Falta cumprimento dos direitos dos negros, segundo debatedores

Da Redação | 09/12/2019, 21h14

Os debatedores ouvidos na sessão temática do Dia Internacional dos Direitos Humanos, realizada nesta segunda-feira (9) no Plenário do Senado, condenaram com ênfase as violações aos direitos da população negra, cobraram o resgate da participação dos negros na História e defenderam o cumprimento pleno das políticas de cotas no ensino superior e em concursos públicos. A sessão atendeu a pedido do presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), Paulo Paim (PT-RS), apoiado por outros 26 senadores.

O advogado Humberto Adami Santos Júnior, presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pediu união de esforços na luta da entidade e respeito à função da Fundação Palmares, especialmente no aspecto das demarcações de quilombos. Ele apoiou o processo de resgate histórico de personagens negros.

- Quantos heróis e heroínas da escravidão aguardam resgate? Em cada município do Brasil, há uma história que foi esquecida – opinou.

Para Santos Júnior, o Brasil jamais será nação de primeiro mundo enquanto não reparar os efeitos da escravidão. Ele entende que as ações afirmativas no Brasil estão sob ameaça, apesar de o sistema de cotas ter sido considerado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como compatível com a Constituição.

Presidente da Associação dos Defensores Públicos do Distrito Federal (Adep-DF), Mayara Lima Tachy considera que formou-se um mito da inexistência do racismo no Brasil. Ela entende que o problema estrutural persiste na vulnerabilidade da juventude negra e na falta de representantes no poder e nos negócios.

- Não podemos fugir da ideia de que há uma interseccionalidade nisso. Especialmente atingindo as mulheres negras, que estão na parte de baixo da cadeia alimentar – lamentou.

Mayara Lima Tachy disse que o “encarceramento em massa” dos negros reflete uma estrutura de poder determinada a excluir essa população do convívio da sociedade, e propôs a inserção no mercado de trabalho por meio de cotas como forma de reverter anos de prejuízo pela escravidão.

Deise Benedito, mestre em Direito e Criminologia da Universidade de Brasília (UnB), ressaltou que na História do Brasil os africanos e indígenas sempre foram tratados como “menos humanos” e “inadequados” aos padrões europeus de sociedade, o que causou sequelas de racismo institucional e violência racial.

- A escravidão foi uma execução penal sem crime. Foi um dos piores crimes contra a humanidade: transformar pessoas em não-pessoas – declarou.

Deise criticou o projeto do pacote anticrime. Ela acredita que, se o texto entrar em vigor, acirrará a política de extermínio de jovens negros associada à falta de garantias do Estado quanto a acesso a trabalho, saúde e educação.

A defensora pública federal Viviane Ceolin Dallasta Del Grossi entende existir uma violência estrutural e desproporcional, exemplificada por ela pelos ataques sistemáticos da polícia ao “direito de reunião” e “direito ao lazer” representado pelos bailes funks em favelas. Ela citou dados da Anistia Internacional que colocam o Brasil como um dos países mais violentos do mundo, com maiores efeitos sobre a população negra, e lembrou que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já condenou a polícia do estado do Rio de Janeiro sem que isso tenha reduzido os índices “alarmantes” de homicídios perpetrados pelas forças de segurança.

 - Onde falta comida, faltam os direitos procedimentais básicos – resumiu.

Makota Celinha, coordenadora nacional do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira, disse que as lições destacadas pelo Dia Internacional dos Direitos Humanos ainda não foram aprendidas. Ela criticou o “sonho” do Brasil de ser um país branco e negar a escravidão e seus efeitos.

- Milhões de africanos foram escravizados e submetidos à mais vil forma de tratar um ser humano.

Celinha também criticou a conjuntura de racismo contra religiões de matriz africana, cuja generosidade e respeito à vida causariam inveja e incômodo que resultam em prepotência e atos violentos.

Diretor executivo da organização LGBTI Grupo Dignidade, Toni Reis narrou sua experiência como adotante de três crianças negras e o racismo de que seus filhos foram vítima na escola e em espaços públicos. Ele lembrou que a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirmou a dignidade do ser humano diante das atrocidades da guerra, mas lamentou a persistência no Brasil de elevadas estatísticas de violência contra a população LGBTI e a disseminação de fake news que os associam à promoção da pedofilia e à destruição da família.

- Não queremos destruir a família. Queremos construir a nossa, do nosso jeito e da nossa forma – explicou.

Para Ana Claudia Pereira, gerente de projetos da ONU Mulheres, a pauta dos direitos humanos deve ser articulada com a consciência sobre a situação da população negra. Ela defendeu a “discriminação positiva” na forma das cotas raciais, como meio de enfrentar a “discriminação negativa” e apoiou a coordenação internacional por termos vinculantes contra o preconceito e o racismo. Antônio Crioulo, coordenador das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), criticou negros que ocupam postos de poder mas fazem o papel do “capataz escravizador”. Segundo ele, é necessária a revisão da narrativa oficial sobre a participação dos afrodescendentes na história do país e o fim da onda de conflitos e violência envolvendo quilombos e seus líderes.

- Nunca foi fácil. Mesmo nas situações mais complicadas, nós resistimos e vamos continuar resistindo.

Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente celebrou a resistência do povo negro, avaliando que a aprendizagem de direitos humanos em terras tropicais começou quando o primeiro negro escravizado pisou o solo brasileiro. Ele comemorou a vigência de normas rígidas contra o racismo, mas entende que é preciso cumpri-las para construir “um país de todos”. Vicente lamentou a elevada evasão escolar do jovem negro.

- Mais que respeitadora dessa diversidade, a escola deve ter mecanismos para manter esses jovens.

Representando o Grupo de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União, Rita Cristina de Oliveira disse que o exercício dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos acabou inviabilizado pelo poder político e econômico e deturpado por intelectuais brancos ocidentais. Ela pediu um olhar apurado para o racismo institucional, já comprovado pelas estatísticas.

- Há um pacto racista não escrito, mas que se sobrepõe a toda idealização de direitos que se dizem universais – disse.

Para Rita, os negros recebem “concessão controlada”. Ela conclamou os não-negros comprometidos com o antirracismo a ceder seus “espaços de poder”.

Maria Aparecida de Laia, presidente do Instituto de Pesquisas e Ensino Para o Desenvolvimento Social (Ipedes), também chamou a atenção para a violação aos direitos dos negros como problema central dos direitos humanos no Brasil, incluindo aspectos como violência, encarceramento, acesso à saúde, inclusão dos jovens no ensino e prática religiosa.

- Precisamos criar mais estratégias para transformar a vida da população negra – disse.

O jornalista e escritor Tom Farias, que classificou o racismo como uma decisão de Estado, destacou os negros proeminentes na sociedade brasileira no século 19 e criticou as referências a vultos históricos que são “embranquecidas” pela narrativa oficial. Deborah Duprat, procuradora federal do Direito do Cidadão, criticou a paralisação nos processos de demarcação de terras quilombolas e lembrou que a existência de numerosos quilombos refletiu uma “invisibilização” dos negros que surpreendeu mesmo os operadores do Direito.

- Passaram 31 anos da Constituição, e as terras tituladas se contam nos dedos das mãos – declarou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)