Antigo centro de atendimento do DF , desativado em 2014: para especialistas, recuperação dos jovens deve buscar o reforço do vínculo com a família e a comunidade. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

 

Com a polêmica sobre a redução da maioridade penal e a recente aprovação pelos deputados federais de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) sobre o tema, surge como alternativa a aplicação de uma punição mais rígida para os adolescentes que cometerem crimes violentos. Nesse sentido, projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP) para aumentar a internação juvenil nesses casos foi aprovado pelo Senado e enviado à Câmara. Mas a responsabilização do jovem infrator por meio da aplicação de medidas socioeducativas, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8.069/1990), espera um olhar mais aprofundado da sociedade.

 

De advertência a internação, os menores de 18 anos — e até os que alcançam os 21 anos — estão sujeitos a sofrer as consequências de atos delituosos numa fase da vida em que os hábitos ainda não estão arraigados e, por isso, podem ser transformados com educação e inclusão social.

 

A defensora pública do estado de São Paulo Fabiana Botelho Zapata acredita que a responsabilização é pedagógica. Ela avalia que, quando um adolescente responde pela prática de um ato infracional, tal resposta lhe causa impacto pedagógico-social e ele enfrenta duas ordens de exigência: uma reação punitiva da sociedade e um sistema pensado para trazer-lhe benefícios enquanto pessoa em condição peculiar de desenvolvimento.

 

— Ao contrário do que muitos pensam, não é um sistema de benesses ao adolescente, mas o ideal de oferecer uma pedagogia voltada à formação da pessoa e do cidadão e colocá-lo não em contato com o seu passado, mas com o seu presente e futuro — defende.

 

Fabiana afirma que é necessário possibilitar o trabalho pedagógico da medida socioeducativa antes de qualquer debate sobre alteração legislativa acerca do tempo de privação de liberdade ou mesmo sobre a redução da maioridade penal. Membro do Comitê Municipal para Elaboração do Plano Decenal Socioeducativo para a cidade de São Paulo — previsto na Lei 12.594/2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) —, ela cobra a efetivação do ECA por meio do acompanhamento contínuo do sistema socioeducativo pelos órgãos fiscalizadores da Justiça.

 

— Contamos agora com importantes instrumentos trazidos pela Lei 12.594, especialmente a elaboração obrigatória dos planos decenais do sistema socioeducativo nas esferas federal, estadual e municipal. Com participação social e daqueles para quem é dirigido, serão documentos para exigir uma política séria, de atendimento qualificado — ressalta.

 

Vínculo familiar

 

O vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Conanda), Carlos Nicodemos, chama a atenção para a excepcionalidade da medida de internação e o esforço a ser feito para que as outras cinco medidas previstas no ECA sejam aplicadas para aumentar o vínculo familiar e comunitário do adolescente infrator e garantir a recuperação. Ao lembrar os 25 anos do estatuto comemorados em 2015 e a Resolução 119/2006 do Conanda, que fundamentou o Sinase, ele ressaltou a importância dos conselhos de direito e os elementos trazidos pela Lei 12.594.

 

— O Conanda avalia os avanços alcançados após três anos dessa lei que trouxe indicativos importantes, como a inserção dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas no programa de ensino técnico [Pronatec] e a necessidade de atendimento individualizado ao adolescente e seu núcleo familiar — observa.

 

O especialista aponta que há um descompasso entre a lei e a realidade, apesar do avanço normativo, e a política não se efetiva nos municípios. Para Nicodemos, é preciso rever a centralidade da política no âmbito federal, inverter a lógica da internação, privilegiando o meio aberto como de maior eficácia para recuperação, e garantir o atendimento individualizado para ressocializar o adolescente.

 

— Hoje a SDH [Secretaria de Direitos Humanos] se responsabiliza pelas medidas de internação e o Ministério do Desenvolvimento Social coordena as medidas de meio aberto. É preciso centralizar — defendeu.

 

O promotor de execução de medidas socioeducativas Renato Varalda considera que, após 25 anos de existência, o ECA precisa de algumas alterações para se adequar à realidade. Ainda que a lei do Sinase tenha dado as diretrizes para as medidas socioeducativas, ele avalia que a legislação não foi totalmente implementada e que as medidas são aplicadas de modo ineficiente.

 

Varalda aponta, por exemplo, a necessidade de a lei prever mais exigências para o menor de idade, além do estudo obrigatório e matrícula em curso profissionalizante para cumprir a medida de liberdade assistida.

 

— O estatuto é da época em que se falava de cola de sapateiro. Hoje, a nossa realidade é a do crack. Nas audiências as mães lamentam que os filhos não sejam obrigados por lei a ter um horário para chegar em casa quando cumprem a liberdade assistida, ficando, assim, expostos ao consumo de drogas em festas — relata.

 

Ações previstas no ECA são aplicadas de maneira ineficiente, avalia Renato Varalda. Foto: Waldemir Barreto/Agência SenadoVaralda diz que não há cursos profissionalizantes para todos os jovens que cumprem esse tipo de medida e muitas vezes eles não têm a escolaridade exigida para ingressar, por exemplo, em cursos do Sistema S.

 

Outro problema é o baixo número de servidores disponíveis para supervisionar os menores que cumprem a liberdade assistida, geralmente aplicada em casos de pequenos furtos. Segundo o promotor, o DF tem 3 mil jovens encaminhados para cumprir a medida e a meta de 20 adolescentes para cada servidor não é cumprida.

 

O promotor também vê problemas na forma como a medida de semiliberdade é aplicada. Ele explica que são casas alugadas onde o adolescente dorme de segunda a sexta-feira — voltando para a residência da família nos fins de semana —, mas sem a distância necessária de regiões de tráfico de drogas nem estrutura para entretenimento de qualidade. Ressalvando que a realidade narrada é a das grandes capitais, Varalda conta que o limite de 20 jovens por casa dificilmente é respeitado.

 

Acompanhamento

 

Nas unidades de internação, Varalda também elenca pontos negativos, como sistema de ensino fraco, problemas para reunir alunos de diferentes escolaridades, unidades lotadas e a dificuldade para separar jovens envolvidos em brigas de gangues e crimes de estupro, além de garantir a integridade de acordo com a constituição física de cada um. São três a cinco menores por alojamento, mas a vigilância precisa ser constante para evitar desentendimentos que podem gerar até mortes, explica o promotor, ao dizer que a determinação de 90 internados nem sempre é cumprida.

 

Outra cobrança dele é quanto ao acompanhamento do menor que saiu do sistema socioeducativo para que se integre novamente à sociedade, uma medida prevista no ECA, mas ainda não executada. O que o estatuto não traz é o prazo determinado de internação para cada infração e isso tem um aspecto positivo e outro negativo, na avaliação de Varalda. Ao mesmo tempo em que o adolescente é avaliado a cada seis meses por uma equipe especializada, com assistente social, psicólogo e pedagogo, e tem a possibilidade de mostrar melhora, há um contraste no cumprimento da medida conforme a gravidade da infração.

 

— O jovem que comete homicídio geralmente não apresenta agressividade quando internado e tem avaliações positivas, conseguindo ficar pouco tempo na unidade. Enquanto isso, aquele outro que praticou roubo ou crime de tráfico de drogas não consegue aceitar que passará mais tempo internado por um crime menos grave — diz.

 

Integrante do Fórum Nacional de Membros do Ministério Público da Infância e Adolescência (Proinfância), Renato Varalda entregou em 11 de agosto aos senadores Antonio Anastasia (PSDB-MG) e Hélio José (PSD-DF) um anteprojeto de lei elaborado por ele e outros seis promotores de diferentes estados para determinar que a internação em caso de crime grave seja de um ano e meio a oito anos. Numa progressão que depende da idade do adolescente, a proposta prevê escalonamento dos 12 aos 17 anos. A entidade considera um retrocesso a tentativa de redução da maioridade penal.

 

Janaína Araújo


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