Constituição. O estoque de terras não pode ser negociado com tamanha generosidade, ele tem um custo e vale dinheiro — afirmou.
A procuradora afirmou ainda que o CAR, se comparado ao cadastro do Incra, tem índice de sobreposição de 89%, o que indicaria a possibilidade de as informações coincidirem com dados relativos a áreas quilombolas ou de proteção ambiental, “porque até hoje não temos sinergia entre esses cadastros, de extrema fragilidade”.
— Está em vigor uma lei, resultado da MP editada em 2017, que alcança todas as áreas do Incra no país e produz efeitos até 2021. Então não temos aqui, nesta MP, requisitos de urgência. Não podemos permitir que a MP siga como está, generosa e com mecanismos de controle muito frouxos. Temos que partir para uma política de regularização fundiária séria, mas precisa ser feita com responsabilidade, pois se trata de coisa pública que deve ser dotada de informação que permita o controle social dos órgãos públicos — afirmou.
Marco regulatório
Relator da MP 910/2019, o senador Irajá (PSD-TO) defendeu o aprimoramento da proposição e disse que pretende apresentar um parecer "convergente e bom para o Brasil, independentemente de corrente partidária e ideológica”. Ele afirmou que pretende acolher ao máximo as sugestões oferecidas ao texto original, que já recebeu 542 emendas, e que pretende apresentar seu relatório até 11 de março.
— Não podemos perder a oportunidade de definir um marco regulatório de terras da União que seja rigoroso em seus procedimentos, mas permita ao produtor a chance de titular suas terras. É possível aprimorar o texto, ajustar o que está errado, aperfeiçoar algumas coisas e implementar dispositivos que possam melhorar a proposta de regularização fundiária — afirmou.
Ex-secretário de Regularização Fundiária do Tocantins, Irajá disse que o Parlamento brasileiro está pronto e maduro o suficiente para debater a regularização fundiária. Ele destacou avanços no setor ocorridos nos últimos anos, como a implantação do CAR, das regras de georreferenciamento e o novo Código Florestal.
— A MP 910/2019 simplifica a vida do produtor, sem ser complacente com grilagem de terras, aumento de desmatamento ou anistias. Precisamos dar nome a essas propriedades para que os órgãos tributários possam cumprir seu trabalho — afirmou.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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