Quilombolas e indígenas pedem renovação do Fundeb com mais recursos

Da Redação | 26/11/2019, 19h44

O entendimento de que o investimento público por aluno deve ser maior nas escolas dos povos tradicionais foi defendido em audiência pública promovida nesta terça-feira (26) pela Comissão de Educação (CE). O debate tratou dos impactos do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), em análise no Senado e na Câmara, na garantia do direito à educação escolar em territórios marcados por alta vulnerabilidade.

Com salário atrasado, a professora Maria José Sousa Silva, representante dos quilombolas de Mirandiba (PE), ensina em uma sala de aula improvisada, que não tem banheiro nem cozinha. Também falta transporte para as crianças, que, de acordo com ela, caminham dois quilômetros debaixo do sol quente para receber uma merenda de baixa qualidade.  

— Existe esse apartheid dentro das escolas. Se nós estamos em um município onde a maioria da população é negra, por que ainda não existe um olhar específico para resolver essa questão? — questionou a professora.

Aos 16 anos, Clarice Alves Rezende, representante do grupo de meninas indígenas da tribo pataxó hãhãhãeda Bahia, também disse sentir-se excluída. A menina é sobrinha do índio Galdino, que foi queimado vivo em um ponto de ônibus de Brasília, em 1997.

— Ter uma escola indígena dentro da minha comunidade foi o resultado de muita luta de todos os povos indígenas do Brasil. Quando eu me formar no ensino médio no ano que vem e receber o meu diploma, aquele pedaço de papel vai representar todos os dias em que o ônibus da escola quebrou, todas as vezes que ficamos meses sem professores, sem sala para estudar, sem merenda e até sem água para beber — relatou.

Para o antropólogo Gersem Baniwa, do Foro Nacional de Educação Escolar Indígena, que já foi professor bilíngue na sua aldeia, na Amazônia, e chegou a ocupar o cargo de secretário municipal de Educação, o Fundeb garantiu a abertura de mais escolas para os índios, mas a distribuição dos recursos seria influenciada por um “racismo geográfico”.

— O aluno no extremo norte da Amazônia dificilmente terá o seu direito assegurado. E não é só porque ele é índio, quilombola ou de comunidade tradicional. É simplesmente porque ele nasceu numa região de tremendas dificuldades. Existem alunos que têm de arrastar canoas horas e horas, passar por cachoeiras para poder chegar a uma escola — ressaltou.

O fundo

O Fundeb, que entrou em vigor em 2007 e perde a validade em 2020, é responsável por mais de 60% dos investimentos em educação básica pública no país. Os recursos do fundo são distribuídos periodicamente por meio de crédito na conta específica de cada governo estadual e prefeitura, para serem investidos em educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

Tramitam no Senado e na Câmara propostas de emenda à Constituição (PECs) para renovar e tornar permanente o fundo, entre elas a PEC 15/2019, relatada pela deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), e a PEC 65/2019, que tem como relator o senador Flávio Arns (Rede-PR), vice-presidente da CE, que requereu a audiência pública.

Identidade

O que está em jogo é a sobrevivência da própria identidade desses povos, que sofrem com a crescente ameaça aos seus territórios, conflitos fundiários, assassinatos e perseguição aos líderes e também o fechamento de escolas.

A representante da Comissão Nacional de Comunidades Quilombolas na audiência, Gilvânia Nascimento, defendeu a manutenção do Fundeb e denunciou o desmonte das políticas públicas voltadas para essas modalidades específicas de educação.

— Temos que pensar em arranjos específicos, considerando as regiões e as questões culturais. Não dá para o Brasil ser uma toalha que cobre uma cama. Nós somos muitos, muitos espaços, territorialidades. Na questão negra, nós fomos praticamente destituídos da estrutura do Estado nestes últimos dois anos — afirmou.   

Para os debatedores, o equilíbrio na distribuição do dinheiro do fundo passa pelo reconhecimento de que o custo por aluno nessas modalidades tem que ser maior, para a correção das desigualdades. A representante brasileira da Rede Gulmakai, do Fundo Malala, Denise Carreira, disse:

— É preciso fortalecer a transparência e o controle social da aplicação dos recursos por etapas, modalidades de ensino e escolas, na perspectiva da superação das desigualdades educacionais, do aprimoramento do gasto educacional, do fortalecimento da gestão democrática em educação e da implementação da LDB [Lei de Diretrizes e Bases da Educação] — recomendou.

A representante da Articulação Nacional de Mulheres Negras Brasileiras na audiência pública, Benilda Brito, acrescentou:

— Garantir o Fundeb é uma possibilidade de romper com o racismo. Garantir o Fundeb hoje significa também diminuir ou erradicar o genocídio do conhecimento, da cultura, do sonho, do projeto de vida. Porque para nós, povo negro, a única possibilidade de ascensão social é a escola — afirmou.

Recursos

O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, destacou a necessidade de o Fundeb também criar matrículas e de haver participação maior da União no repasse de recursos.  

— A União precisa contribuir mais. Cabe ao governo federal colaborar com estados e municípios técnica e financeiramente na educação — defendeu.    

O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, também apoiou o aumento de complementação da União dos atuais 10% para 40% do total das receitas dos fundos estaduais e municipais.

— O verdadeiro pacto federativo deve se dar pela maior e melhor distribuição das riquezas nacionais entre os entes federados e a população, com garantia de melhor atendimento da sociedade. E o Fundeb é um dos mecanismos que mais promovem a equidade e a qualidade na educação — avaliou.  

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)