Debatedores divergem sobre autonomia financeira e orçamentária do BC

Da Agência Senado | 18/06/2024, 15h50 - ATUALIZADO EM 18/06/2024, 19h09

A transformação do Banco Central (BC) em uma empresa pública dividiu a opinião de parlamentares e especialistas que participaram nesta terça-feira (18) de audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O debate foi sugerido pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) 65/2023. O texto do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) concede autonomia financeira e orçamentária à autoridade monetária.

A Lei Complementar 179, de 2021, já assegura autonomia operacional ao BC. A norma fixa, por exemplo, mandatos de quatro anos para o presidente e os diretores da instituição. A PEC 65/2023 vai além. Pela proposta, o BC — hoje, uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda — passaria a ser uma empresa pública “com autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira”.

‘Perenidade’

O ex-presidente do BC Henrique Meirelles defendeu a proposição. Para ele, o modelo de empresa pública “permite flexibilidade e capacidade de mobilização de recursos”.

— A autonomia financeira e orçamentária é necessária por um simples motivo: o Brasil não pode ficar dependente do compromisso informal de cada presidente eleito com a autonomia do BC. É fundamental ter a garantia de perenidade dessa autonomia. Sem previsibilidade, os riscos se ampliam e fica mais difícil controlar a inflação — afirmou Meirelles.

O economista Marcos Lisboa, ex-presidente do Insper, também defendeu a aprovação da PEC 65/2023. Para ele, o texto evita “o constrangimento dos recursos”.

— Já era para a gente ter o PIX automático, que está atrasado há dois anos. A arquitetura tecnológica do BC fica prejudicada com a falta de autonomia de recursos. Isso fragiliza o sistema e coloca em risco os meios de pagamento que cuidam da vida das pessoas. A fragilização que o BC tem sofrido, já há alguns anos, dificulta avançar nessa agenda —ressaltou Lisboa.

O ex-presidente do BC Gustavo Loyola reforçou o argumento.

— Se não há autonomia financeira e orçamentária, a política monetária evidentemente pode ser constrangida. Pode sofrer um garrote, um fechamento pela falta de oxigênio orçamentário e financeiro. É uma proteção adicional importante para a autonomia [do BC]. Na grande maioria dos países de economias importantes, os bancos centrais têm essa autonomia — disse Loyola.

‘Falácias e omissões’

O economista Paulo Nogueira Batista Junior criticou a proposta. Ele disse que os argumentos favoráveis à autonomia “têm muitas falácias e omissões”.

— Autonomia em relação a quem? Apenas em relação ao poder político eleito. Não há autonomia em relação aos interesses financeiros. Existe no Brasil a captura do BC por interesses privados: os financistas que vão para o comando do BC em geral saem do sistema financeiro e a ele retornam. Se o integrante da diretoria do BC diverge muito dos interesses privados, corre o risco de, na sequência, não ter uma carreira confortável — avaliou Nogueira Batista.

O economista André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real, reconheceu que o BC precisa ter recursos “para manter um quadro bem remunerado e competente”. Mas afirmou que a PEC 65/2023 toca “em assuntos difíceis, questionáveis e potencialmente problemáticos”.

— Não é um avanço institucional, é um profundo regresso. É uma volta à ideia de que as atribuições do BC devem ser executadas por um banco público-privado, como o Banco do Brasil. Um regresso de mais de 70 anos. A retirada do BC da Lei das Diretrizes Orçamentárias é um exemplo perfeito das distorções e da falta de transparência e de rigidez orçamentária que levaram ao colapso do Brasil pré-Real — justificou Lara Resende.

Para o diretor jurídico da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Edison Vitor Cardoni, a proposta expõe uma “disputa encarniçada por fatias do orçamento” [federal].

— Ao transformar o BC em uma empresa de direito privado, a PEC 65/2023 pega uma autarquia que superou situações de estresse muito grande e lança no meio da crise para disputar o orçamento. Isso provoca uma insegurança jurídica extraordinária, uma complexidade jurídica, contábil, financeira e monetária — criticou Cardoni.

Repercussão

A PEC 65/2023 também dividiu a opinião dos parlamentares. O senador Vanderlan, autor da proposição, defendeu a sua aprovação.

— A autonomia orçamentária e financeira vem para que o BC não fique nessa dependência do Orçamento atrelado à União. Quando se tem contingenciamento [bloqueio de recursos], isso pega também o BC. Em tempos passados, o BC ficou sem pagar conta de energia por dez meses por falta de recursos — argumentou Vanderlan.

Para o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), não seria necessário fazer “uma alteração tão substancial” na Constituição para assegurar o financiamento da instituição.

— Se a grande questão é a garantia de financiamento adequado, não consigo identificar qual a razão para que se faça uma alteração tão substancial. Gera-se toda uma massa de potenciais problemas para resolver uma questão que deve ser resolvida com a prioridade de alocação orçamentária. A definição da estratégia político-econômica de uma Nação deve ser feita pelos seus representantes eleitos e não por instituições tecnocráticas — afirmou Alessandro.

O senador Sergio Moro (União-PR) disse que a autonomia protege a autoridade monetária do “populismo dos governantes da América Latina”. Nesta terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, “não demonstra nenhuma capacidade de autonomia”, “tem lado político” e “trabalha muito mais para prejudicar do que para ajudar o país”.

— Vimos um ataque pessoal do presidente da República contra o presidente do BC, às vésperas de uma reunião do Copom (Comitê de Política Monetária). Se não fosse a garantia da independência do BC muito bem aprovada por essa Casa, certamente o presidente do BC já teria sido demitido há muito tempo, o que colocaria o Brasil em um cenário de absoluta instabilidade — disse Moro.

O líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), rebateu. Ele lembrou que, na semana passada, Roberto Campos Neto participou de um jantar oferecido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, apontado como possível candidato da oposição à Presidência da República em 2026.

— O presidente Lula fez críticas a algo que não é pertinente à liturgia do cargo de presidente do BC. Não me consta que o presidente do BC dos Estados Unidos saia em favor de quem quer que seja participando de ato político. Não é próprio. Se a autonomia é para isso, ela está sendo mal utilizada — retrucou Wagner.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)