Especialistas apontam caminhos para recuperação do sistema carcerário
Augusto Castro | 08/05/2024, 18h40
Especialistas ouvidos nesta terça-feira (8) pela Comissão de Segurança Pública (CSP) afirmaram que o sistema prisional brasileiro tem graves falhas, e práticas e estruturas inconstitucionais, pois não garante a dignidade nem a ressocialização das pessoas presas. Eles apontaram soluções e cobraram do Poder Legislativo apoio e medidas concretas para superar a crise do sistema carcerário. A reunião foi conduzida pela senadora Leila Barros (PDT-DF), autora do requerimento para realização da audiência pública para debater o Programa Pena Justa e o Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária 2024-2027.
Leila Barros explicou que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) do Ministério da Justiça e Segurança Pública é responsável pela elaboração quadrienal do Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária, estabelecendo as diretrizes e as medidas de controle de execução que devem ser adotadas nacionalmente pelo setor e também pelos estados e pelo Distrito Federal. O plano do quadriênio 2024-2027 ainda está em elaboração.
A senadora recordou que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu “estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro” e cobrou medidas do poder público para o enfrentamento da situação. Em sua decisão, o STF diz que o sistema carcerário é responsável pela violação massiva de direitos fundamentais dos presos e que é dever do país como um todo buscar soluções para a superação dessas falhas. Com isso, explicou Leila, União, estados e DF estão trabalhando junto com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para propor soluções para temas como a superlotação e a má qualidade das prisões.
Leila afirmou também que o Brasil tem atualmente a terceira maior população carcerária do mundo e que o país tem que discutir também a nova Lei 14.843, de 2024, que reintroduziu o exame criminológico para progressão de regime penal, restringiu as chamadas saídas temporárias de presos e ampliou o uso do monitoramento eletrônico.
— Diante deste contexto, a discussão sobre o sistema penitenciário se faz necessária para esclarecer os pontos críticos desta pauta, a fim de que o Estado brasileiro possa responder a estes desafios com real capacidade de investimento para atender as demandas; cumprir o objetivo do desenvolvimento sustentável sobre Paz, Justiça e Instituições Eficazes da Agenda 2030 das Nações Unidas — afirmou Leila.
O Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça, tem o objetivo de estabelecer diretrizes e medidas de controle sobre a política penitenciária nos estados e no Distrito Federal. O Programa Pena Justa é conduzido pelo CNJ em resposta à decisão do STF que reconheceu como inconstitucional a situação do sistema prisional brasileiro. O Ministério da Justiça e o CNJ criaram recentemente o Comitê de Enfrentamento ao Estado de Coisas Inconstitucional do Sistema Prisional.
De acordo com a Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça, o Brasil tem atualmente 852 mil pessoas em cumprimento de pena. Desses, 650 mil estão cumprindo pena em celas físicas; 129 mil estudam para diminuir a pena e 166 mil têm atividades laborais.
Reintegração social
O diretor de Litigância e Incidência da organização Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio, afirmou que o sistema penitenciário precisa de medidas emergenciais para superar seus problemas crônicos, pois não tem conseguido resultados efetivos na ressocialização e reintegração das pessoas presas.
— O sistema é incapaz de garantir as condições mínimas de educação, de saúde, de acesso ao trabalho, por mais que haja esforços dos agentes públicos. O sistema tem se mostrado incapaz de dar respostas.
Membro da coalizão Rede Justiça Criminal, Gabriel Sampaio pediu aos senadores e aos deputados federais que mantenham o veto presidencial parcial à lei que restringiu as saídas temporárias de presos. Para ele, o Congresso errou ao proibir que presos saiam da cadeia temporariamente em datas como o Dia das Mães, pois isso vai acabar dificultando ainda mais a ressocialização e reinserção familiar dos criminosos.
— Se nós queremos realizar todo o potencial de nação que nós temos, nós precisamos valorizar os direitos humanos e as garantias fundamentais, que são o alicerce para que este país realize suas potencialidades. Um país que trate o sistema penitenciário e seus problemas da forma como nós estamos tratando, sem solução de urgência para seus principais problemas, está condenado a agravar uma situação social de desigualdades estruturais e de um estado incapaz de prover o bem-estar de sua população.
Ele criticou a lei por obrigar a realização de exame criminológico como forma de comprovar boa conduta do preso para a progressão de regime. Sampaio disse que esse tipo de exame não tem eficácia comprovada cientificamente e que o sistema tem outras prioridades, como falta de servidores e ambiente precário.
— O exame criminológico só traz um problema operacional e um problema para a garantia de direitos.
O coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ, Luís Geraldo Sant'Ana Lanfredi, lembrou que as pessoas que estão presas no Brasil estão sob a responsabilidade e a custódia do Estado brasileiro. Entretanto, ele pontuou que o sistema penitenciário não tem sido capaz de atender à legislação e aos anseios da sociedade de um sistema digno e eficaz.
Lanfredi explicou que a decisão do STF expôs uma “situação de desestruturação grave” do sistema prisional brasileiro, que já não consegue atender às suas próprias finalidades. Em sua avaliação, o sistema carcerário precisa ser refundado como um todo, aproveitando as boas iniciativas e os bons profissionais que existem.
— O sistema prisional que está aí mata; o sistema prisional que está aí “cancela” pessoas para o resto da vida.
Saídas temporárias
O secretário nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, André de Albuquerque Garcia, também criticou a lei que restringe as saídas temporárias de presos por entender que decisões sem respaldo na ciência e na realidade social podem acabar piorando a situação. Ele disse que o sistema prisional tem o dever de reinserir os presos na sociedade e que as saídas temporárias ajudam nesta reintegração.
— No caso das saídas temporárias, por exemplo, em média 97% dos internos retornam às unidades prisionais e sem nenhum tipo de ocorrência. Nós estamos prejudicando 97% da população prisional.
André Garcia também registrou que cada estado e o DF terão que definir seus próprios planos de política penitenciária e avisou que um trabalho dessa magnitude não pode ser feito sem dinheiro, sem os recursos públicos necessários. Ele disse que em 2016 o Fundo Penitenciário Nacional teve orçamento de R$ 1,9 bilhão, montante que caiu para R$ 360 milhões atualmente.
— Política pública não se faz sem recursos.
Crime organizado
O presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Douglas de Melo Martins, afirmou que a segurança pública é atualmente uma das maiores preocupações da população brasileira, que enfrenta diariamente o aumento da violência.
Em sua opinião, o poder público precisa centrar esforços no enfrentamento do crime organizado e suas facções, que têm grande poder econômico e estrutura para confrontar o Estado brasileiro.
Também crítico à restrição às saídas temporárias, Douglas Martins sugeriu aos parlamentares o debate do projeto de lei que aumenta as penas de presos que cometem crimes durante saída temporária, liberdade condicional, prisão domiciliar ou em situação de evadido (PL 476/2023). Para ele, proibir totalmente a saída temporária pode inclusive aumentar a violência e a insegurança pública. Ele pediu a manutenção do veto parcial presidencial à Lei 14.843 e também criticou a obrigação do exame criminológico.
— Quem mais vai se prejudicar com o fim das saídas temporárias são pessoas que cometeram crimes e delitos mais leves.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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