Senadores defenderam a Carta dos Direitos Humanos durante a ditadura
Nelson Oliveira | 10/12/2018, 17h32
Um dos pronunciamentos mais marcantes sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos no Senado foi proferido por Nelson Carneiro (MDB-RJ) em 26 de setembro de 1979, portanto ainda na vigência da ditadura militar. O parlamentar (1910-1996) fez naquele momento um resgate do papel histórico do escritor Austregésilo de Athayde (1898-1993) na elaboração da Carta e denunciou a resistência da polícia a coibir a prática da tortura.
Carneiro, leu em Plenário uma carta endereçada ao então presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) pelo presidente dos Estados Unidos, o democrata Jimmy Carter por ocasião dos 30 anos da Carta, comemorados em 10 de dezembro do ano anterior. Rompo um inexplicável silêncio. “Caro Sr. Athayde, o concerto ao qual o senhor e seus companheiros se dedicaram há três décadas passadas está mais do que nunca vividamente gravado na consciência da humanidade, e esse documento nos convida a nos dedicar todos à sua contínua execução para o bem-estar da humanidade. Em nome do povo de meu país, aproveito esta oportunidade para aplaudir seu papel na elaboração de tão importante documento e saudar a liderança vital do Brasil nesse empreendimento”.
Carter, observou o senador, também elogiou Athayde “por sua constante luta em defesa dos direitos humanos no seu país e no mundo". Segundo o senador pelo Rio de Janeiro, o escritor foi responsável por várias palestras em que associou os direitos humanos a princípios como soberania nacional, liberdade de imprensa e cidadania. E publicou um livro sobre o tema.
Nelson Carneiro recordou ainda a menção que jurista e filósofo francês René Cassin (1887-1976), principal responsável intelectual pela Carta, fez a Athayde, ao receber, em 1966, o Prêmio Nobel da Paz: “Quero dividir a honra deste prêmio com o grande pensador brasileiro Austregésilo de Athayde, que ao meu lado, durante três meses, contribuiu para o êxito da obra que estávamos realizando por incumbência da Organização das Nações Unidas".
Para o senador, a lembrança desses episódios era de suma importância em razão do quadro de abusos ainda era vigente no Brasil: “Essa evocação é tanto mais oportuna quando, surpreendentemente, a imprensa noticia que a Comissão de Desembargadores Fluminenses encarregada de reformar o Código de Divisão e Organização Judiciária rejeitou sugestão dos juízes Wilson Marques, Onurb Bruno Costa, Paulo Sérgio Fabião, Joel de Andrade e Mauro Fichtner, no sentido de serem feitas correições de surpresa nas delegacias, a fim de impedir possíveis casos de violências e torturas policiais, de prisões ilegais e outras tantas irregularidades, a cada instante denunciados pela imprensa”.
Nelson Carneiro pronunciaria outro discurso sobre a DUDH em 1988, por ocasião do 40º aniversário da Carta. Também discursaram sobre o tema os senadores Cunha Mello (1958), Nogueira da Gama (1968), Pompeu de Souza (1988), Marco Maciel (1991), Benedita da Silva (1995 e 1998), Arthur Virgílio e José Nery (2008).
O discurso do senador Nogueira da Gama (1899-1976) tem uma peculiaridade que o torna emblemático: foi proferido em 1968, dois dias antes da edição do Ato Institucional nº 5 pelo regime militar, documento que precedeu o recrudescimento da ditadura. Tanto Gama quanto seus aparteantes, entre eles o senador Josaphat Marinho (1915-2002), ressaltam a defesa da liberdade dos povos como um ponto primordial da Carta. Infelizmente, na opinião de Gama, em vários aspectos a Carta de 1948 lhe parecia “letra morta” por não ter logrado consolidar os direitos fundamentais para o ser humano em larga escala num ambiente de “internacionalismo” e preocupações guiadas ao desempenho econômico e à geopolítica. Ele se referiu em particular ao direito à educação.
Com pesquisa do Arquivo Senado
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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