Nova edição de Em Discussão!, aponta que a rede pública não dispõe de dinheiro suficiente todos os brasileiros

Da Redação | 10/02/2014, 23h00

Ricardo Westin

 

A rede pública de saúde do Brasil é ambiciosa. Ao criar o Sistema Único de Saúde (SUS), a Constituição estabeleceu que cada brasileiro, rico ou pobre, precisa ter todas as necessidades atendidas sem pagar nada — de uma aspirina a um remédio anticâncer que custa milhares de reais, de uma consulta por causa de dor de garganta a uma complicada cirurgia no coração.

 

Entre a letra da lei e a realidade, porém, existe um abismo. Faltam médicos. A espera por uma consulta pode durar meses. Por uma cirurgia, anos. Prontos-socorros vivem abarrotados de pacientes. Em hospitais, eles convalescem em macas pelos corredores. Ambulâncias ficam na garagem por falta de gasolina. O Brasil ainda registra novos casos de elefantíase, esquistossomose, mal de Chagas e hanseníase. A dengue, que mata, ressurge todo verão.

 

As mazelas da saúde não têm uma explicação única. Especialistas responsabilizam tanto as falhas na gestão quanto a corrupção. Entretanto, são enfáticos ao apontar que o maior dos problemas é, de longe, o subfinanciamento. Para fazer tudo aquilo a que se propõe, o SUS não tem ­dinheiro suficiente.

 

A edição de fevereiro da revista Em Discussão!, publicada pelo Jornal do Senado, trata especificamente do financiamento da saúde. O tema é esmiuçado ao longo de 82 páginas, em reportagens que explicam desde as tentativas já feitas de reforçar o caixa do SUS até os projetos de lei em estudo hoje no Congresso Nacional, passando pelas experiências de outros países. A nova edição já está disponível na Livraria do Senado e no site da Casa.

 

Bilhões insuficientes

 

— Em todo o Brasil, o cidadão que procura tratamento frequentemente depara com toda sorte de desrespeito, como longas filas e descaso. Isso é inaceitável, porque a manutenção da saúde está ligada ao direito à própria existência — disse o presidente do Senado, Renan Calheiros, numa sessão temática realizada em setembro passado em que senadores, ministros e militantes da saúde discutiram o SUS.

 

Em 2012, o governo federal, os estados e as prefeituras destinaram à saúde R$ 173 bilhões. Esse valor custearia todo o ­Programa Nacional de DST e Aids durante quase um século e meio.

 

O montante que alimenta o SUS aparenta ser fabuloso, mas três comparações deixam claro que não é. A primeira é com a rede privada. De todo o dinheiro que sustenta a saúde brasileira, a fatia grande do bolo (54%) está no sistema privado. A parcela menor (46%) mantém o sistema público. O desequilíbrio aumenta quando se leva em consideração que a grande maioria dos brasileiros (76%) não tem plano de saúde e depende do SUS quando adoece.

 

A segunda comparação é com países que também têm um sistema universal e integral. No Brasil, o poder público investe em saúde 4% do produto interno bruto (PIB), menos que Reino Unido (7,7%), Canadá (7,8%) e Argentina (4,9%).

 

A última comparação é com os planos de saúde. Enquanto os convênios médicos gastam, em média, R$ 160 mensais com cada um de seus 48 milhões de clientes, a rede pública desembolsa R$ 72 por mês com cada um dos 200 milhões de brasileiros. A rede pública, além de tudo, tem uma lista de tarefas muito mais extensa que a dos planos de saúde. Cabem ao SUS o controle de epidemias e a vigilância sanitária de remédios e alimentos.

 

— O SUS está sem dinheiro, e isso se vê em itens banais. Consultórios não têm cadeira para os pacientes e hospitais não têm lençol. Como o médico pode oferecer um atendimento digno? Os políticos fazem promessas, mas, quando chegam ao governo, mostram que a saúde, na realidade, nunca foi prioridade — disse a Em Discussão! Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.

 

Gastos crescentes

 

Falta dinheiro do governo federal. Segundo especialistas, os estados e as prefeituras já destinam à ­saúde o máximo que podem. A União arrecada a maior parte dos impostos, mas aplica no SUS uma parte pequena deles.

 

O Senado está empenhado em ajudar o governo a encontrar o caminho. Neste momento, os senadores analisam uma série de projetos de lei que buscam reforçar os cofres da saúde pública.

 

No início do ano passado, o Senado encarregou uma comissão temporária de debruçar-se sobre o problema e propor soluções.

 

Em setembro, em debate no Plenário, os senadores trataram do tema com dois ministros — Miriam Belchior, do Planejamento, e Alexandre Padilha, na época titular da Saúde.

 

A discussão ganhou fôlego em agosto, quando entidades do setor sanitário reunidas no movimento Saúde+10 apresentaram um projeto de lei que obriga o governo federal a aplicar 10% da receita bruta no SUS. Para que a proposta fosse aceita pelo Congresso, o Saúde+10 recolheu 2,2 milhões de assinaturas.

 

Caso o poder ­público não tome nenhuma atitude com urgência, o subfinanciamento ficará ainda mais profundo com o passar do tempo. Os gastos da saúde crescem num ritmo veloz.

 

Diariamente são lançados remédios e aparelhos novos e caros, que, em vez de substituir, passam a conviver com os antigos. A tomografia computadorizada, por exemplo, não levou à aposentadoria do velho aparelho de raios X. O Brasil tem cada vez mais idosos, que requerem mais tratamentos do que os jovens. Outro fenômeno é a judicialização da saúde. As pessoas recorrem à Justiça para obter do governo remédios e cirurgias que não recebem do SUS.

 

Para Mário Schef­fer, professor de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo (USP), a má qualidade do SUS tem empurrado os brasileiros para a saúde privada. Em 2000, 31 milhões de pessoas tinham plano de saúde. Hoje, 48 milhões. Afirmou ele à revista Em Discussão!:

 

— Nem mesmo os clientes dos planos estão satisfeitos. Os convênios já mostraram que não são capazes de oferecer o atendimento adequado. Está claro que o governo deve tirar do papel o SUS previsto na Constituição. Para isso, precisa garantir um financiamento decente. Sem dinheiro, é impossível aumentar a quantidade e a qualidade dos serviços ­públicos de saúde.


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