Museu Nacional de Belas Artes, que guarda obras do século 19 como A Batalha do Avaí: apesar do acervo de valor inestimável, orçamento é inferior ao de outros museus. Foto: Ibram

 

Mais de 1,3 mil museus e centros culturais brasileiros oferecem até domingo uma programação especial. A 13ª Semana de Museus, aberta ontem, promove uma maratona de exposições, workshops, seminários e espetáculos nas instituições participantes. São mais de 4,5 mil eventos — a maior parte, gratuita — em 609 cidades de 25 estados, além do Distrito Federal. A intenção é atrair público para dentro dos espaços culturais, convidando a população a conhecer os museus de suas regiões.

 

Organizada pelo Instituto Brasileiro de Museus (o Ibram, vinculado ao Ministério da Cultura), a Semana vem crescendo a cada edição (a estreia, em 2003, teve apenas 57 instituições participantes). O movimento reflete a estruturação por que vem passando o chamado setor museal do país nos últimos anos, a partir da criação de políticas e legislação específicas.

 

Em 2003, o Ministério da Cultura lançou a Política Nacional de Museus e instalou, dentro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), um departamento próprio para o setor. No final de 2008, o Senado aprovou os projetos de lei de criação do Estatuto de Museus (PLC 115/2008), que regulamenta o funcionamento das instituições, e do Ibram (PLC 191/2008), que passou a ser o responsável pela formulação e pela gestão das políticas nacionais para a área, além de administrar 29 museus federais. Os dois textos foram propostos pelo Executivo, que em maio do ano seguinte sancionou os projetos, transformando-os nas Leis 11.904/2009 e 11.906/2009.

 

Em 2013, o Decreto 8.124 regulamentou dispositivos das duas leis, consolidando as políticas. Ministra da Cultura na época, a senadora Marta Suplicy (sem partido-SP) acompanhou o processo de estruturação e avalia que uma grande qualificação foi promovida no setor.

 

— Os museus também se modernizaram, especialmente no sentido educacional, que é importantíssimo.

 

Para o presidente do Ibram, Carlos Brandão, graças a essas ações, hoje a área é uma das mais bem organizadas no panorama geral da cultura. Aumentaram o número e também a diversidade de museus e há um processo crescente de qualificação das equipes e dos serviços, garante.

 

Ele também destaca o conhecimento que se tem hoje sobre o setor, por meio do procedimento de registro das instituições no Ibram e de sistemas de informações como o Cadastro Nacional de Museus (CNM), um banco de dados permanentemente atualizado que mostra quantos são, onde estão e o que oferecem os museus em cada estado brasileiro (veja infográfico). Até o início deste mês, havia 3.574 deles cadastrados no país.

 

— Saber que temos pelo menos 3,5 mil museus é um conhecimento recente. Até pouco tempo, não sabíamos — relata.

 

Concentração

 

Se o cadastro revelou um número expressivo, mostrou também a desigualdade entre as regiões no acesso a esse tipo de experiência cultural. De acordo com o sistema, Sudeste e Sul concentram a maior parte dos museus. Além disso, 23,3% das cidades brasileiras não têm nenhum museu (pelo menos, nenhum inserido no cadastro, que, estima-se, já alcança 95% da totalidade das instituições). No Maranhão, por exemplo, apenas 10 das 217 cidades (4,6% do total) contam com um centro desse tipo.

 

— Os museus capilarizam a cultura pelo Brasil e ajudam a enraizá-la localmente. Por isso, é importante criar museus municipais. Temos 5,5 mil municípios e menos de 1,5 mil deles têm museu — avalia o presidente do Ibram.

 

Coautora de um projeto que estabelece a gratuidade de ingresso em museus para estudantes de museologia, artes e áreas afins (PLS 49/2014), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) afirma que o debate sobre essa desigualdade deve ser aberto no Senado, em conjunto com estados e municípios.

 

— O conhecimento organizado nos museus deve ser acessado por todos, não somente pelos moradores de algumas regiões do país — defende a senadora.

 

Recursos em baixa

 

O Ibram tem um edital específico — chamado Mais Museus — para destinar recursos a projetos de criação de museus em cidades com até 50 mil habitantes que ainda não possuem nenhum. Também oferece orientação e qualificação a governos e organizações interessados em criar as instituições.

 

O lançamento do edital neste ano, porém, ainda está incerto: depende da definição do orçamento do instituto, até agora ignorado. Nesta semana, a Presidência da República está fixando os cortes nos orçamentos dos ministérios. Só depois disso os órgãos vinculados poderão saber quanto terão em caixa para investir. O temor é que os valores sejam ainda menores do que em anos anteriores. Em 2014, o instituto conseguiu empenhar R$ 68 milhões.

 

Para ampliar as políticas do setor, o financiamento é a questão fundamental, diz Brandão. O instituto fez um levantamento sobre recursos recebidos por outros museus brasileiros de expressão não vinculados ao governo federal. Três deles (a Pinacoteca, em São Paulo; o Museu Oscar Niemayer, em Curitiba; e o Museu de Arte do Rio, o MAR) tinham em média um orçamento discricionário de R$ 10 milhões a R$ 12 milhões anuais.

 

O museu do Ibram com maior orçamento anual — o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio — recebeu no ano passado R$ 600 mil, 5% do que ganham os três, compara o gestor. E o MNBA é um dos museus mais importantes do país: exibe o principal acervo de arte brasileira do século 19, com obras de valor inestimável como os quadros A Primeira Missa no Brasil e A Batalha do Avaí, e também grandes nomes do modernismo e da arte contemporânea.

 

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, reforça a tese de que o atual desafio para os museus e para a cultura em geral é orçamento. Ele, que foi secretário-executivo na gestão de Gilberto Gil e era ministro na época da criação do Ibram, avalia que, desde então, o setor avançou muito, mas a falta de recursos impede maiores progressos.

 

— Constituímos uma base técnica, avançamos na gestão, temos já uma qualidade enorme em alguns museus. Houve diversificação: foram criados museus de comunidade, museus setoriais importantes. Mas o problema maior hoje é ter um patamar mínimo de recursos para possibilitar a ampliação e a qualificação desse sistema.

 

Em audiência pública no Senado em abril para explicar as metas da pasta, o ministro mostrou aos senadores a perda no orçamento da Cultura — que, segundo ele, caiu de 1,7% do Orçamento da União em 2010 para 1,1% em 2014 e também perdeu no percentual discricionário, que era de 80% do total de recursos da pasta há cinco anos e foi baixando até chegar a 40% no ano passado. Para 2015, a lei orçamentária prevê R$ 3,3 bilhões para o ministério, mas a ameaça de cortes, que podem chegar a 30%, preocupa Ferreira. Ele tem dito que “não dá para tirar 30% de sangue de alguém que já está anêmico”.

 

Na reunião com os senadores, o ministro defendeu a aprovação da PEC 150/2003, que tramita na Câmara e depois virá ao Senado. A proposta, apresentada pelos então deputados e agora senadores Paulo Rocha (PT-PA) e Fátima Bezerra (PT-RN), entre outros, define um mínimo de recursos para o orçamento da Cultura: 2% das receitas no plano federal, 1,5% nos estados e 1% nos municípios. Isso é o mínimo recomendado pelas Nações Unidas, disse Ferreira na audiência.

 

Visitação em alta

 

Público faz fila para ver a mostra Salvador Dalí no CCBB do Rio de Janeiro: a exposição foi a quarta mais vista no mundo em 2014, de acordo com publicação internacional. Foto: CCBB

 

Na luta por mais verbas, os museus vêm ganhando novo argumento: o crescente interesse dos brasileiros por exposições. Em 2014, pela primeira vez, os 10 maiores museus paulistanos tiveram mais de 3 milhões de visitantes. O país também vem se destacando no cenário internacional. Entre as 20 exposições mais vistas no mundo no ano passado, 7 ocorreram no Brasil, segundo a publicação The Art Newspaper, que faz o levantamento anual das mostras com maior público no planeta. A brasileira mais bem colocada foi a mostra Salvador Dalí no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro, que ficou em quarto lugar geral. Com entrada gratuita, teve até 9,7 mil visitantes por dia.

 

Desde 2010, quando o Ibram passou a fornecer dados de público ao levantamento, o país vem se destacando. Em 2012, por exemplo, 4 das 20 exposições campeãs de público eram do Brasil. Os resultados contestam a ideia de que brasileiro não se interessa por museu.

 

— O público, de forma geral, gosta do que é bom. Com o brasileiro não é diferente. Se você oferece uma exposição de artista conhecido, com espaço adequado, produção de qualidade e boa divulgação, tudo isso de graça ou a preços acessíveis, é bem provável que seja um sucesso — diz Delano Valentim, gerente-executivo da diretoria do Banco do Brasil responsável pelos CCBBs.

 

Na avaliação dele, o que os museus e centros culturais precisam fazer para atrair visitantes é oferecer uma programação regular e de qualidade. E, para isso, precisam que mais empresas e pessoas invistam em cultura, além de buscar fontes alternativas de financiamento e custeio, diz.

 

Nesse aspecto, os CCBBs levam vantagem. De acordo com Valentim, o orçamento para os quatro centros (em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte), que tem se mantido estável nos últimos três anos, é de cerca de R$ 100 milhões ao ano, para custeio e programação — bem mais do que o recebido pelo Ibram para aplicar em ações de custeio e fomento das políticas e na manutenção dos 29 museus federais, como o Museu da República e o Museu Histórico Nacional, no Rio.

 

Tatiana Beltrão


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