Regular vídeo sob demanda é necessidade urgente, aponta debate na CAE

Aline Guedes | 17/10/2019, 13h50

A regulação da chamada comunicação audiovisual sob demanda (video on demand ou VoD) é benéfica para o setor, segundo debatedores ouvidos pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) nesta quinta-feira (17). Essa foi a segunda audiência pública do colegiado com o objetivo de instruir o PLS 57/2018, apresentado pelo senador Humberto Costa (PT-PE) e relatado pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF). A matéria disciplina a distribuição de conteúdos fornecidos por banda larga diretamente a televisões, celulares e outros aparelhos. É o tipo de negócio de empresas como Netflix, Hulu e Prime Video, por exemplo.

Coordenadora do Intervozes, organização que atua pela efetivação do direito à comunicação no Brasil, Marina Pita disse que o PLS 57/2018 é importante e urgente. Ela ponderou que VoD é a disponibilização de conteúdos na internet e, portanto, um mercado passível de regulação. A debatedora observou, no entanto, que a proposta deve estar em consonância com a Lei 12.485, de 2011, que já regra a produção de conteúdo audiovisual por assinatura.

— Vale lembrar que o Brasil é signatário da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, e a cultura é um elemento estratégico das políticas de desenvolvimento nacional. Então, o projeto de lei não só é necessário, mas legítimo e urgente.

Entre outras determinações, o projeto prevê que a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) será progressiva de até 4% sobre o faturamento bruto apurado. As empresas contribuintes poderão descontar até 30% do valor, para adquirir direitos ou produzir obras cinematográficas ou videofonográficas brasileiras de produção independente. Parte desses 30% serão destinadas a produtoras brasileiras das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Diretor da Associação Paulista de Cineastas (Apaci), André Klotzel observou que bens de consumo no Brasil são tributados. O audiovisual, segundo ele, também é um bem de consumo, só que imaterial, mas sem taxação no país. Ele considerou “absurda e desproporcional” a não tributação dessas operadoras, tendo em vista a abrangência irrestrita delas, por meio da internet, e o expressivo volume de recursos mobilizados.

— O estabelecimento de cotas não é uma invenção, não é um gesto autoritário nem cerceador. Pelo contrário: é uma compensação. Então, a subvenção ao audiovisual segue o mesmo caminho, e 4% de contribuição, que vai se converter em incentivo à produção brasileira, é algo irrisório — pontuou.

O diretor-presidente da Box Brasil, Cícero Aragon, observou que a internet não é “mundo livre” e que todas as lojas virtuais, por exemplo, já obedecem a uma legislação. Para ele, o mesmo regramento deve ser observado pelo mercado do audiovisual, com vistas à proteção do consumidor e à promoção do serviço. Ao lembrar que toda proposta de regulação gera conflitos, Aragon considerou o PLS 57/2018 necessário para o país. Ele sugeriu, no entanto, que a medida deve ser implementada por meio de incentivos, e não por imposição.

— Uma indução onde o agente econômico se sinta cada vez mais motivado a colocar conteúdo brasileiro independente em primeira janela é a melhor para todos. Quanto mais em evidência se colocar esse conteúdo e se seguir normas que precisamos amadurecer, maior incentivo vamos ter, mais o brasileiro vai consumir [esse produto] e o mercado internacional também.

Regulação como fator indutor

O presidente do Sindicato da Indústria Audiovisual (Sicav), Leonardo Edde, disse que regulações são benéficas para qualquer indústria. Para ele, o PLS 57/2018 atende a todos os segmentos envolvidos na escala de produção audiovisual, inclusive os independentes. Além de proporcionar segurança para o consumidor, Edde considera que normatizar o setor vai gerar igualdade na concorrência, segurança jurídica para todas as plataformas e mais investimentos, além de oportunidades para empresas nacionais e internacionais.

— Uma regulação eficaz, clara e que tenha o objetivo de desenvolver todos os segmentos da cadeia produtiva tem impactos produtivos. Então, uma regulação bem construída não é uma âncora, mas um indutor. A gente entende que o PLS 57/2018 é positivo e é feliz ao trazer tudo o que deu certo a partir da Lei 12.485/2011.

O presidente-executivo da Brasil Audiovisual Independente (Bravi), Mauro Garcia, reforçou que o projeto de Humberto Costa foi inspirado em resultados positivos e que o texto defende os stakeholders — telespectadores, acionistas e funcionários — da cadeia produtiva. Garcia observou, no entanto, que um conjunto de fatores como distribuição, garantia de acesso e circulação dos conteúdos audiovisuais, além de medidas de fomento, é que possibilita uma regulação equilibrada.

— E que se garanta também a propriedade intelectual, a fim de garantir o direito patrimonial. Isso tudo é comum à regulação no mundo inteiro e, não à toa, a gente discute essa inserção no mercado brasileiro.

Marco regulatório

Segundo o consultor em audiovisual Manoel Rangel, a construção de marcos regulatórios para os serviços de VoD foi exitosa e contribuiu para o crescimento do setor em nível mundial. Ele ponderou que o mercado brasileiro nessa área pode perder força, se o país não seguir o mesmo caminho.

— O projeto é absolutamente fundamental, até porque traz uma experiência que foi bem-sucedida com a Lei 12.485, também de iniciativa parlamentar. É a possibilidade de instituir uma medida afinada com as necessidades do desenvolvimento desse setor, da economia desse segmento e dos princípios da política pública de cinema e audiovisual.

Durante o debate, o senador Humberto Costa ressaltou a importância de ouvir todas as opiniões sobre o tema. Ele explicou que a preocupação, ao apresentar o projeto de lei, foi criar condições para alavancar um setor em que o Brasil tem demonstrado competência, num momento de “guerra cultural” no país.

— Hoje a cultura está sob fogo cerrado, exatamente por seu caráter libertário e de contribuição para a formação do pensamento crítico. O mercado de VoD é uma indústria, e a regulação é um favorecimento a esse setor, que não pode ficar ao “deus-dará” — comentou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)