Expansão do desmatamento e conflitos de terra preocupam debatedores na CMA

Da Redação | 03/10/2019, 15h46

“A incorporação dos biomas do cerrado e da Amazônia nos mercados de commodities agrícolas impulsionou um amplo movimento de ocupação e exploração de novas áreas. Por causa disso, o desmatamento e a exploração do uso da terra em escala continental levaram à ocupação desordenada e, muitas vezes, irregular, tornando a governança da terra na Amazônia, principalmente, ainda mais complexa”.

A conclusão é de Luciene Pohl, representante do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), entidade que se dedica a formar e capacitar pessoas e fortalecer organizações para meio ambiente, desenvolvimento e sustentabilidade. Ela foi uma das participantes da terceira e última audiência pública da Comissão de Meio Ambiente (CMA) que buscou tratar de áreas protegidas com ênfase nas unidades de conservação.

Luciene mostrou que, do total das áreas de florestas públicas, as terras indígenas somam 38%, enquanto as glebas arrendadas pela União ou estados e ainda não destinadas (esperam por alguma definição por parte do órgão fundiário), são 21%. Unidades de Conservação Federais são 20% da área das florestas públicas, e as estaduais já destinadas correspondem a 15%. Assentamentos públicos federais ocupam 5% e áreas militares, 1%.

— Cerca de 63% das florestas públicas são, portanto, comunitárias, de manejo de povos indígenas, assentados e outros — explicou.

Ela mostrou que essas áreas estão muito suscetíveis aos conflitos de terra, os quais, muitas vezes, não encontram solução nos órgãos judiciários, gerando violência e violação de direitos humanos. Ou seja, embora as comunidades da Amazônia tenham garantidos por lei seus direitos, a invisibilidade e a vulnerabilidade social muitas vezes impedem o usufruto dessas garantias.

— Entre nossos desafios estão a demanda de investimento no uso sustentável dos recursos naturais; a melhoria da governança da terra e garantia dos direitos das comunidades locais; o engajamento dos órgãos governamentais e ONGs para reduzir conflitos, a construção de soluções técnicas, jurídicas e administrativas para realizar o ordenamento territorial.

Ausência

Luciene reclamou de “desidratação” do Ministério do Meio Ambiente e de órgãos governamentais ligados à pasta. Isso, segundo ela, em nada contribui para a resolução dos conflitos na região.

Na abertura, o presidente da CMA, Fabiano Contarato (Rede-ES), fez duras críticas à ausência de três especialistas em áreas de conservação ligados ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Ele leu a justificativa recebida pela comissão de que a ausência foi motivada por demandas internas do instituto.

— Quero acreditar que isso não tenha sido uma mordaça para inviabilizar a presença desses servidores aqui, tendo em vista o desmonte da área ambiental promovido por aqueles que constitucionalmente têm o dever de proteger o meio ambiente. É lamentável que, num estado democrático de direito, eu convide três servidores e receba um e-mail desse. Foi negada, inclusive, a participação por vídeoconferência. Lamento a decisão do presidente do ICMbio — apontou.

Controle

Na audiência estava também o auditor de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU), Adriano Juras. Ele contou que a fiscalização e auditoria do TCU mostram que o índice de implementação e gestão das áreas protegidas (Indimapa) — usado para avaliar, comunicar e monitorar o trabalho nessas áreas —é considerado baixo em 30% (ou 137 áreas de proteção), médio em 59% (ou 267 AP) e alto em 11% delas (ou 49 AP).

O senador Jayme Campos (DEM-MT) questionou se as queimadas da Amazônia recentemente divulgadas pela imprensa internacional são resultantes da falta de presença do Estado. Juras esclareceu que, quanto mais envolvidos estiverem poder público, organizações da sociedade civil, iniciativa privada e a comunidade, mais chance de a gestão ambiental ser bem sucedida.

Ciclo

A audiência desta quinta-feira (3) fecha o ciclo de debates sobre as unidades de conservação. Em outro encontro, lideranças comunitárias de áreas protegidas mostraram o papel de áreas protegidas para gerar renda e conservar a biodiversidade. No começo de setembro, a CMA debateu os atos normativos para criar, alterar e extinguir as características das unidades de conservação.

Esse debate, segundo Contarato, pode ter inspirado o senador Confúcio Moura (MDB-RO) a apresentar o PL 5.174/2019, que altera o sistema nacional de unidades de conservação para exigir a realização de estudos prévios e consulta pública para alterar limites e categorias de áreas protegidas.

— De fato, muitos projetos chegam com a pretensão de alterar limites e categorias de áreas protegidas sem qualquer instrução sobre a área atual e a redução pretendida — explicou.

O presidente da CMA se posicionou com cautela, no entanto, sobre o PL 1.553/2019, que determina que a criação ou ampliação de unidade de conservação depende de edição de lei do ente instituidor, exigindo manifestação positiva do Legislativo e dos entes em cujo território que ela se localiza. Na opinião de Contarato, isso pode ser um retrocesso.

— Vai na direção de dificultar a criação de unidades de conservação — alertou.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)