Marcio Maturana

O rendimento para 100 milhões de brasileiros que guardam suas economias em caderneta de poupança será definido semana que vem, nos dias 29 e 30, durante a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Se o órgão do Banco Central decidir baixar a taxa básica de juros (Selic) dos atuais 9% para 8,5% ou menos, será acionado pela primeira vez o gatilho que reduz a remuneração da caderneta de poupança: em vez dos tradicionais 6,17% ao ano mais a taxa referencial (TR), o rendimento dos depósitos feitos de 4 de maio em diante será de 70% da Selic mais a TR. Menor, com o objetivo de permitir aos juros no Brasil caírem mais.

— A queda da taxa Selic nesta próxima reunião do Copom é inevitável, até para marcar posição pela continuidade do processo de redução dos juros. Pode até não cair 0,5% agora, mas vai cair. Até o fim do ano, sem dúvida chega a 8,5% — avalia o economista Roberto Piscitelli, professor da Universidade de Brasília (UnB).

Hoje o ministro da Fazenda, Guido Mantega, explicará a mudança no Senado, em audiência pública conjunta da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), presidida por Delcídio do Amaral (PT-MS), e da comissão mista formada por 13 senadores e 13 deputados para avaliar a urgência e a relevância da Medida Provisória 567/12, que pôs em vigor o novo cálculo. Essa comissão mista é presidida pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ).

Na Câmara, o relator da MP será Henrique Fontana (PT-RS), que pretende entregar seu relatório na terça-feira que vem, dia 29. Delcídio será o relator no Senado.

— A audiência [de hoje] vai ser muito boa para esclarecer tudo. O ministro Mantega não vai falar apenas dos rendimentos da poupança, mas de toda a conjuntura econômica: câmbio, inflação, juros, dívidas dos estados com a União — disse Delcídio.

O relatório de Fontana incluirá aceitação ou rejeição das 24 sugestões de modificações apresentadas na comissão mista. Foram 17 propostas de deputados e sete de senadores. A maioria dessas emendas propõe remuneração diferenciada de acordo com o saldo da poupança, estabelecendo limites como R$ 15 mil, R$ 20 mil ou R$ 30 mil. As justificativas são de que isso protegeria o pequeno poupador. A base aliada do governo evitou apresentar emendas, para agilizar a votação.

No fim da fila

O Congresso tem até 1º de julho para aprovar ou rejeitar a MP, transformando-a em lei antes que ela perca a validade. São três votações: primeiro na comissão mista, depois na Câmara e, por último, no Senado. A partir de 17 de junho, a MP tranca a pauta da Câmara. O problema é que existem outras 13 medidas ­provisórias na fila, mas a intenção dos líderes governistas é concluir tudo antes do recesso, que começa em 18 de julho, para que o trâmite da MP não seja atrapalhado pelas atenções que serão exigidas pelas eleições municipais do segundo semestre, inclusive as convenções partidárias.

Delcídio não tem dúvidas de que o Congresso vai conseguir aprovar tudo no prazo previsto.

— É verdade que a oposição deve tentar uma série de artifícios para prejudicar a aprovação, mas estamos preparados para liquidar isso no tempo necessário — disse.

Robin Hood

Apesar de admitirem que será praticamente impossível impedir a aprovação da MP, os parlamentares de oposição apresentam pesadas críticas à mudança. O líder do PSDB, Alvaro Dias (PR),  afirma que se trata de um Robin Hood às avessas: o governo estaria tirando dos pequenos poupadores para dar aos poderosos através da manutenção de financiamentos com juros subsidiados do BNDES, com taxas aquém do mercado.

— O PSDB tem outra proposta: adotar para a poupança, o FGTS e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) as mesmas taxas de juros de longo prazo praticadas pelo mercado. Em vez de reduzir, aumenta o rendimento das economias da população. É uma ideia do economista Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real, e vai ser encaminhada como projeto de lei simultaneamente à aprovação da MP — explica Alvaro.

Esse projeto não muda em nada a MP, mas pretende complementá-la. O senador tucano acredita que sua proposta vai resultar no aumento do poder aquisitivo dos assalariados e na redução de tributos como o PIS-Pasep. Além disso, o projeto vai propor a eliminação dos juros subsidiados nos empréstimos que o BNDES faz para grandes empresas, como as construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez.

— Só nos últimos três anos, aproximadamente, houve transferência de mais de R$ 260 bilhões do Tesouro Nacional para o BNDES, com o objetivo de financiar esses poderosos — critica.

Mas o PSDB também tem emendas para a MP, inclusive duas de senadores. Aloysio Nunes Ferreira (SP) propõe que ­depósitos que durem dois anos ou mais sejam sempre remunerados pela regra antiga, independentemente da Selic, e Flexa Ribeiro (PA) propõe isenção do Imposto sobre Operações de Crédito nas renegociações de dívidas.

Aceitação popular

Mas a aprovação da MP da Poupança pode ser facilitada pela boa aceitação que a medida teve pela sociedade. O professor Piscitelli observa que o mercado financeiro também viu as mudanças com bons olhos. Ele afirma que está tranquilo e que não mudou em nada suas próprias economias.

— Desta vez o governo fez tudo certo: anunciou, consultou, manteve os direitos intactos. Agiu com clareza e transparência. Tecnicamente, nem os economistas mais radicais podem criticar. E olha que em geral eu sou muito crítico. Mas era mesmo preciso fazer essa mudança, e ela aconteceu no momento adequado — disse o economista da UnB.

Além dos elogios de economistas como Piscitelli, a mudança no rendimento da poupança foi bem recebida pelos representantes dos trabalhadores — como CUT e Força Sindical — e dos empregadores — como a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Entre a população, ainda há dúvidas. Afinal, a poupança é a mais popular e tradicional aplicação financeira do país, criada por dom Pedro II em 1861 e que se tornou um típico presente brasileiro dado pelos pais ao filho recém-nascido. As regras mudadas neste mês são de 1991, quando a inflação brasileira era muito mais alta que a atual.

Depois da audiência de hoje, a CAE fará outra, em data a ser confirmada, para debater as regras. Além de Mantega, participarão o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal; o economista Maílson da Nóbrega; e o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin.


Compartilhar: Facebook | Twitter | Telegram | Linkedin