Então presidentes do Senado, José Sarney (D), e da Câmara, Michel Temer, assinam a emenda em 2010. Foto: Cristina Gallo/Agência Senado

 

No dia 13 de julho de 2010, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional 66, que acelerou e desburocratizou o processo de divórcio no Brasil. Desde então, o casal que queira desfazer o matrimônio não precisa mais requerer a separação judicial e ainda esperar um ano para obter o divórcio ou comprovar que já está separado de fato por pelo menos dois anos.

 

Com o fim do tempo de espera, os divórcios puderam ser antecipados, deixando os recém-separados desimpedidos para novos casamentos ou com a situação legal solucionada mais rapidamente.

 

— A mudança na Constituição atendeu a uma necessidade social. A tentativa do Estado de manter pessoas dentro do casamento, impondo prazos, identificação de culpados, com duas ações, a de separação e a conversão em divórcio, não atendia mais à realidade do mundo de hoje. Deixava também as pessoas em uma situação de extrema vulnerabilidade. Quem era separado não tinha as questões patrimoniais e alimentares definidas. Então, a PEC veio em muito boa hora — analisa a vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a advogada Maria Berenice Dias.

 

Para Maria Berenice, mudança não banalizou o divórcio, apenas atendeu a uma demanda contidaA facilitação do processo, num primeiro momento, fez os números de divórcios crescerem. Em 2010, foram 28.646 divórcios, somados os diretos e as conversões de separação em divórcio. No ano seguinte, 39.793 e, em 2012, 44.840 . Em 2013, houve um pico: 60.416 divórcios lavrados em todos os cartórios do país. Já em 2014, o número caiu para 57.933. Este ano, até julho, foram 25.892 divórcios em cartórios, segundo o Colégio Notarial do Brasil. O crescimento inicial, seguido por uma tendência de queda, evidencia uma “demanda contida”, destacou Maria Berenice.

 

— Num primeiro momento, houve uma demanda maior porque muitas pessoas tinham dificuldade de entrar na Justiça para discutir questão de culpa e esse tipo de enfrentamento. Com a possibilidade de o divórcio ser feito extrajudicialmente, diretamente no tabelionato, isso agilizou o divórcio e esvaziou de maneira significativa as próprias demandas da Justiça.

 

O ex-senador Nelson Carneiro teve como uma de suas maiores bandeiras a instituição do divórcio no Brasil. Foto: Reprodução

 

O ex-senador Nelson Carneiro teve como uma de suas maiores bandeiras a instituição do divórcio no Brasil.

 

Confira os vídeos nos links abaixo:

 

http://bit.ly/nelsoncarneiro

http://bit.ly/emendadivorcio

 

O divórcio foi instituído no Brasil em 1977, após campanha liderada pelo então senador Nelson Carneiro. Antes disso, as pessoas conseguiam apenas se desquitar. Encerravam as obrigações matrimoniais sem, no entanto, obter liberdade para oficializar outro casamento. O texto da década de 70 permitiu o divórcio, mas incluiu o tempo de espera entre a separação judicial e a conversão definitiva, para o casal “pensar melhor”. Também havia a declaração de culpa de um dos cônjuges pelo fim do matrimônio. A nova redação da Constituição em 2010 determinou o divórcio direto, sem a necessidade do tempo de separação.

 

O novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor este ano, ainda faz sete referências à separação, segundo Maria Berenice. A doutrina jurídica, no entanto, já demonstrou que não há mais como ressuscitar o processo.

 

— As normas [no Novo CPC] simplesmente caíram no vazio — avalia. Os grupos contrários à alteração também temiam que a mudança promovesse uma “banalização do divórcio”, algo que não ocorreu, ressaltou a advogada.

 

— Ninguém vai se divorciar só porque agora fica mais fácil. O amor não acaba porque é fácil se divorciar, ao contrário. Agora as pessoas se mantêm na relação, investem mais no relacionamento porque sabem que há a possibilidade de se desfazer o casamento pelo desejo de um só. Basta a vontade de um só para se decretar o divórcio. Tanto que está aumentando também o número de casamentos — opina.

 

A proposta de emenda à Constituição que deu origem à mudança em 2010 foi apresentada à Câmara por demanda do IBDFAM e encampada pelos então deputados Antonio Carlos Biscaia e Sérgio Barradas Carneiro. No Senado, tramitou como PEC 28/2009.

 

Os parlamentares argumentaram que a desburocratização era um anseio da sociedade. Antes da mudança, muitas pessoas separadas judicialmente iniciavam união estável com outras, por ainda não poderem se divorciar, embaraçando ainda mais as relações familiares e sucessórias.

 

Outro ponto considerado para a supressão do intervalo entre a separação e o divórcio é que, no Brasil, o número de reconciliações de casais separados é pequeno e a maioria das separações judiciais começa ou termina de forma consensual. Ainda segundo o Conselho Notarial, em 2010 houve 360 reconciliações. Em 2013, 570 e, em 2014, 519. Até julho de 2015, somaram 250.

 

O advogado Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM, afirma que a EC 66 significa mais responsabilidade para as pessoas envolvidas em um relacionamento, com a diminuição da interferência do Estado na vida e na autonomia privadas.

 

— Foram quase dois séculos de luta. O divórcio era dificultado devido aos resquícios da interferência religiosa no Estado. O movimento contrário apregoava o fim da família. O que não aconteceu, nem vai acontecer. A família mudou, sim, mas não está em desordem. Muito menos o divórcio é culpado ou responsável por essas transformações — afirma.

 

Elina Rodrigues Pozzebom


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