Para debatedores, projeto que regula vídeo sob demanda é intervencionista

Aline Guedes | 07/10/2019, 13h59

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) debateu nesta segunda-feira (7) o projeto de lei do Senado que pretende regular a chamada comunicação audiovisual sob demanda (“Video on Demand” ou VoD). De autoria do senador Humberto Costa (PT-PE), o PLS 57/2018 disciplina a distribuição de conteúdos fornecidos por banda larga diretamente a televisões, celulares e outros aparelhos. É o tipo de negócio de empresas como Netflix, Hulu e Prime Video, por exemplo.

Para o diretor-geral da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Cristiano Lobato Flores, é importante discutir o projeto, já que o texto propõe a organização do serviço, a regulação do acesso à informação, estabelece cotas de tributação, além de tratar de temas relativos à responsabilidade editorial. Flores pontuou, no entanto, que o modelo proposto por Humberto Costa é denso demais e poderá impedir o crescimento do setor.

— Não é uma tarefa fácil. Estamos falando de uma agenda regulatória, inclusive sobre de que tipo será: se densa, se soft ou até mesmo se haverá essa regulação. Até porque o mercado ainda é prematuro, e não demanda uma intervenção estatal.

José Maurício Fittipaldi, da Motion Picture Association of America (MPA), disse que o PLS 57/2018 apresenta riscos de caracterização de abuso regulatório, já que a proposta pode resultar em reserva de mercado. Ele enfatizou a necessidade da observância de dados técnicos e comportamentais do setor, antes de qualquer medida nesse sentido. Ao afirmar que a experiência europeia não pode servir como modelo para implementação das regras no Brasil, Fittipaldi explicou que as diretrizes do tema na Europa têm menos de um ano de aplicação, e que os estados membros têm até setembro de 2020 para adotar as medidas por completo.

— Não há dados, não há experiência a demonstrar que esse caminho é o melhor. O único dado que existe sobre a experiência europeia é do mesmo mês em que a medida foi implementada, e o relatório não considera qualquer tipo de efeito dessa diretiva. Estamos num cenário desafiador, dentro de um contexto de crise econômica, onde fica claro que esse projeto é altamente intervencionista e excessivo.

O fundador da Sofá Digital, Fábio Lima, defendeu cautela sobre o assunto e pediu que os parlamentes analisem questões técnicas antes de propor a legislação. O advogado da Associação Brasileira de Programadoras de TV por Assinatura (ABPTA), Marcos Bitelli, questionou pontos do projeto como a necessidade de responsabilização editorial. Segundo ele, a classificação indicativa já existe nos vídeos sob demanda e as plataformas já dispõem de bom relacionamento com órgãos como o Ministério da Justiça.

A diretora de Relações Governamentais e Políticas Públicas da Netflix, Paula Pinha, considerou que a tributação de serviços sobre demanda não produz os mesmos efeitos conseguidos em outros setores do audiovisual, como cinema e televisão. Para ela, a cota sugerida no PLS 57/2018 prejudica produtores e consumidores, uma vez que os catálogos de ofertas de obras deverão ser reformulados com a futura aprovação da lei.

— Se um dos pilares do projeto é garantir a presença de conteúdo brasileiro nesse novo segmento de mercado, a discussão de medidas alternativas de fomento à atividade seria o caminho mais acertado.

Tributação

Entre outros itens, o PLS 57/2018 institui que a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) será progressiva, até 4% sobre o faturamento bruto apurado pelas empresas de VoD. E determina que o provedor de vídeo sob demanda deverá fornecer relatórios periódicos sobre a oferta e o consumo de conteúdos audiovisuais, bem como sobre as receitas obtidas no desempenho de suas atividades.

Favorável à medida, o presidente do Congresso Brasileiro de Cinema, Rojer Garrido de Madruga, disse que há um desinteresse dos empresários na livre concorrência e no pagamento de impostos. Ele ponderou, no entanto, que o mercado de VoD é um negócio como qualquer outro e sugeriu que o governo use a “dose certa” na tributação do setor.

—É muito mais fácil simplificar toda a burocracia cobrando em cima do faturamento. Claro que não pode ser muito nem pouco, e até podemos usar o modelo da Espanha e Itália, que tributam [essa atividade] em 5%.

O secretário do Audiovisual da Secretaria Especial da Cultura Ministério da Cidadania, Ricardo Rihan, disse estar atento às demandas da audiência pública, no intuito de oferecer soluções para o setor. Ele afirmou ser contrário aos excessos regulatórios, citando a importância da sanção da Medida Provisória 881/2019 (MP da Liberdade Econômica), que estabelece garantias de livre mercado. Rihan defendeu, no entanto, uma isonomia competitiva entre as empresas, com vistas à regulação tributária.

— As grandes mediatechs, conceito que está na essência das startups de mídia, por exemplo, têm que contribuir também, de acordo com a relevância que têm no mercado. E eu pergunto: há uma tributação melhor do que a feita sobre o faturamento? Sei que isso não é consenso, mas me parece um caminho convergente — observou.

Já o subsecretário de Competitividade, Concorrência, Inovação e Serviços do Ministério da Economia, Marcelo de Matos Ramos, observou que o crescimento do VoD revolucionou o mercado, criando uma dinâmica de concorrência no setor. Para ele, o desenvolvimento dessas empresas não deve ser impedido por uma regulação impensada. Ao comentar que discussões sobre o assunto se arrastam por anos junto ao Conselho Nacional de Cinema, Ramos advertiu para o fato de que o PLS 57/2018 pode seguir o mesmo caminho, impedindo a inovação no país.

— Não seria possível pensar num novo modelo para o setor audiovisual que progressivamente diminua o peso da intervenção estatal, deixando o setor privado criar sua própria dinâmica? Por que não inovar no fomento? Creio que isso resolveria muitos problemas relacionados até mesmo ao incentivo, já que o VoD está conseguindo aumentar a diversidade e por que não termos uma fatia desse mercado?

Ao agradecer aos debatedores, o relator da matéria e autor do requerimento para a audiência pública, senador Izalci Lucas (PSDB-DF), disse que promoverá mais um debate, antes de apresentar seu parecer.

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Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)