Especialistas divergem sobre MP que muda as regras para o setor de saneamento

Da Redação | 09/04/2019, 16h05

“A cada real investido em saneamento, são economizamos R$ 4 em saúde, e os indicadores de doenças por falta de saneamento são derrubados", disse nesta terça-feira (9) o senador Nelsinho Tradd (PSD-MS), ao encerrar a audiência pública realizada pela comissão mista que analisa a Medida Provisória (MPV) 868/2018. Vice-presidente da comissão, o senador prometeu que a comissão buscará o equilíbrio para garantir à iniciativa privada e às empresas públicas a possibilidade de investir para superar a "situação vergonhosa" do saneamento no país.

O texto muda o marco legal do saneamento básico, concentra na Agência Nacional de Águas (ANA) a competência regulamentar do serviço, cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico (CISB) para articular os investimentos e altera as formas de contratos das empresas prestadoras de serviços.

A MP já é velha conhecida do Congresso. Ela é uma cópia do texto da MP 844/2018, que perdeu a validade em novembro e foi reeditada no mesmo ano — ato questionado por senadores da oposição, os quais argumentam que ela não poderia ser reeditada no mesmo ano de arquivamento da anterior.

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A MP altera o marco legal do saneamento básico e a Lei 9.984, de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas (ANA) competência para editar normas sobre o serviço de saneamento. Também altera a Lei do Saneamento Básico (Lei 11.445, de 2007), para, segundo o governo, aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no país, e a Lei 13.529, de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados nessa área.

A medida propõe que a regulamentação de águas e esgotos, que hoje é atribuição dos municípios, se torne responsabilidade do governo federal, através da agência reguladora que ficaria responsável pela fixação das tarifas cobradas. Já os contratos de saneamento passariam a ser estabelecidos por meio de licitações, facilitando a criação de parcerias público-privadas.

A Lei do Saneamento Básico, de 2007, estabelece que a universalização dos serviços de abastecimento de água e de tratamento de esgoto no país deve ser feita através da elaboração de um plano municipal do setor para cada cidade. Entretanto, o índice de saneamento básico continua muito aquém do necessário para atingir a universalização. Além disso, há grande desigualdade no índice de cobertura de água e esgoto entre as regiões brasileiras.

O texto determina que o acesso aos recursos públicos federais ou à contratação de financiamentos com recursos da União fique condicionado ao cumprimento das normas de saneamento básico estabelecidas pela ANA. E permite que a agência requisite servidores de órgão, autarquias e fundações públicas da administração pública federal até 1º de agosto de 2021.

Para o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator da medida provisória, afirmou que sua grande virtude é colocar o assunto como prioridade na pauta do governo federal.

— Nós ainda vivemos na Idade Média em termos de saneamento, o que é uma vergonha — disse Tasso.

Críticas

Na leitura de alguns especialistas que debateram a MP nesta terça-feira na comissão composta por deputados e senadores que devem proferir parecer sobre o texto, a MP peca no quesito “universalização dos serviços”. Alguns parlamentares de oposição também alegam que a MP abre caminho para a privatização do setor.

Representante da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), Edson Aparecido da Silva afirmou que o setor de saneamento tem como pilar fundamental o subsídio cruzado (compensação de preços). Falando pela entidade sindical que representa os trabalhadores de saneamento, energia e meio ambiente, Silva, que tem mestrado em Planejamento e Gestão do Território pela Universidade Federal do ABC, disse que, caso haja privatização, as empresas privadas estarão mais interessadas nos municípios que tiverem menor necessidade de investimento e mais possibilidade de retorno financeiro, com tarifas mais altas.

— Isso vai fazer os pequenos municípios, que recebem o subsídio dos mais rentáveis, ficarem desassistidos — afirmou.

O presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, Roberval Tavares de Souza, disse que a questão central da MP é que ela estaria deixando os grandes municípios resolvidos e os pequenos “ficariam às moscas, para serem atendidos pelos governos federal, estadual e municipal, que enfrentam déficits e não vão conseguir investir em saneamento”.

De acordo com ele, a fragmentação foi testada no Amazonas e no Tocantins e não deu certo.

— Não haverá universalização sem unir o setor público ao privado. Precisamos nos preocupar é com a eficiência, quer pública, quer privada. Não pode fragmentar, mas unir os dois. É a carne e o osso juntos. Não adianta resolver as grandes cidades e deixar as pequenas sem nada.

Roberval previu que no modelo atual, a universalização dos serviços se daria em 2064. Mas, com a MP, a universalização nunca acontecerá e a tarifa dos serviços será encarecida.

Apoio

Na opinião do Instituto Trata Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico, a MP é acertada.

— Apoiamos a medida provisória. Não há como o Brasil avançar sem mais investimentos e participação privada. Apoiamos os planos regionais, o saneamento rural, a integração dos ministérios que tratam do saneamento, tudo previsto pela medida provisória — afirmou Édison Carlos, presidente-executivo da OSCIP.

Ele lamentou que, embora o Brasil esteja entre as dez maiores economias do mundo, a mortalidade infantil, depois de muitos anos em queda, tenha voltado a subir por falta de cuidado no saneamento. Ele disse que o Brasil passa por um “caos sanitário”.

— O Brasil investiu nos últimos oito anos R$ 90 bilhões de reais em saneamento, mas os indicadores não saíram do lugar. Continuamos em 83% da população com água tratada e metade do país não tem coleta de esgoto apropriada.  É vergonhoso que o Brasil construa aviões e tecnologia de ponta em computadores, mas não tenha resolvido seus esgotos — desabafou.

Regulação

O representante da Associação Brasileira das Agências de Regulação (Abar), Alceu de Castro Galvão Júnior, defendeu a MP por ter regulação “forte, atuante, autônoma e proativa, que gere segurança jurídica aos contratos”. Ele informou que a Abar encaminhou ao Congresso emendas que obrigam as companhias de saneamento a atenderem de maneira diferenciada as comunidades rurais que não podem pagar tarifas regulares. Também defendeu a instalação de redes de saneamento em assentamentos precários (favelas e áreas irregularmente ocupadas) sem que caracterizem posse.

Pela ANA, o superintendente-adjunto Carlos Motta concordou que uma regulação mais forte pode contribuir, mas para ele não resolverá a universalização do sistema de saneamento.

— Você tira o prestador da zona de conforto para que ele faça o projeto acontecer, mas é difícil fiscalizar — reconheceu.

Motta destacou como positivo o fato de a MP conciliar todos os investimentos do governo federal em saneamento numa única frente.

— Hoje os investimentos estão divididos entre vários ministérios e acabam pulverizados, sem dar resultados esperados.

Esse também é o ponto alto da MP na opinião do senador Confúcio Moura (MDB-RO). Para ele, a vantagem do texto é juntar as principais leis de regulamentam o saneamento básico e passar tudo para a competência da ANA.

— Hoje em dia, o Ministério das Cidades, o Ministério do Meio Ambiente, cada um tem uma competência. Levar todo esse trabalho para a ANA define-se um ponto de referência para prefeitos e agencias de água se reportarem — afirmou Confúcio.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)