O atentado em Paris contra o semanário Charlie Hebdo, que completou um mês no último sábado, causou perplexidade e indignação em todo mundo, mas também motivou reflexões sobre como as nações podem prevenir e enfrentar o terrorismo. O Brasil ainda precisa encarar questão mais trivial, que é suprir a ausência de tipificação penal do terrorismo em seu ordenamento jurídico.

 

A Constituição se limita a enquadrar o crime no rol daqueles que, na regulamentação em lei, não permitam acesso aos benefícios da fiança, graça ou anistia. Porém, passados mais de 26 anos do início de vigência da Carta, promulgada em 1988, essa lei ainda não ganhou forma, apesar de o Congresso, desde então, ter discutido inúmeros projetos sobre o assunto.

 

Somente no Senado, tramitam no momento cinco propostas sugerindo leis autônomas sobre o tema. Outra solução em análise passa pela consolidação da matéria no texto do novo Código Penal (PLS 236/2012). A votação do relatório ao novo código, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), deve acontecer ainda neste semestre.

 

A Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983), elaborada durante o regime militar, inclui os “atos de terrorismo” entre os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. A pena mais branda é de 3 anos de prisão e, no limite, pode chegar a 30 anos se do fato resultar morte.

 

A lei, contudo, não especifica que ações podem ser enquadradas no crime de terrorismo. Assim, mesmo estando em plena vigência, a LSN é considerada defeituosa do ponto de vista jurídico. Isso sem contar o fato de carregar a pecha de “entulho autoritário”, com dispositivos que, antes de tudo, foram desenhados para a proteção do regime.

 

“É constrangedor e irresponsável o fato de o único tipo penal que expressamente menciona o terrorismo remontar ao final do regime militar”, lamenta o senador Romero Jucá (PMDB-RR). É o comentário que faz na justificativa de projeto dele, o PLS 44/2014, a mais recente das

proposições em exame na Casa que tipificam o crime.

 

Regulamentação

 

Pela proposta, configura terrorismo “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa”. A pena de reclusão varia de 15 a 30 anos, mas pode partir de 24 anos se o ato causar morte.

 

Outro projeto, o PLS 499/2013, foi elaborado pela comissão mista parlamentar constituída há cerca de dois anos para cuidar da regulamentação de dispositivos constitucionais pendentes. Aprovado em novembro de 2013, foi encaminhada ao Senado, com previsão de exame diretamente em Plenário.

 

A intenção era de que a matéria chegasse logo à Câmara. Assim, poderia ser encaminhada à  sanção antes do início da Copa do mundo, em meados de 2014. Polêmicas em torno de um dos pontos do texto atrasaram o exame e o país chegou ao evento sem contar com uma legislação para punir atos de terror.

 

O conceito de terrorismo e as penas para o crime são muito semelhantes nas propostas de Jucá e da comissão mista. Em ambas, a pena inicial de reclusão, de 15 anos, impõe ao condenado início de cumprimento em regime fechado. Além disso, não poderá haver fiança. O acesso à progressão é menos benéfico, por se tratar de crime hediondo: só depois de quatro quintos do tempo em regime fechado.

 

Os dois projetos tratam de situações agravantes que elevam a pena, como o uso de meios mais danosos (caso de explosivos) ou o fato de o crime ter sido cometido contra autoridades, como o presidente e o vice-presidente da República e os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal.

 

Ambos conceituam e definem penas para crimes correlatos. Entre eles, o financiamento ao terrorismo, terrorismo contra bens materiais (dano a bem ou serviço essencial, como rede de energia, metrô ou aeroporto) e formação de grupo terrorista. Além disso, tratam da proteção e extinção de punibilidade a arrependidos dispostos a denunciar e impedir os atos.

 

Manifestações

 

O projeto de Jucá inclui dispositivo para deixar claro que não será crime de terrorismo “a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios”. O autor procurou contornar polêmica que dificultou o andamento do PLS 499/2013, o da comissão de consolidação, que foi por ele mesmo relatado.

 

O impasse foi causado pelo conceito inicialmente atribuído ao crime, definido como o ato de “provocar ou infundir terror ou pânico por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial ou étnico”. Para os críticos, inclusive setores do governo, o conceito poderia abrir caminho para criminalizar ações de movimentos sociais.

 

O sub-relator da comissão, deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), foi um dos discordaram. Segundo ele, a proposta era parte de um “pensamento político repressivo”. Ao fim, Jucá cedeu e alterou a redação do conceito, que deixou de fazer menção a motivações caracterizadoras do crime.

 

Apesar disso, o PLS 499 chegou ao Senado em meio a opiniões adversas. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) enviou manifestação contrária à proposta e a dois outros projetos que tipificavam o vandalismo. Para a OAB, o Congresso decidiu votar de “afogadilho” as matérias após o acirramento dos protestos nas ruas a partir de junho de 2013.

 

Após a polêmica, o ritmo da tramitação diminuiu. Em vez do exame único em Plenário, o texto passará antes por quatro comissões, conforme requerimentos de diversos senadores já aprovados. A primeira comissão a analisar o PLS 499/2013 será a de Diretos Humanos e Legislação Participativa (CDH).

 

Há, entretanto, quem discorde da retirada das hipóteses de motivação na conceituação do terrorismo. O ex-senador Pedro Taques, que renunciou ao mandato para assumir o governo de Mato Grosso, em relatório ao projeto de Jucá na CCJ, apresentou emenda com uma lista de motivações que caracterizariam o terrorismo, inclusive questões religiosas e políticas.

 

Outra emenda de Taques corrige o dispositivo destinado a excluir do alcance da tipificação pessoas que participam de movimentos reivindicatórios. Para ele, a redação oferecida por Jucá propiciava imunidade penal, que podia deixar impunes atos terroristas, se praticados por membros de movimento sociais.

 

Por isso, o então relator sugeriu alteração para estabelecer que as condutas de ações de movimento social deixam de ser crime de terrorismo desde que “os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade”. O relatório de Taques poderá ou não ser aproveitado pelo senador que vier a sucedê-lo na relatoria.

 

Com os dois ajustes, o ex-senador aproximou a redação do tipo penal do terrorismo, na proposta de Jucá, à que foi sugerida pela comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do novo Código Penal, o PLS 236/2012. Taques foi relator do código na comissão especial de senadores.


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