Comissão para migrações e refugiados recebe sugestões de especialistas

Da Redação | 05/03/2020, 13h42

Parlamentares e especialistas em migrações defenderam nesta quinta-feira (5) o fortalecimento da estrutura mantida pelo governo brasileiro para o acolhimento de estrangeiros que entram no país como refugiados. Eles participaram da primeira reunião da Comissão Mista Permanente Sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR), que tem a missão de acompanhar, monitorar e fiscalizar os direitos dos refugiados e os movimentos migratórios nas fronteiras do Brasil.

O Brasil registrou a entrada de quase 775 mil imigrantes entre 2010 e 2018, segundo o Observatório das Migrações Internacionais do Ministério da Justiça. De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), só da Venezuela o país recebeu mais de 550 mil pessoas — entre refugiados, solicitantes de refúgio e residentes temporários. População que precisa de proteção, segundo o representante da Acnur, Pablo Mattos.

— Refugiados não são uma mera espécie de migrantes. São pessoas que foram forçadas a deixar seus países de origem e não podem voltar. São pessoas arrancadas de seus países de origem, vítimas de injustiças, que pouco ou nada poderiam fazer para evitar. Caso permaneçam no país de origem, vão sofrer perseguições e colocar em risco sua integridade física. Surge daí a necessidade da proteção internacional — argumenta.

O advogado Felipe Gomes Vasconcellos representou o Instituto Migrações e Direitos Humanos, organização filantrópica voltada ao atendimento jurídico e à integração social de migrantes. Ele destaca que os municípios brasileiros estão despreparados para lidar com o “aumento considerável no fluxo de migrantes internacionais”. Vasconcellos destacou que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), poucas cidades contam com algum tipo de gestão migratória.

— Dos 5.570 municípios brasileiros, só 215 oferecem algum tipo de serviço como mecanismos de cooperação, relação entre prefeituras e coletivos de migrantes, oferta de cursos de português, atendimento multilíngue, abrigos e centros de referência e apoio. Essa população está presente em 69% dos municípios, mas apenas 4,1% possuem equipamentos públicos minimamente preparados para acolher e apoiar sua integração — disse.

Para Letícia Carvalho, representante da instituição filantrópica Missão Paz, outro desafio é desenvolver ferramentas para a integração dos migrantes ao mercado de trabalho. Ela destaca que o desemprego atinge tanto a mão de obra não qualificada quanto os profissionais com formação superior.

— Temos visto cada mais a precarização do trabalho e o grande drama dos trabalhadores ambulantes. Muitos migrantes trabalham com artesanato e venda desses produtos, e enfrentam a dificuldade de muitas vezes terem seus pertences retirados. Os fiscais têm atitudes bastantes xenófobas: devolvem os produtos confiscados para os brasileiros, mas não devolvem para os migrantes. Mesmo quem tem formação técnica ou superior não consegue obter autorização de residência, por não conseguir validar o diploma. É um gargalo: 31,9% dos venezuelanos que entram no Brasil têm ensino superior completo, mas não conseguem atuar na área de formação — destaca.

Reunião familiar

Quem também participou da primeira reunião da CMMIR foi o defensor público da União Gustavo Zortéa. Para ele, outra dificuldade para os migrantes é a obtenção de visto para reunião familiar. Segundo Zortéa, o refugiado muitas vezes não consegue trazer os parentes para o Brasil por falta de transparência do poder público.

— Estamos diante de um quadro em que há grande discricionariedade para a concessão de visto para reunião familiar. Um ponto importante nesse contexto é garantir que o Ministério das Relações Exteriores se submeta à lei do processo administrativo federal. Há vários relatos de que não há transparência sobre quais documentos a pessoa precisa apresentar no posto consular. Há vários relatos de pessoas que tiveram o visto negado, mas não sabem por quê — destaca.

Na avaliação da senadora Zenaide Maia (Pros-RN), a dificuldade para a liberação dos vistos reforça o que ela classifica como “cultura da fraude”.

— Quem autoriza ou não a reunião familiar já olha para aquela pessoa que solicita o visto como se fosse um fraudador. Essa cultura de achar que todos são fraudadores está levando esse país a um caos total. Isso é desumano e desrespeitoso. Isso se chama indiferença com a vida das pessoas. Infelizmente, o Estado brasileiro está passando da crueldade com os mais carentes e vulneráveis para a indiferença, que é muito mais grave — afirma.

Para a representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Clarita Costa Maia, a CMMIR deve se debruçar sobre o impacto da migração sobre mulheres, crianças e minorias sexuais.

— Os relatórios internacionais são unânimes em apontar a alarmante incidência da violência intra e extrafamiliar contra a mulher, a criança e a pessoa com opção sexual não binária em campos de triagem e “gueto migratórios”. A falta de estatísticas específicas é o principal desafio desse problema social. O aperfeiçoamento de procedimentos e entrevistas de admissão é medida de urgência — disse.

A CMMIR é formada por 12 senadores e 12 deputados titulares. O colegiado tem como presidente e vice a deputada Bruna Furlan (PSDB-SP) e o senador Paulo Paim (PT-RS). A relatora é a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP).

Para Bruna Furlan, é preciso “construir pontes, em vez de muros”. A parlamentar lembra que o fluxo de refugiados advém de guerras, repressões patrocinadas por governos autoritários e extremismo.

— Nossa preocupação com o bem-estar dos cidadãos brasileiros é tão legítima quanto garantir aos estrangeiros vítimas de barbáries o pleno gozo de seus direitos fundamentais como ser humano. E mais do que isso: a possibilidade de retomar a esperança de uma nova vida. A CMMIR poderá estar presente nas unidades da Federação para tornar esse debate mais visível, didático e desintoxicá-lo de preconceitos.

Após esta primeira reunião com os representantes de entidades ligadas ao tema da migração e dos refugiados, o colegiado deve definir o plano de trabalho e cronograma das atividades. A data da próxima reunião ainda não foi definida.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)