Debatedores apontam dificuldades no combate ao racismo estrutural
Da Agência Senado | 08/11/2021, 18h36
Citando o ex-senador Abdias do Nascimento (1914-2011), para quem o racismo no Brasil se caracteriza pela covardia e por ser pouco velado, o senador Paulo Paim (PT-RS) presidiu nesta segunda-feira (8) audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH) na qual especialistas condenaram a persistência do racismo estrutural no país, que não poderá ser enfrentado unicamente com os avanços legislativos existentes. A audiência, realizada remotamente, atende a requerimento do próprio Paim (REQ 3/2021-CDH).
Ao observar que o racismo afeta a toda a sociedade brasileira, Iraneide Soares da Silva, professora e coordenadora do Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (Conneabs), sublinhou que as conquistas legais no enfrentamento ao problema não são suficientes na falta de atitudes práticas antirracistas no cotidiano.
— A ação afirmativa não é só uma política, mas uma ação individual que reverbera em todo um coletivo — declarou.
Humberto Adami, representando a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), cobrou uma legislação mais forte em apoio aos negros. Ele considera inevitável a judicialização das questões raciais diante de uma representação parlamentar “rarefeita”: como exemplo, ele destacou o avanço do Supremo Tribunal Federal (STF) em decisão que equiparou a injúria racial ao racismo.
— Mesmo o Estatuto da Igualdade Racial, muita gente acha que foi pouco, mas foi o que foi possível aprovar com a conformação de forças que havia na época. Se foi ruim, agora vejo com uma dificuldade ainda maior — lamentou.
Adami disse que as políticas de reparação da escravidão são o caminho do futuro, ampliando as cotas raciais vigentes — que hoje são aplicada em doses que a “escravocracia” entende como reparadoras, segundo ele.
Renato Ferreira, mestre em políticas públicas e especialista em gestão pública e corporativa da diversidade, opinou que as relações de raça são essencialmente relações de poder, e que geram um déficit de poder para as pessoas negras. Ele defendeu a promoção da igualdade racial como política de Estado, alertando que o Brasil não pode passar mais um século com prática raciais contrárias à democracia.
— Houve tempo para dar aos cidadãos não mais escravizados uma cidadania digna. O Brasil não o fez porque adotou a política de democracia racial como ação omissiva, deixando os negros à própria sorte.
Secretária adjunta de Segurança Cidadã de Diadema (SP), a advogada Tamires Sampaio disse que a manutenção da ordem como objetivo de segurança pública resulta na reprodução de práticas racistas estruturais, e.associou a criminalização das drogas à promoção de uma guerra contra a população negra e periférica.
— É combatendo as desigualdades sociais, é garantindo acesso a direitos e a cidadania plena, é que de fato conseguimos construir uma sociedade segura para todos — resumiu.
Também Renato Ferreira observou que, na inexistência de igualdade para os negros no Brasil, que somente as denúncias do movimento negro teriam poupado essa população do extermínio.
O sistema de cotas raciais, que deverá ser reexaminado pelo Legislativo em 2022, foi elogiado pelos debatedores, que citaram o aumento expressivo da proporção de negros nas universidades; no entanto, cobraram avanços. Entre as manifestações dos especialistas, Iraneide considera que o currículo do sistema educacional segue baseado na “teoria do colonizador”, e Tamires Sampaio pediu medidas para garantir a permanência dos estudantes e sua inclusão no mercado de trabalho.
Paulo Paim disse esperar que, no Mês da Consciência Negra, o debate de hoje influencie o Congresso a avançar com projetos de enfrentamento ao racismo estrutural. Entre as proposições que mencionou, estão a que transforma o dia 20 de novembro em feriado nacional dedicado a Zumbi dos Palmares; a proibição de discriminação racial em abordagens policiai; a que estende a entidades privadas a incumbência de promoção de cotas raciais; e o reconhecimento do sítio arqueológico do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, como patrimônio histórico da cultura afro-brasileira.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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