Modelo brasileiro de Previdência pública é defendido em debate na CDH

Aline Guedes | 19/08/2024, 13h01

A proteção do atual modelo brasileiro de Previdência Social foi defendida por debatedores ouvidos pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) nesta segunda-feira (19). Autor do requerimento para a audiência pública, o presidente do colegiado, senador Paulo Paim (PT-RS), demonstrou preocupação com propostas de uma possível nova reforma previdenciária.

Intitulado “A Previdência pública é viável”, o debate teve a participação de representantes de órgãos como o Ministério da Previdência Social, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal e a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas.

Para Paim, ideias de privatização ou capitalização do sistema previdenciário ventiladas por especialistas são inaceitáveis, pois só servem aos interesses do setor financeiro, dos bancos e das empresas de previdência privada. O senador mencionou o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência, aprovado por unanimidade no Senado em 2017, segundo o qual o sistema previdenciário é viável e rentável. De acordo com Paim, a CPI da Previdência identificou que os problemas enfrentados pelo sistema são, na verdade, questões de gestão, arrecadação, fiscalização, sonegação, corrupção e desonerações.

— O relatório da CPI identificou uma dívida de R$ 450 bilhões de empresas privadas à Previdência. E para piorar essa situação, conforme a Procuradoria da Fazenda Nacional, somente R$ 175 bilhões correspondem a débitos recuperáveis. Os grandes devedores devem ser obrigados a quitar suas dívidas, e os recursos da Previdência precisam ser destinados exclusivamente ao pagamento de benefícios para aqueles que contribuíram ao longo de toda a vida, ou seja, o povo trabalhador brasileiro, os aposentados e pensionistas — disse o senador.

Paim defendeu que o dinheiro da Previdência deve ficar na Previdência, não podendo ser desviado para outros fins. Ele também considerou imprescindível assegurar e proteger o atual modelo brasileiro de Previdência Social, “que atua como um verdadeiro seguro para o trabalhador, garantindo os meios indispensáveis para a manutenção dele e de seus familiares em situações de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, prisão ou morte”.

— Qualquer governo, antes de apresentar propostas de reforma, deve compreender que, por trás dos números e gráficos, existem vidas, corações que batem, almas que choram, mãos calejadas pelo suor de anos de trabalho e sonhos que não podem ser apagados — declarou o senador.

Agitação no mercado

O secretário do Regime Geral de Previdência Social do Ministério da Previdência Social, Adroaldo da Cunha Portal, reforçou que há uma “agitação no mercado” por uma nova reforma previdenciária no Brasil. Especialistas têm levantado a necessidade de uma reformulação do sistema, citando os gastos com benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como aposentadorias, pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), além do aumento do salário-mínimo. 

Portal declarou, no entanto, que o Poder Executivo não tem sido chamado para apontar números ou discutir a questão.

Segundo o debatedor, o mercado tem defendido, por exemplo, o aumento da  idade mínima de aposentadoria para 70 anos. Ao observar que o regime previdenciário no país é solidário e subsidiado, onde a contribuição do trabalhador ajuda a pagar quem já se aposentou, Portal pontuou que os brasileiros devem se orgulhar do sistema. Ele ressaltou, no entanto, que a Previdência deve ser defendida com realismo, e sempre rediscutida, para garantir novas fontes de financiamento e manutenção.

— Previdência não é gasto, mas investimento. Reconhecemos que ficar depauperando a Previdência nos leva a buscar formas de sustentá-la, o que é uma responsabilidade não apenas do governo, mas do Congresso Nacional também.

Rigor nas apurações

A necessidade da contratação de mais servidores públicos para combater fraudes previdenciárias no país foi defendida pelo vice-presidente de Assuntos da Seguridade Social da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Wanderson Dias Ferreira. Para ele, é preciso uma gestão mais agressiva na apuração de eventuais desvios na concessão de benefícios sociais e a contratação de novos servidores para o órgão, com essa finalidade, se mostra fundamental. Ao destacar que a Receita Federal tem tido um decréscimo substancial no número de funcionários, o debatedor disse ser urgente a atuação no combate à sonegação tributária, especialmente a que é voltada para a contribuição previdenciária nacional.

— É necessária a recomposição desses quadros para a gente conseguir otimizar as receitas e as despesas e promover o equilíbrio. A Anfip está sempre em defesa da Previdência Social porque a gente precisa construir uma Previdência mais forte, mais justa e mais solidária.

A necessidade de um debate fiscal e a busca por instrumentos para combater fraudes e fortalecer o sistema previdenciário do país foi defendida também pelo secretário nacional de Pessoas Aposentadas, Pensionistas e Idosas da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Ari Aloraldo do Nascimento. Na opinião do convidado, a Previdência Social envolve inúmeros aspectos que precisam ser discutidos e aprofundados no âmbito do Congresso Nacional, com vistas “à saúde financeira do sistema”.

— Tanto no Senado quanto na Câmara, há muitos pontos que precisam ser aprofundados, para a construção de uma política de enfrentamento do desvirtuamento dos recursos da Previdência. Do nosso ponto de vista, o Parlamento tem legislado sem olhar para a questão técnica, já que muitas políticas elaboradas aqui têm impacto sobre a arrecadação, e não adianta depois dizer que a Previdência está deficitária. O próprio ato legislativo tem fragilizado cada vez mais as fontes financiadoras; então, discutir o tema e construir entendimentos é algo fundamental para a saúde financeira da Previdência Social no nosso país.

Apreensão

Representando a Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Cobap), Silberto Silva disse que a entidade está apreensiva com a possibilidade de uma nova reforma da Previdência. Para ele, a eventual extinção do 13º salário para aposentados é um dos pontos mais preocupantes nessa discussão:

— Vamos lutar por nossos direitos e temos a certeza de que vamos conseguir equilibrar essa situação. A gente agradece o convite e parabeniza o Senado por essa audiência pública, onde temos o senador Paulo Paim como um defensor dos aposentados e da classe mais humilde da nossa nação.

Greve de servidores

Diretor do Sindicato dos Trabalhadores do Seguro Social e Previdência Social no Estado de São Paulo, Leonardo Gomes Fonseca ressaltou a greve da categoria deflagrada desde o dia 10, por meio da qual os servidores reivindicam uma mesa de negociação junto ao Ministério da Gestão. O intuito dos servidores é garantir reajuste salarial de 33% até 2026, melhores condições de trabalho e valorização dos técnicos do seguro social com a exigência de curso superior para ingresso na carreira.

O movimento grevista impacta a concessão de benefícios como aposentadorias, pensões e BPC, além das revisões e dos atendimentos presenciais. Segundo Leonardo, ainda não houve abertura da mesa de negociação pelo governo.

— A Previdência pública só conseguirá prosperar se houver equilíbrio na parte da arrecadação, da gestão e da valorização dos servidores — defendeu o debatedor.

O secretário Adroaldo Portal disse que tem participado de debates internos quanto à greve no âmbito do governo e ressaltou que a carreira do INSS é uma das mais meritórias dentro do serviço público federal. Ele elogiou a excelência dos integrantes do quadro, mas negou que não haja mesas de negociação. E alertou para o fato de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já tem discutido com todas as categorias do setor ao longo dos últimos meses e ponderou que uma greve como a instaurada pelo INSS não pode deixar nenhum cidadão refém.

— A gente precisa encontrar um meio de negociar sem prejudicar a população. A greve é legítima, mas é preciso lembrar que ao final dos quatro anos do governo do presidente Lula, teremos concedido mais de 28% de reajuste salarial, e isso recompõe a inflação. Haverá, com isso, uma recomposição de uma conta de governos anteriores. Recompõe perdas da última década? É claro que não. Mas é justo cobrar desse governo em 18 meses os retrocessos dos últimos sete anos? É justo exigir desse governo que, além do reajuste salarial, se garantam todas as pautas de todas as carreiras agora, numa tacada só? — questionou o representante do Ministério da Previdência Social.

Paulo Paim ressaltou que não há como o governo ignorar um movimento grevista da importância desse que está acontecendo no país. O parlamentar lembrou, no entanto, que a conversa deve sempre ter lugar, ao invés da violência. Ele disse que vai contribuir com a continuidade das negociações.

— Que a gente consiga abrir espaço para o diálogo, porque eu já acompanhei muito movimento de greve [ao longo da vida] onde defendi o argumento ao invés de simplesmente se “sair batendo” — finalizou o parlamentar.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)