Para especialistas, reforma da Previdência é injusta e prejudica quem ganha menos

Augusto Castro | 10/09/2019, 18h58

Durante sessão de debate temático nesta terça-feira (10), convidados se revezaram na tribuna do Plenário para defender ou criticar a reforma da Previdência que está em tramitação no Senado Federal. Os convidados críticos à reforma afirmaram que as mudanças vão prejudicar de maneira mais severa a população de baixa renda. Eles pediram que os senadores rejeitem ou alterem a PEC 6/2019 para diminuir as injustiças presentes no texto.

Primeiro convidado a falar, o empresário e engenheiro, Eduardo Moreira, criticou duramente as mudanças previstas na reforma da Previdência em relação ao Abono Salarial, às aposentadorias especiais e às pensões por morte. Essas alterações, afirmou, vão prejudicar milhões de brasileiros.

Ele explicou que, atualmente, todo trabalhador com carteira assinada há mais de 5 anos e que ganhe até dois salários mínimos tem direito a Abono Salarial anual proporcional à sua renda, com teto de um salário mínimo. A PEC da Previdência diminui drasticamente a abrangência do Abono ao limitar a renda máxima a um salário mínimo, lamentou.

De acordo com Eduardo Moreira, cerca de 20 milhões de trabalhadores recebem o Abono atualmente. Ele disse que a função do benefício é premiar os trabalhadores formais que ganham pouco, para incentivá-los a continuar na formalidade e diminuir a desigualdade no país.

— A mudança proposta vai tirar de mais de 12 milhões de brasileiros e brasileiras o direito de receber o equivalente a quase R$ 100,00 por mês. Para nós, pouco dinheiro, mas para uma família mais pobre, o equivalente a uma conta de luz e de gás somadas. São famílias que vivem no equilíbrio. Nós temos que nos lembrar de quem estamos falando, não são números numa planilha de Excel, são pessoas — disse.

Em 2016, de acordo com Eduardo Moreira, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sugeriu a ampliação da abrangência do Abono Salarial, em razão de estudos que mostravam a importância do instrumento para a economia e para diminuir desigualdades. Ele afirmou também que o programa de governo apresentado pelo então candidato à Presidência Jair Bolsonaro prometia mais vantagens para os beneficiários do Abono.

Crueldade

Nas palavras do estudioso, a pior crueldade da PEC 6/2019 são as mudanças nas regras das aposentadorias especiais, concedidas a trabalhadores que desenvolvem atividades insalubres e perigosas.

— Não há nada mais cruel na reforma do que a mudança nas regras das aposentadorias especiais. Quem são os aposentados especiais? É uma aposentadoria concedida ao cidadão que trabalha exposto a agentes nocivos acima dos limites estabelecidos, acima dos limites saudáveis. Se trabalhar mais do que aquilo, ele morre, ele tem um câncer, ele fica inválido. É assim que nós vamos tratar aqueles que fazem aquilo que nós não temos a coragem de fazer, aquilo que nenhum de nós se dispõe a fazer, mas aquilo que todos nós usamos? — questionou.

O engenheiro pediu para que "os senadores tenham coragem de mudar o que tem que mudar na reforma”.

Renda menor

Já o professor e pesquisador em economia da Universidade de Campinas (Unicamp), Eduardo Fagnani, começou sua explanação afirmando que há 12 milhões de brasileiros desempregados, cinco milhões de desalentados, 14 milhões de trabalhadores subocupados ou subutilizados, 40 milhões que trabalham na informalidade e 55 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. Esse é um dos retratos da desigualdade social brasileira, disse o professor.

— Esse enorme contingente de brasileiros, aqui representados pelas senhoras e pelos senhores, já não contribui para a Previdência e, mesmo com as regras atuais, dificilmente terá proteção previdenciária na velhice. O Brasil é o país mais desigual do mundo — afirmou Fagnani.

Para ele, a PEC 6/2019 desconsidera a realidade do mercado de trabalho nacional ao impor padrões usados por países desenvolvidos. Ele acrescentou que o Brasil já passou por sete reformas da Previdência desde 1998.

— Eu pergunto: nada foi mudado? Todos os problemas que dizem existir até hoje não foram objeto dessas reformas? Por que não se considera que há 16 anos o servidor civil federal não tem paridade, nem integralidade? Por que não se diz que desde 2012 o servidor público que entrar na carreira já tem um teto de R$ 5.800? Que não vai existir marajá em 2040, 2050? — argumentou Fagnani.

Ele também afirmou que é mentira do governo que o Brasil vai quebrar sem a reforma da Previdência, e disse que as mudanças vão fazer a renda de aposentados e pensionistas cair muito.

— O nosso sistema é bicameral e eu tenho muita fé, eu acredito realmente que este Senado vai cumprir o seu papel revisor, previsto na nossa Constituição, porque isso mexe com a vida de mais de 200 milhões de pessoas. Não estamos discutindo reforma da Previdência, nós estamos discutindo que país nós vamos ter daqui a dez, 15, 20 anos. Nós estamos discutindo como será possível...se este Senado será capaz de evitar mais um retrocesso no processo civilizatório brasileiro — acrescentou.

Injustiça

Ex-ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini afirmou que a reforma da Previdência é injusta porque vai atingir de maneira mais grave as pessoas mais pobres, sem atingir os mais ricos. Para Berzoini, o Brasil deveria focar na reforma tributária, aumentando os impostos sobre bilionários, latifundiários, banqueiros, heranças, ganhos de capital e dividendos.

— Vamos tributar as heranças. Vamos tributar o Imposto de Renda da Pessoa Física, não dos pobres, não dos trabalhadores, mas daqueles que ganham mais de US$ 500 mil por ano. Vamos tributar os ganhos de capital. Vamos tributar os dividendos. Vamos acabar com a distribuição de juros sobre capital próprio. Vamos assegurar que o Brasil tenha um sistema tributário capaz de financiar suas políticas — sugeriu Berzoini.

Ele disse que quem depende da Seguridade Social, da saúde pública, da Previdência Social e da Assistência Social são os mais pobres. O ex-ministro acrescentou que o sistema de seguridade social brasileiro é um direito social e de proteção conquistado na Constituição de 1988.

— A Constituição brasileira de 1988 foi uma das maiores conquistas que nós tivemos na história. E, dentro da Constituição, a principal conquista é o capítulo da seguridade social. O Senado Federal, e lamento que temos poucos senadores aqui no dia de hoje, poderia homenagear a democracia brasileira, homenagear o espírito público que uma Casa parlamentar deve ter, e dizer claramente: vamos sobrestar essa reforma iníqua, essa reforma injusta e vamos fazer a reforma tributária! — concluiu.

Retrocesso social

Coordenadora nacional da organização Auditoria Cidadã da Dívida, a auditora aposentada Maria Lúcia Fattorelli afirmou que a reforma da Previdência é uma pauta de interesse do mercado financeiro nacional e internacional e será um retrocesso para a população.

Ela sugeriu que o Senado rejeite a PEC 6/2019 e promova uma reforma tributária. Fattorelli citou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 9/2019 e o Projeto de Lei (PL) 1.981/2019. O primeiro, institui o Imposto sobre Grandes Fortunas. O segundo, estabelece a cobrança de imposto de renda sobre a distribuição de lucros e dividendos.

— Só esses dois projetos garantiriam uma arrecadação de R$ 1,25 trilhão nos próximos dez anos; R$ 250 bilhões a mais do que o ministro gostaria com essa reforma. E atingiria quem? Atingiria as grandes fortunas e atingiria os privilegiados que recebem lucros e dividendos isentos. Vamos deixar de lado esse discurso de que precisa, de que há deficit na Previdência. Há deficit porque falta receita. E falta receita por causa dos privilégios, porque os lucros não são tributados, as fortunas não são tributadas nesse país. O problema não está na Previdência. O problema está na política monetária do Banco Central, que produziu a crise, que gastou R$ 1 trilhão nos últimos dez anos para remunerar a sobra de caixa dos bancos de forma ilegal — afirmou Fattorelli.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)