Ir para conteúdo principal

Cronologia da invasão revela atuação da Polícia do Senado

17/01/2023, 11h22 - ATUALIZADO EM 17/01/2023, 13h00

A depredação do Senado durante a invasão do domingo, 8 de janeiro, poderia ter causado ainda mais prejuízos, não fosse a resposta da Polícia Legislativa da Casa (assista acima à gravação de câmeras instaladas nos uniformes dos policiais). Responsável por coordenar a equipe que ficou na linha de frente contra os vândalos, o chefe do Serviço de Policiamento, Ricardo de Sousa, reviveu os acontecimentos do dia e explicou as ações tomadas. De acordo com ele, desde o início do domingo havia uma preocupação latente devido aos ônibus que chegaram ao acampamento em frente ao QG do Exército, no Setor Militar Urbano, em Brasília.

— Nós já tínhamos visto imagens de supostos manifestantes colocando máscaras, chapéus e se armando. Por esses pequenos detalhes, percebemos que podia não ser um protesto amistoso. A informação que tínhamos de fora, porém, é que tudo estava sob controle. Por volta das 14h40, a última barreira externa da Polícia Militar , na Esplanada, foi quebrada e tudo começou — relata.

Naquele momento, Ricardo Sousa convocou com urgência os agentes de segurança da Casa que estavam de folga e foi iniciada uma grande operação que só terminou às 15h30 da segunda-feira (9), quando o último preso durante a ação foi entregue à Polícia Penal, ligada à Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).

Início do confronto

Pouco antes das 15h, golpistas invadiram, ao mesmo tempo, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto. Uma das primeiras ações aconteceu na garagem de acesso à base da Secretaria de Polícia Legislativa (Spol), quando um grupo tomou a via externa (N-2) e iniciou o cerco ao prédio. Uma policial agiu rapidamente para retirar uma viatura que estava exposta, na tentativa de preservar o veículo, mas foi avistada por agressores e chegou a ser perseguida. Ela tentou fechar o portão de acesso subterrâneo. Nessa hora, um homem chutou a porta, que atingiu a servidora duramente, obrigando-a a correr. Apesar da invasão inicial, o grupo logo se dispersou de volta ao edifício principal.

Reforçada pela chegada de outros servidores — chamados para a situação excepcional — a polícia montou a primeira linha de contenção na divisa entre os Salões Negro e Azul do Senado e, posteriormente, entre o Salão Verde (na Câmara) e o Azul. Diego Alekes, do Serviço de Inteligência Policial, conta que estava de folga, em confraternização com a família, quando sintonizou um canal de TV e viu o que estava acontecendo no Congresso. Momentos depois, era um dos policiais que lutavam para permanecer de pé, mesmo sob a intensa ardência do gás lacrimogêneo lançado pelos policiais e também pelos vândalos.

— Nós respiramos muito gás e fomos bastante ameaçados. Foi com certeza meu momento mais tenso como policial — relata.

A resistência durou cerca de uma hora. Muitos agressores arremessaram diferentes objetos na linha de resistência dos policiais legislativos, além de usarem  mangueiras de incêndio contra a barreira e até estratégias militares de confronto. Segundo Ricardo Sousa, um dos vândalos proferiu ameaças contra a única mulher da linha de frente, no que ele acredita que era uma tentativa de desestabilizar o grupo.

O homem, visivelmente transtornado, gesticulou e direcionou xingamentos a ela, ordenando que ela se afastasse, pois estava sob risco de morte. Graziela respondeu que podia até morrer, mas morreria exatamente onde estava.

Os policiais tiveram de recuar quando um agressor arremessou uma bomba de gás lacrimogêneo por baixo dos escudos, tornando o ambiente insalubre.

— Essa granada possuia uma concentração de gás muito maior em relação a similares e pode ser até letal em ambientes fechados. Nós tínhamos uma parecida, mas decidimos não usar porque poderia provocar ferimentos sérios ou coisa pior naquelas pessoas. Não sei como obtiveram esse artefato, mas isso foi decisivo para termos recuado — afirma Ricardo.

16h40

Em condições ainda mais adversas, os policiais foram forçados a ceder parte do Salão Azul até a Praça das Bandeiras — que haviam sido todas retiradas previamente para não se tornarem armas nas mãos dos agressores. Segundo Ricardo Sousa, a intenção era criar nova resistência ali, mas um grupo armado com pedras os aguardava do lado de fora do prédio. Projéteis foram lançados contra os servidores pelas janelas estilhaçadas, criando duas frentes de ataque.

Acuados, eles se reorganizaram até onde haviam estabelecido como linha final: o Túnel do Tempo, corredor que liga o prédio principal aos anexos onde ficam as comissões e os gabinetes de senadores. O chefe do Serviço de Policiamento explica que, por ser um local afunilado, seria mais fácil estabelecer uma defesa consistente e conter os vândalos. E foi o que aconteceu. Também foram preservados o espaço João Cláudio Neto Estrella, também conhecido como Aquário, da Agência Senado, e o Comitê de Imprensa da Casa.

— É grande a dificuldade de proteger o Congresso, porque existem muitas vias de acesso e barreiras de vidro. Você recua até um ponto, mas pode ser surpreendido por trás. Então, já sabíamos que o limite era o túnel [do tempo]. Nossa equipe é bem treinada e nossas simulações abordam muitas situações — diz.

17h

Entre as 17h e 17h20, a  PMDF começou a agir dentro do prédio e iniciou a retomada do patrimônio público. Pela central de inteligência que operava no edifício da Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF), um representante da Spol, em parceria com outras autoridades locais e federais, recebia e enviava informações em tempo real.

18h

Com ajuda dos policiais militares, a Spol retomou os espaços da Casa e impeliu a multidão de volta para a Esplanada dos Ministérios. Nesse momento, contudo, ainda havia dezenas de pessoas no Plenário do Senado. As imagens circularam pelas redes sociais e noticiários nacionais e internacionais.

Ricardo Sousa destacou três pessoas para iniciar a prisão dos invasores. Contudo, em desvantagem numérica, foi necessário apelar a táticas pontuais de negociação. Uma das policiais, por exemplo, estabeleceu contato com uma mulher que parecia exercer papel de liderança sobre os demais.

Uma das preocupações era não agitar os vândalos para evitar que, da janela do chamado cafezinho dos senadores, local ao lado do Plenário, invasores que estivessem na varanda do Congresso percebessem a movimentação e tentassem se juntar aos criminosos no Plenário. A tática foi bem sucedida, o número de pessoas dentro do Plenário permaneceu estável e a Spol se tornou o primeiro órgão de segurança a prender os golpistas no evento, com 38 detenções.

O saldo

Após o conflito direto ter sido enfrentado e cessado, restou aos policiais conduzir os presos à Spol para que fossem feitas as oitivas e onde eles permaneceram detidos até a entrega às autoridades distritais e federais. O evento só acabou no meio da tarde do dia seguinte.

Ricardo Sousa afirma ter sido a pior ameaça ao patrimônio do Senado em dez anos de trabalho na Casa e elogiou o preparo de seus comandados para lidar com cerca de 2 mil pessoas que teriam participado direta ou indiretamente das depredações.

— Nós utilizamos cinco vezes mais material do que em dias cotidianos. Foi um dia longo e exaustivo. Nunca havíamos perdido o interior do palácio dessa maneira — completou.

Últimos vídeos