Empresas envolvidas em corrupção não podem deixar de ser punidas, diz promotor público

Anderson Vieira | 06/04/2016, 14h43

Em audiência na comissão mista que analisa a MP 703/2015, que facilita o fechamento de acordos de leniência, o promotor de Justiça de São Paulo Roberto Livianu fez, nesta quarta-feira (6), críticas à justificativa do governo de que tal proposta é importante para preservar empregos e evitar danos maiores à economia.

Previsto na Lei Anticorrupção (12.846/2013), o acordo de leniência permite que uma pessoa jurídica envolvida em algum tipo de ilegalidade denuncia o crime e se compromete a auxiliar na investigação em troca de benefícios.

Para o representante do Ministério Público paulista, deixar de punir empresas corruptas pode ser passar a mão na cabeça de criminosos e tornar-se uma injustiça contra os empresários honestos.

Além disso, ressaltou, a Lei Anticorrupção aprovada no Brasil em 2013 é fruto de um movimento internacional de combate ao crime e não foi feita para salvar empresas, mas para punir corruptores e corruptos e preservar a moralidade.

— O acordo de leniência é primo da delação premiada. A ideia de colaborar é positiva. O mundo caminha nessa direção. Mas o modelo precisa ser adequado para proteção social [...] Imagina se o Ministério Público deixasse, por exemplo, de combater o tráfico de drogas pensando no desemprego dos traficantes que dependem dessa cadeia criminosa? — ironizou.

O secretário-executivo da Controladoria-Geral da União, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, defendeu o texto da MP e considerou a comparação com o tráfico exagerada.

— Há uma distância muito grande. O traficante sabe que está cometendo um crime. Aquele que trabalha numa empresa e, eventualmente, tem um diretor que paga propina está numa situação diferente. Ele não tem ideia e nem é cúmplice de uma ilicitude cometida pela firma para ganhar um contrato público — argumentou.

Ainda conforme o representante da CGU, a salvação de empresas não é justificativa técnica para o fechamento de acordos de leniência, embora o empregado que não tenha responsabilidade sobre os erros de seus chefes têm sido os mais apenados.

O relator, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), por sua vez, disse que tem compromisso com a Lei Anticorrupção e que a medida provisória não a enfraquece nem a flexibiliza.

Se alguém praticou ilícito que seja punido. A pessoa jurídica deve sobreviver. A exceção é quando a empresa pratica um ilícito tal que não tem como pagar ou reparar o erro. Assim, a vida prossegue, afinal empresas também morrem — defendeu.

Inconstitucional

A polêmica em relação à MP 703 não parou por aí. Os senadores Ricardo Ferraço (PSDB-ES) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) levantaram dúvidas sobre a constitucionalidade da medida provisória por ela tratar de assuntos penais e processuais penais, o que é vedado pela Constituição.

O subprocurador-geral da República Nicolao Dino disse que o processo legislativo foi atropelado pelo governo. Primeiro porque enviou para o Congresso uma MP semelhante ao PLS 105/15aprovado pelo Senado e em tramitação na Câmara. Depois porque a MP 703 tem pontos que tratam de questões penais e processuais.

A Constituição não deixa dúvida. Mas temos o Congresso que é o primeiro filtro e precisa analisar isso — afirmou.

O ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp e o professor da USP Heleno Torres discordaram. Para eles, nem toda lei que trata de sanção é de cunho penal, e a medida provisória está no espaço do direito administrativo sancionador, apesar da conexão inegável com o Direito Penal.

Heleno Torres aproveitou para fazer um apelo para que o texto a ser aprovado jamais admita acordo de leniência com indenização abaixo do dano apurado.

— Não se pode abrir mão da total indenização. O dano causado veio da ação da empresa e e não pode ser negociado. Se tiver que quebrar a empresa, que quebre. O que se pode negociar são multas — afirmou.

Tramitação

A MP 703/2015 foi editada em dezembro de 2015 e já está em fase de prorrogação de prazo. A data final de votação é 29 de maio. Após ser publicada no Diário Oficial, uma medida provisória passa a valer como lei e vigora por até 120 dias.

Antes de ser votado nos plenários da Câmara e do Senado, o texto é analisado pela comissão mista, formada por deputados e senadores. Se houver modificações, a MP passa a tramitar no Congresso como Projeto de Lei de Conversão (PLV).

A audiência foi presidida pelo senador Benedito de Lira (PP-AL). Na terça (5), a comissão também recebeu convidados para tratar do assunto.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)