Programas de renda serão desafio para o Orçamento federal em 2021

Guilherme Oliveira | 01/09/2020, 19h29

O projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021 (PLN 28/2020) chegou ao Congresso Nacional nesta segunda-feira (31) sem a sua maior promessa: um novo programa de distribuição de renda. As lideranças do governo garantem que a ideia será integrada ao Orçamento durante as discussões do PLOA. Entre os detalhes ainda incertos estão os meios de financiamento do programa e o seu formato.

O novo programa — que circula com o nome de Renda Brasil — ganhou espaço com o sucesso do auxílio emergencial (Lei 13.982, de 2020), política pública criada pelo Congresso e que foi a principal ação contra a pandemia de covid-19. Nesta terça-feira (1º) o governo anunciou a prorrogação da concessão do auxílio (com um valor menor) até o fim do ano.

Para o senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento de 2021, a tarefa mais importante será fazer a transição para um programa permanente que atenda os beneficiários do auxílio. Os impactos econômicos da pandemia, segundo ele, continuarão exigindo essa preocupação.

— Os desempregados não vão desaparecer em janeiro. É claro que o Estado tem que continuar abraçando essas pessoas, e vai — afirmou.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), mostra confiança quanto à recuperação econômica do país, e garante que isso vai se traduzir em uma solução permanente. Essa solução, de acordo com ele, se apoiará nas duas referências atuais em transferência de renda no país.

— [O Renda Brasil] virá após o auxílio emergencial e substituirá o Bolsa-Família. Vamos apresentar o maior programa de solidariedade social da história do Brasil.

No entanto, os parâmetros desejados para um novo programa de renda para a população mais pobre ainda não estão claros. O auxílio emergencial e o Bolsa-Família diferem nas categorias de beneficiários (respectivamente, indivíduos e unidades familiares) e na operacionalização. O governo ainda não adiantou qual modelo poderá ser a principal inspiração.

O financiamento do programa também é uma incógnita. Sem estar incluso no PLOA, não há uma dotação orçamentária reservada para ele. A criação de qualquer nova despesa precisará ser compensada por uma redução equivalente em outra área do Orçamento.

Ao mesmo tempo, o Bolsa-Família terá em 2021 o seu maior aporte dos últimos anos — R$ 34,9 bilhões — devido à expectativa de mais adesões ao programa com os impactos da pandemia sobre a renda das famílias.

O senador Chico Rodrigues (DEM-RR), um dos vice-líderes do governo, afirma que a resposta está na retomada da agenda de reformas estruturais (como a tributária e a administrativa e a do pacto federativo) das privatizações e da redução de subsídios.

— O governo está procurando trabalhar para que o Orçamento seja enxuto e robusto, e que programas na área social e investimentos sejam realizados.

Projetos do Senado

Dois projetos apresentados por senadores podem alimentar as discussões de um reforço à transferência de renda como política pública. Ambos defendem, ainda, perspectivas alternativas para o financiamento dessa inciativa.

O PLP 213/2020, da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), prioriza a primeira infância, concentrando o benefício nas famílias de baixa renda com filhos até seis anos de idade. O desenho do programa prevê valores de até R$ 800 e transições a serem aplicadas quando as famílias beneficiadas ultrapassarem a faixa de renda, de modo que a perda do auxílio não seja abrupta.

As fontes dos recursos para esse programa seriam a tributação de fortunas superiores a R$ 20 milhões e da distribuição de lucros e dividendos entre sócios e acionistas de empresas e o aumento de impostos sobre heranças. Todas essas medidas impactam a parcela mais rica da população.

Já uma segunda proposta, o PL 4.106/2020, amplia a cobertura e os valores do Bolsa-Família. O benefício individual, atualmente em R$ 41, subiria para R$ 300. As barreiras para ingresso no programa seriam reduzidas, com a elevação da linha de corte por renda familiar para entrada. O Bolsa-Família ganharia, ainda, um conselho para avaliar políticas de enfrentamento à pobreza. O texto tem como autor o senador Rogério Carvalho (PT-SE).

O projeto não dá detalhes sobre a forma de financiamento das suas medidas, mas também sinaliza na direção de uma tributação especial sobre os mais ricos, além de sugerir a revisão de desonerações fiscais e o combate à sonegação.

Aprendizado

A experiência do país com a administração do auxílio emergencial pode trazer lições importantes para a elaboração de uma política aprimorada de transferência de renda. Essa é a avaliação do consultor legislativo do Senado Pedro Fernando Nery, especializado em finanças públicas.

Para ele, ao alcançar cidadãos que não têm emprego formal e estão abaixo da linha da pobreza, o programa trouxe para o primeiro plano informações sobre as dimensões e necessidades da população removida da economia formal.

— Programas voltados para o emprego formal, como aumentos do salário mínimo, vão ser limitados para alcançar essa população. O auxílio evidencia também a desigualdade regional de acesso ao mercado de trabalho. Um emprego com carteira é muito mais frequente no Centro-Sul do que no Norte e no Nordeste.

Ao prever o benefício dobrado para mães solteiras, o auxílio emergencial sustentou uma característica do Bolsa-Família, que é a atenção à infância como foco da transferência de renda. Nery, que trabalhou na elaboração do PLP 213, defende que essa característica de ambos os programas seja perpetuada.

— É importante que este foco continue, já que a pobreza no Brasil está muito concentrada em crianças e combatê-la é essencial para quebrar o ciclo estrutural de perpetuação da pobreza.

O consultor avalia também que a ausência do Renda Brasil no PLOA de 2021 é um mau sinal e pode trazer a necessidade de medidas intermediárias enquanto o desenho definitivo do programa não fica pronto.

— O governo pode trabalhar com créditos adicionais para contornar o fato de o Renda Brasil não estar proposto no Orçamento, mas esse atraso causa preocupação, porque há o risco de um intervalo de meses em que o auxílio emergencial já vai ter terminado e o Renda Brasil ainda não estaria de pé.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)