"Eu trabalhava na casa da dona Estela há mais de dois anos. Ela me trouxe do interior para estudar e dar uma ajuda na casa. Todo mês ela mandava uma cesta básica pra minha família e, às vezes, um dinheiro para ajudar lá em casa. Tenho muitos irmãos pequenos e meus pais trabalham na palha de cana. Tem dia que a comida é tão pouca que o jeito é chupar cana para matar a fome. Na casa da dona Estela, eu fazia de tudo: lavava, passava e cozinhava o que a patroa me ensinava. Também cuidava da filha dela, que era quase da minha idade. Eu tenho 14 anos e sou muito magra e baixinha. O pessoal olha pra nós duas e pensa até que eu sou mais nova que a filha da dona Estela. Deve ser por isso que eu não ganho um salário. Um dia, quando eu tava limpando a sala, quebrei um jarro caro da patroa. Eu disse que foi sem querer, que era muito pesado e minha mão tava molhada, mas não adiantou. Ela não gostava mesmo da minha comida, aí ela me mandou de volta, sem nada. Foi melhor mesmo, porque eu prefiro comer cuscuz com ovo do que aquele negócio que ela adora. Acho que é estragonofi. Não, estrogonofe, sei lá, aqueles pedacinhos de carne com um molho de creme de leite que eu sempre cozinhava demais" - Menina de 14 anos, do Recife (PE). Retirado da cartilha Elas não brincam em serviço, de 2003, do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social.


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