Estudante precisará de carteira padronizada para pagar meia

Rodrigo Baptista | 20/10/2015, 10h00

Novas regras, que entram em vigor em dezembro, limitam a emissão de documentos a algumas entidades como UNE, Ubes e DCEs para evitar fraudes. Também estabelecem reserva de 40% dos ingressos de cada evento para o benefício. Opiniões se dividem sobre queda de preços

A partir de 1º de dezembro, 40% dos lugares em eventos artísticos, culturais e esportivos serão reservados à meia-entrada para estudantes, jovens de baixa renda e pessoas com deficiência. Até lá, leis municipais e estaduais que tratam do tema seguem valendo. A determinação está no Decreto 8.537/2015, publicado pelo governo no início deste mês para regulamentar a concessão do benefício.

No caso dos estudantes, outra regra nova estabelece que só terá direito a pagar metade do valor da entrada quem tiver a Carteira de Identificação Estudantil (CIE), um documento padronizado e emitido por uma das seguintes entidades: Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e diretórios centrais dos estudantes (DCEs), além de centros e diretórios acadêmicos, de nível médio e superior.

A CIE já está disponível, custa R$ 25 mais o frete e pode ser solicitada pelo site www.documentodoestudante.com.br/.

— Se não fosse pela meia-entrada, não teria ido ao Rock in Rio e a vários outros eventos — contou o brasiliense Lucas Henrique da Cruz, 20 anos.

No dia 19 de setembro, ele esteve no Rio de Janeiro, com amigos, para assistir aos shows da banda britânica Queen e de outros grupos. Cruz comprovou a condição de estudante de Arquivologia na UnB com a carteira emitida pela própria universidade e desembolsou R$ 175, metade do valor do ingresso.

Mas se ainda estiver na faculdade e quiser assistir à próxima edição do festival, prevista para 2017, ele terá que solicitar uma carteira estudantil padronizada por uma das instituições cadastradas.

De acordo com a presidente da UNE, Carina Vitral, a falsificação das carteiras de estudante e o completo descontrole do acesso à meia-entrada fez com que os produtores culturais aumentassem o preço dos ingressos. Ela acredita que, após a regulamentação, não haverá espaço para as irregularidades no acesso à meia. Para a dirigente estudantil, as distorções se proliferaram principalmente a partir Medida Provisória 2.208/2001, que permitiu a qualquer associação, empresa ou organização emitir carteirinhas.

— A MP 2.208/2001 foi editada sob o argumento de democratizar o acesso à meia-entrada. Contudo, o descontrole na emissão e a proliferação de entidades e instituições de ensino fantasmas, além de inúmeras denúncias de fraudes e falsificações, fizeram com que a carteira de estudante perdesse a sua credibilidade. Na prática, os estabelecimentos passaram a vender a meia a preço de inteira e a inteira com preço dobrado — afirmou

Com a regulamentação, entidades que emitirem carteiras de maneira irregular ou fraudulenta estarão sujeitas a multa, suspensão temporária ou definitiva da autorização para conceder o documento.

Com a regulamentação, entidades que emitirem carteiras de maneira irregular ou fraudulenta estarão sujeitas a multa e suspensão temporária ou definitiva da autorização para conceder o documento.

Para evitar falsificações, UNE, Ubes e ANPG investiram na confecção da carteira. Ela tem certificação digital e elementos de segurança como tinta invisível, efeito degradê, tarja magnética e QR Code. Tudo para evitar cópias.

A criação de banco de dados nacional formado por todos que tenham direito à meia-entrada também ajudará a reduzir as fraudes, garante a presidente da UNE. Por meio dele, o produtor poderá verificar se a pessoa está matriculada em alguma escola ou universidade.

Identidade Jovem

Pessoas com deficiência terão de mostrar, na hora de comprar o ingresso, o cartão de Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social ou o do INSS. Ao acompanhante também se aplica o direito ao desconto.

Já os mais de 18 milhões de jovens de baixa renda inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal terão que esperar um pouco mais.

Eles deverão apresentar a Identidade Jovem, que será emitida pelo governo até 31 de março de 2016, de acordo com a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ). Até lá, comprar ingressos mais baratos vai depender dos estabelecimentos culturais e esportivos.

De acordo com o órgão, “assim que o agente operador da Identidade Jovem for contratado, a secretaria divulgará os requisitos para a solicitação do documento de identificação".

A SNJ, ligada à Secretaria de Governo da Presidência da República, estuda qual será o formato do documento. A ideia é que a maior parte das carteirinhas seja disponibilizada virtualmente, por meio de aplicativos para smartphones ou imagens geradas por site específico. Para os que não têm acesso a internet ou a aparelhos eletrônicos, será emitido documento físico.

Com o documento, os jovens de baixa renda também terão direito a duas vagas em cada ônibus, trem ou embarcação do serviço convencional de transporte interestadual de passageiros, além de dois lugares com desconto de 50% nas passagens a serem usadas depois de esgotadas as vagas gratuitas.

Queda no preço do ingresso não é certeza

Durante audiência no Senado em julho, antes da regulamentação da meia-entrada, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, classificou de hipocrisia a venda de ingressos mais baratos em espetáculos culturais, uma vez que, a rigor, o benefício tem o preço de uma inteira no país. Ele disse ser favorável à meia-entrada para estudantes e aposentados, por considerar esse um direito que propicia a inclusão social, mas invocou a máxima econômica segundo a qual “não existe jantar de graça”

— Se você pende para um dos dois lados, eliminar o direito, que seria um erro, ou eliminar a viabilização econômica do espetáculo, a gente não vai sair do lugar — disse na ocasião.

De acordo com produtores, não existem eventos produzidos com a metade da bilheteria. A categoria estima vender em média 70% da bilheteria por metade do valor. É comum que o público pagante de meia-entrada corresponda a 9 de cada 10 pessoas em peças de teatro, conforme Odilon Wagner, ator e presidente da Associação de Produtores Teatrais ­Independentes (APTI).

— A meia-entrada, como funcionou até agora, representa um imposto de 50% sobre os produtos culturais. E, importante frisar, não é subsidiada pelo governo. Quem arca com esses custos são os produtores. Eles são obrigados a subir o valor da inteira e, consequentemente, da meia-entrada — admitiu.

Para o presidente da APTI, a regulamentação abre caminho para a redução do preço de ingressos

Opinião semelhante é compartilhada pela presidente da UNE, Carina Vitral. Para ela, a existência de um único padrão nacional da carteira de estudante e a previsibilidade da arrecadação na bilheteria por meio do estabelecimento de um piso mínimo de 40% de meia-entrada devolverá o benefício da meia-entrada a quem de fato tem direito.

— A soma dos dois fatores pode, sim, vir a fazer com que o preço do ingresso fique mais acessível, mesmo mantendo o ticket médio do promotor de eventos — disse

Subsídio

Mas a queda dos preços não é garantida. Pelo menos é o que avalia o produtor cultural João Lucas Ribeiro, diretor do Festival Vaca Amarela, realizado anualmente em Goiânia. Para ele, a meia-entrada é ilusão.

— A conta dessa medida deva ser paga pelo governo, subsidiada. Mesmo sendo de 40 % [a cota], esse déficit na bilheteria tem que ser repassado ao público — afirmou.

Recém-formada pela UnB, a arquivista Ester Eiko, 22 anos, está na expectativa pela queda de preços. Ela contou que usufruiu bastante da meia-entrada, mas, desde que concluiu a graduação, passou a frequentar menos espetáculos em razão do preço.

— Para os que não possuem nenhum tipo de benefício e pagam o valor integral das entradas, que por muitas vezes é bem elevado em Brasília, pode ser uma boa oportunidade.

Estresse

Assim como Ester, o estudante universitário Lucas Henrique da Cruz também está preocupado com o ponto da regulamentação que trata do prazo de reserva da meia-entrada.

Conforme o decreto, além da limitação da meia-entrada a 40% do total de ingressos, eles só estarão reservados a partir do início das vendas até 48 horas antes de cada evento, com disponibilidade em todos os pontos de venda

Para públicos acima de 10 mil pessoas, a reserva da meia-entrada será até 72 horas antes do evento

A Associação de Consumidores Proteste avalia que será mais difícil usufruir da meia-entrada.

— Se não for com antecedência aos pontos de venda, não será garantido o ingresso pela metade do preço cobrado para a venda ao público em geral — aponta a associação.

Nos eventos esportivos, avalia a Proteste, há o risco de não se obter a meia-entrada. Isso porque na regulamentação é estabelecido que o benefício da meia-entrada não é cumulativo com outras vantagens, como a aquisição de ingresso por associado de entidade de prática desportiva, como sócio torcedor ou equivalente.

— Acho que o momento de lazer pode se tornar de estresse — avaliou a arquivista Ester.

Estatuto garante metade do valor para maiores de 60

Para os idosos, nada vai mudar. Basta que apresentem documento de identidade que comprove a idade para que desfrutem da meia-entrada, pois é o que garante o Estatuto do Idoso.

Esse é o entendimento de Paulo Paim (PT-RS). Autor do estatuto, o senador foi contra a inclusão dos idosos no percentual de 40%, por considerar que a medida causaria uma disputa por ingressos vendidos pela metade do preço. Ele disse que, conforme o projeto que deu origem à Lei da Meia-Entrada (Lei 12.933/2013), os maiores de 60 anos não entram na conta dos 40% reservados.

Quando sancionou a lei, a presidente Dilma Rousseff também vetou uma menção a idosos no texto, que estabelecia que eles deveriam apresentar documento de identidade oficial para obter o benefício.

Mas o presidente da Associação de Produtores Teatrais Independentes, Odilon Wagner, entende que os idosos devem ser incluídos na cota de 40%.

— Eles estão dentro da Lei da Meia-Entrada. O que causa a desinformação é que os idosos não aparecem na regulamentação porque não há o que regulamentar no caso deles. É só apresentar a carteira de identidade nas bilheterias — opinou.

Procon promete fiscalizar cumprimento da nova regra

O decreto de regulamentação determina que as bilheterias, físicas ou on-line, terão de avisar “de forma clara, precisa e ostensiva” quantos ingressos estão à venda no total, qual a proporção exata de meias-entradas e quando os ingressos se esgotam. Caso isso não seja explicitado, o consumidor poderá exigir pagar meia.

Estabelece ainda que os promotores apresentem relatório de vendas dos ingressos comercializados com meia-entrada. Se um estabelecimento não conceder desconto, poderá receber sanções administrativas que incluem, entre outras, multa e possível suspensão de alvará de funcionamento.

Mas como garantir que a lei está sendo cumprida? É aí que entram os órgãos de defesa do consumidor. A tarefa promete ser árdua. Em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, diversos eventos culturais e esportivos costumam acontecer simultaneamente.

O diretor-geral do Procon-DF, Paulo Marcio Sampaio, admite que o órgão não conta com funcionários suficientes para fiscalizar todos os palcos de Brasília e das cidades-satélites. Por isso, disse, é fundamental que a população ajude a fiscalizar

Além de apurar as denúncias de consumidores que se sentirem lesados, o Procon-DF promete ações pontuais de fiscalização em estabelecimentos culturais, bares e restaurantes submetidos à Lei da Meia-Entrada

A presidente da UNE, Carina Vitral, disse que os estudantes farão blitze em todo o país para acompanhar o cumprimento da lei:

— E quem estiver burlando a legislação será denunciado — garantiu Carina.

Lei foi aprovada em 2013 após ampla negociação

Publicado em 6 de outubro, quase dois anos após a sanção da lei, o Decreto 8.537 encerra um debate iniciado em abril de 2007, quando os então senadores Eduardo Azeredo e Flávio Arns apresentaram o Projeto de Lei 188.

O texto previa o benefício apenas para estudantes e idosos com mais de 60 anos. Posteriormente, deputados incluíram as pessoas com deficiência e os jovens de baixa renda de 15 a 29 anos.

Quando voltou ao Senado, o então senador Vital do Rêgo foi relator. Segundo ele, a aprovação só foi possível após ampla negociação entre lideranças partidárias e representantes de grupos estudantis, do setor cultural e de grupos de defesa dos idosos.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)