CPMI: Investigação deve começar por financiadores e atos anteriores ao 8/1

Da Agência Senado | 06/06/2023, 11h35 - ATUALIZADO EM 06/06/2023, 16h00

A CPMI do 8 de Janeiro aprovou nesta terça-feira (6), por 18 votos a 12, o plano de trabalho apresentado pela relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA). A senadora definiu oito linhas de investigação, a serem iniciadas pelos possíveis financiadores e autores dos atos anteriores aos ataques às sedes dos Três Poderes. Entre as linhas estão a identificação dos mentores, financiadores e executores dos acampamentos em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília; e o planejamento, a atuação dos órgãos de segurança pública da União e do Distrito Federal; além da atuação de Anderson Torres, enquanto ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro e também como secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.

Durante a leitura de seu plano de trabalho, Eliziane ressaltou que o norte das investigações levará em consideração os eventos e os fatos, "sem exploração de teorias, versões ou narrativas". A relatora observou que as linhas gerais da investigação poderão ser ampliadas com o surgimento de novos fatos conexos a partir de depoimentos, perícias, estudos e documentos oficiais que serão reunidos ao longo das atividades da CPMI. Ela argumentou que o plano de trabalho tem objetivo de investigar os responsáveis pelos atos, sejam eles por atuação ou omissão.

— Ao cabo das investigações deverão ser oficiados os órgãos estatais de persecução penal, além das autoridades administrativas competentes, com vistas à responsabilização dos possíveis envolvidos, seja pela prática de crimes comuns, de responsabilidade ou pelo cometimento de infrações administrativas, além dos inúmeros ilícitos de natureza civil aptos a gerarem o dever-poder de o Estado cobrar a justa reparação pelos vultosos prejuízos sofridos — disse Eliziane.

Ainda como linhas de investigação, a relatora elencou os acontecimentos dos dias 12 de dezembro (quando extremistas tentaram invadir o prédio da Polícia Federal e incendiaram ônibus e carros em Brasília) e de 24 de dezembro de 2022 (quando chegaram a armar uma bomba junto a um caminhão-tanque perto do Aeroporto Internacional de Brasília); as manifestações públicas e em redes sociais de agentes políticos contestando o resultado das eleições; e a relação do tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, com pessoas envolvidas com o fato determinado investigado pela CPMI e com eventuais conspirações golpistas, noticiadas pela imprensa.

Requerimentos

Ainda para subsidiar as investigações, Eliziane sugeriu a aprovação de um bloco de requerimentos com a convocação inicial de 36 nomes e a busca de informações para contribuir para a elucidação dos fatos. A votação desse bloco de requerimentos foi adiada, por acordo, para a reunião deliberativa da  terça-feira (13).

Nessa primeira rodada ela já sugere que a comissão se debruce com as ações que antecederam ao 8 de janeiro e que podem ter servido de roteiro para os ataques contra os Poderes da República. Para isso, entre outros, ela sugeriu a convocação de Anderson Torres; de Ricardo Garcia Capelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, além de ex-ministro interino do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República e ex-interventor federal na Segurança Pública do Distrito Federal; do ex- ministro-chefe do GSI, Augusto Heleno Ribeiro Pereira; do ex-diretor-feral da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques; do tenente-coronel Mauro Cid e o ex-ministro-chefe do GSI Gonçalves Dias.

Relatórios da Abin

Eliziane pediu ainda a reclassificação de sigilosos para públicos dos relatórios de inteligência produzidos desde dezembro de 2022 pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que contenham alertas e análises dos riscos relacionados aos ataques aos prédios públicos ocorridos em janeiro.

Além disso, a senadora solicita o compartilhamento dos relatórios de inteligência produzidos pela Abin que foram supostamente adulterados pelo ex-ministro do GSI Gonçalves Dias; assim como pede à Polícia Militar do Distrito Federal que compartilhe informações sobre detalhes como o processo de férias de Anderson Torres e o efetivo de policiais militares para o dia 8 de janeiro.

A senadora também indica que o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, também deve ser ouvido.

— Para tanto, e até por causa das relevantes funções de Estado que exerciam e exercem, é certo que será necessário ouvir, no momento adequado, o ministro da Justiça, Flávio Dino; o então interventor na Segurança Pública do Distrito Federal, Ricardo Capelli; e o general Gonçalves Dias, ex-ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Todos eles, certamente, têm muito a contribuir com esta CPMI — complementou a relatora.

Eliziane também listou outros pedidos nos requerimentos, como o compartilhamento de informações das investigações já em curso na CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal e a designação de servidores de órgãos públicos para que colaborem com os trabalhos, entre eles funcionários do Banco Central, da Controladoria Geral da União (CGU) e da Secretaria da Receita Federal, além de um delegado e um perito da Polícia Federal.

— É conveniente que, desde logo, possamos atuar em colaboração com a Câmara Legislativa do Distrito Federal, onde está em funcionamento comissão parlamentar de inquérito com objetivo correlato ao desta. Todas as conclusões balizadas já alcançadas serão de grande valia para o desenrolar dos nossos trabalhos, inclusive para que possamos agregar mais informações à sociedade brasileira.

Plataformas digitais

Em outra frente do plano, a relatora não descarta a possibilidade de "auscultar e entender" melhor o papel das plataformas tecnológicas na disseminação de notícias falsas que levaram ao planejamento e incitação dos ataques.

— Não necessariamente por intencionalidade das empresas, mas por modelos de negócio que carregam, em seu bojo, riscos sérios e perigosos ao Estado Democrático de Direito. Bom que se diga, uma preocupação latente e agendada no Congresso, que ora se debruça na discussão de um abrangente projeto sobre o tema — acrescenta Eliziane em seu plano de trabalho.

Supremo

O presidente da CPMI, Arthur Maia (União-BA), informou que vai se reunir com o ministro do STF Alexandre de Moraes para tratar dos pedidos de acesso a inquéritos e documentos que estão em sigilo no âmbito da corte. Ele disse que na próxima reunião deliberativa serão votados mais de 200 requerimentos de convocação, convites e pedidos de informação, excluídos justamente aqueles que estão em sigilo no STF.

— Eu vou excluir todos os requerimentos que tratam de sigilo submetidos ao Supremo Tribunal Federal. Porque eu acho que é prudente de que antes que seja enviado ao Supremo os requerimentos para que o Supremo abra esse sigilo que eu, como presidente tenha essa conversa com o presidente do inquérito do Supremo Tribunal Federal, que é o ministro Alexandre de Moraes. Vou solicitar ainda hoje essa audiência.

Arthur Maia ainda sugeriu que a comissão faça reuniões na terça, quarta e quinta-feira da próxima semana com o objetivo de votar os requerimentos e iniciar a fase de oitivas. 

Cronologia

Parlamentares governistas elogiaram o plano apresentado pela senadora. Os senadores Fabiano Contarato (PT-ES), Rogério Carvalho (PT-SE), a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e o deputado Duarte (PSB-MA) consideraram essencial estudar toda cronologia dos atos preparatórios para o 8 de janeiro. Eles concordaram ser necessário identificar os autores intelectuais, os financiadores e os agentes públicos envolvidos na cronologia.

— Temos que entender que o que aconteceu no dia 8 de janeiro, em apenas oito dias do governo Lula, foi um exaurimento de quatro anos de ataque à democracia. Nós tivemos um ex-presidente que não sabia viver numa democracia, que ficou quatro anos participando de movimentos antidemocráticos para fechar o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, dizendo que, para fechar o Supremo, bastava um cabo e um soldado, dizendo, inclusive, que, se o presidente Lula fosse eleito, não subiria a rampa. Ele instigou, ele induziu, auxiliou tudo aquilo que aconteceu no dia 8 — afirmou Contarato, referindo-se a Jair Bolsonaro.

Documentos sigilosos

Já o senador Esperidião Amin (PP-SC) disse que relatórios específicos da Abin a serem requeridos deveriam ser listados no plano de trabalho, ao que a relatora respondeu que eles já estão solicitados, ainda que de forma geral. Para ele, a CPMI deveria quebrar os sigilos dos documentos sigilosos em poder do Ministério Público, da Polícia Federal, e também no inquérito 4.781, o chamado Inquérito das Fake News, do Supremo Tribunal Federal. O Inquérito das Fake News investiga a propagação de notícias falsas e a verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de causar instabilidade aos Poderes e ao Estado de Direito.

— Nós vamos nos subordinar ao segredo de justiça de um inquérito que é uma sacola infindável de casos? Eu acho que não, eu não aceito isso. CPMI tem o equivalente ao inquérito judicial. Não tenho nada a ver com sigilo de ninguém — disse Amin, para quem a comissão parlamentar mista de inquérito chegou "cinco meses atrasada" e seria necessário incorporar os documentos já me poder dos demais órgãos de investigação.

Documentos e imagens que auxiliariam nas investigações, ressaltou o senador, estão no âmbito do STF.  Além disso, Esperidião afirmou que os relatórios da Abin eram de conhecimento do GSI e teriam sido adulterados.

— Eu peço que nós aprovemos a quebra do sigilo dos três relatórios da Abin, da decisão do ministro [do STF] Alexandre Moraes, justificando que não deveria haver sigilo para esses relatórios, porque eles tratam de fatos históricos, portanto não prejudicam em nada o nosso futuro. Finalmente, a informação sobre o inquérito que corre na Procuradoria-Geral da República, que originou o relatório dois. A Abin fez um relatório inicial omitindo 11 vezes que o ministro do GSI tinha recebido aquelas mensagens. Diante do pedido da Procuradoria da República feito no dia 27 de abril, que a Abin negou, e do recurso que foi interposto junto ao ministro Alexandre de Moraes, a Abin teve que mandar o verdadeiro relatório — detalhou Amin, que recebeu apoio do deputado Delegado Ramagem (PL-RJ).

Sub-relatorias

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) e o deputado Ramagem também criticaram o fato de o plano não contemplar a criação de sub-relatorias. Izalci pediu a criação de pelo menos duas subcomissões pra agilizar as investigações.

— Seria muito importante, em função do tempo, a gente ter, pelo menos, duas subcomissões. Nós temos aí e acho que tem um peso muito forte — a questão da omissão. Nós temos aí como sugestão, por exemplo, uma [subcomissão] sobre falhas operacionais que ocorreram e invasões e depredações, especificamente isso. E uma outra: atos omissos e equívocos dos processos — sugeriu Izalci.

Omissão

Na opinião dos senadores Esperidião Amin, Sérgio Moro (União-PR), Eduardo Girão (Novo-CE) e dos deputados André Fernandes (PL-CE) e Carlos Sampaio (PSDB-SP), o trecho do plano com as linhas gerais de investigações não deixam claro que serão priorizados fatos que possam indicar omissão e obstrução dos órgãos públicos responsáveis pela segurança e proteção dos prédios dos três Poderes.

— Acho que está havendo uma confusão entre omissão e obstrução, porque, sim, a comissão tem que investigar a invasão e a depredação do 8 de janeiro. Não há problema nenhum em analisar os antecedentes que levaram a essa invasão e depredação. Existe a possível omissão das autoridades em prevenir a ocorrência das invasões e depredação, mas existe a obstrução das investigações e a obstrução da prestação de informações ao Congresso Nacional e às autoridades, seja pelos relatórios enviados pela Abin à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), seja pela sonegação dos vídeos do Planalto e as várias histórias inconsistentes que foram apresentadas — disse Moro.

Eliziane esclareceu esse ponto. Ela citou trechos do documento que reforçam como linha de investigação "o apagão" das forças de segurança do DF e também da União.

— Agora, na página cinco, a gente fala claramente: a gente fala de autoria intelectual, fala de financiador e fala de agentes públicos. A gente faz a citação clara, por exemplo, do G. Dias [Gonçalves Dias], a gente faz o pedido claro do compartilhamento de dados dos relatórios do GSI — rebateu a relatora.

Presos

O senador Marcos do Val (Podemos-ES) voltou a pedir a saída de Eliziane Gama da relatoria por sua relação política e de amizade com o ministro Flávio Dino. Ele foi contestado pela deputada Jandira Feghali, para quem essa linha de raciocínio afastaria os demais membros da CPMI, pois todos os parlamentares têm relações político-partidárias. Eliziane também teve apoio da senadora Soraya Thronicke (União-MS).

O deputado Felipe Barros (PL-PR) disse não concordar com a linha de investigação que inclui a ação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e de seu então diretor, Silvinei Vasques, no dia do segundo turno das eleições. Para ele e para Delegado Ramagem, essa atuação não tem relação com o objeto da CPMI. Eles ainda pediram que o plano contemplasse as investigações sobre eventuais abusos cometidos durante as prisões de participantes dos ataques do dia 8 de Janeiro e após esta data.

— Nós temos que investigar as violações aos direitos humanos de inúmeras pessoas que foram presas, porque, de fato, usando mais uma vez as palavras da Jandira, o dia 8 foi um processo, e nós temos que investigar o que aconteceu depois do dia 8 — disse Felipe Barros.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)