Dados em rótulos de alimentos podem salvar vida de alérgico

Aline Guedes | 17/05/2016, 08h03

Urticária, inchaço, coceira, eczema, dor abdominal ou até mesmo comprometimento de órgãos. Quem sofre de alergia alimentar conhece bem esses sintomas. E enfrenta diariamente os riscos decorrentes da falta de uma legislação que obrigue os fabricantes de alimentos a expor nos rótulos dos produtos a presença de alérgenos.

O problema poderá, contudo, ser minimizado a partir de julho, quando termina o prazo para a adequação da rotulagem a uma norma da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e futuramente com a eventual aprovação de um projeto de lei que tramita no Senado.

A mobilização em favor da regulamentação é liderada pela associação de defesa dos direitos dos consumidores Proteste e pela equipe da campanha Põe no Rótulo. A campanha foi criada em fevereiro de 2014 por famílias brasileiras de alérgicos alimentares que se uniram pela internet para reivindicar o direito à informação. A iniciativa teve adesão de mais de 100 mil pessoas e o apoio de famosos como o ator Mateus Solano, o ex-jogador Zico e a cantora Paula Toller.

Foi a pressão desses movimentos que levou a Anvisa a aprovar, em junho de 2015, norma determinando que indústrias de alimentos e bebidas coloquem aviso nos rótulos de seus produtos sobre a presença de ingredientes com maior potencial de causar alergias (veja o Saiba mais).

A regra também prevê que as empresas informem a possibilidade de contaminação dos alimentos, durante a fabricação, por produtos não previstos. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando um biscoito que não contém amendoim é processado na mesma máquina que fabrica outro produto com essa leguminosa. O alerta de que o biscoito “pode conter traços de amendoim” deve estar estampado em negrito, logo após a lista de ingredientes.

Intolerância

Antes da norma da Anvisa, a legislação determinava apenas que as empresas informassem a lista de ingredientes e a eventual presença de glúten. No entanto, doença celíaca (ou outro tipo de intolerância ao glúten) e intolerância à lactose não são consideradas alergias alimentares. O consultor do Senado Denis Murahovschi explica que pessoas com alergias podem desenvolver reações graves a alimentos que são consumidos de forma segura pela maior parte da população, mesmo quando ingeridos em pequenas quantidades.

— Indivíduos com alergia ao leite podem desenvolver complicações graves, como choque anafilático [reação com risco de morte], ao consumirem pequenas quantidades desse produto, enquanto pessoas com intolerância à lactose suportam quantidades bem maiores — destaca.

Nos casos mais graves, os malefícios aparecem pouco tempo após o contato com o alimento. Em outros, podem levar dias para surgir. No Brasil, o problema atinge entre 6% e 8% das crianças com menos de três anos, e de 2% a 3% da população adulta.

Ovo, leite, amendoim, soja, trigo, castanhas, peixes e crustáceos são os responsáveis por cerca de 90% das alergias. Como não existe cura, a restrição no consumo é a principal alternativa para prevenir o aparecimento das complicações clínicas.

Projeto

Outra iniciativa com objetivo semelhante à norma da Anvisa é um projeto de lei do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) apresentado no ano passado. O texto determina que os rótulos dos alimentos informem a presença de substâncias potencialmente alérgenas.

O PLS 155/2014 está na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), onde receberá decisão final. O relator é Eduardo Amorim (PSC-SE). Valadares argumenta que, apesar de haver a descrição dos ingredientes, as informações nem sempre são completas e frequentemente contêm termos técnicos ou científicos, dificultando o entendimento. Estudos da Unidade de Alergia e Imunologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo mostraram que 39,5% das reações alérgicas foram relacionadas a erros na leitura de rótulos. A própria Anvisa identificou que as diferentes formas de rotular alergênicos causam confusão e insegurança.

O senador defende que o aviso no rótulo evita desconfortos ou ocorrências médicas, com custo adicional praticamente nulo para os fabricantes. “Nossa iniciativa, além de ampliar o direito de informação, promove a modernização da legislação brasileira de rotulagem de alimentos, pois propõe medida semelhante àquela adotada nos países da União Europeia, Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália e Nova Zelândia”, justifica no projeto.

Compreensão

Os alérgicos confirmam as dificuldades apontadas pelo senador. Decifrar os ingredientes em meio a letras minúsculas, conhecer as diferentes nomenclaturas usadas para identificar um ingrediente, e não ter informações básicas sobre a presença de alérgenos  (como o uso de termos genéricos que não identificam a origem) são alguns dos desafios que eles encontram.

A professora Juliana Póvoa, de 35 anos, é alérgica à alfa-lactoalbumina, uma das proteínas do leite. Ela descobriu já adulta e chegou a ser internada com crises de asma, bronquite e eczema. Para Juliana, falta entendimento das pessoas sobre a seriedade da questão.

— Nós, alérgicos, estamos expostos a diversos riscos, constantemente. Não temos escolha — afirma.

O servidor público Eduardo Xavier, de 39 anos, descobriu que é alérgico a frutos do mar, especialmente camarão, quando tinha 8 anos. Tentou ignorar os sintomas e continuar ingerindo os alimentos, mas a hipersensibilidade avançou.

— Da última vez que comi, fui parar no hospital com edema de glote — conta.

Para a advogada Cecilia Cury, uma das coordenadoras da campanha Põe no Rótulo, informação adequada pode salvar vidas.

— Estamos acompanhando de perto as mudanças em muitos rótulos, o que confirma não só a viabilidade do atendimento à regulamentação, mas, especialmente, o reconhecimento da relevância do tema.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)