Para especialistas, rede de proteção tem de crescer e se tornar mais eficaz

Da Redação | 09/08/2016, 14h00

 

Delegacias especializadas como esta em Salvador ainda são raras fora das capitais. Foto: Ronaldo Silva/Governo da BahiaOs dez primeiros anos da Lei Maria da Penha não motivam apenas celebrações. A persistência da violência contra a mulher e o reduzido tamanho da rede de serviços de proteção preocupam os defensores da norma.

 

Como a lei se tornou conhecida, mais mulheres procuram saídas para romper situações de violência. Uma evidência é o crescimento do número de brasileiras que acionam o serviço Ligue 180 para fazer denúncias. O volume de ocorrências cresceu de 12.664 em 2006 para 76.651 em 2015. Segundo a pesquisa Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, feita pelo DataSenado no passado, quase 100% das entrevistadas revelaram saber da existência da Lei.

 

Para Marisa Sanematsu, diretora de Conteúdos do Instituto Patrícia Galvão, esse dado por si só já representa um avanço.

 

— A lei veio para afirmar a mensagem de que a violência familiar contra a mulher não é algo natural, mas delito com punição severa. Esse sentimento ganha força a cada dia — afirma.

 

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2006 a 2011, foram instaurados quase 700 mil processos nos estados com base na lei.

 

Insuficiências

 

Outro estudo, do Ipea, instituto do governo federal, indica que a Lei Maria da Penha foi responsável por um decréscimo de 10% na taxa de homicídios de mulheres por questões de gênero. A pesquisa utilizou série sobre mortes do SUS, isolando influências de outras questões que não as de gênero e confrontando os homicídios de mulheres dentro de casa com aqueles que vitimaram homens.

 

— Mesmo não tendo havido recuo absoluto no número de mortes, o estudo permite afirmar que, não fosse a lei, a quantidade de feminicídios teria sido muito maior em todo esse período — destaca o promotor Thiago Pierobom, do Distrito Federal.

 

No entanto, em números absolutos, as agressões e os assassinatos persistem e até aumentam em números absolutos. Tanto Thiago Pierobom quanto Marisa Sanematsu consideram que muito do problema se deve ao fato de a Lei Maria da Penha ainda não ser cumprida ao pé da letra. A rede de proteção é reduzida e falta integração entre os órgãos.

 

Em todo o país, só existem 497 delegacias especializadas e 235 centros especializados em atendimento à mulher em situação de violência, quase sempre nas capitais. Até 2015, haviam sido implantadas apenas 91 Varas de Justiça Especializada em causas de violência doméstica. Casas-abrigos são 72.

 

Há ainda o despreparo de servidores que atendem na área hospitalar e nas delegacias comuns, às quais a maioria das vítimas precisa recorrer.

 

— O grande desafio da Lei Maria da Penha é exatamente concretizar esse conjunto de políticas — afirma Pierobom.

 

CPI

 

Por quase dois anos, até 2013, uma comissão parlamentar mista de inquérito investigou a violência contra a mulher, inclusive em relação ao cumprimento da Lei Maria da Penha.

 

Não se limitou a sugestões de aprimoramento legais, como a tipificação do feminicídio, iniciativa convertida em lei no ano passado. Dela também resultou a recomendação para a criação da Comissão Mista Permanente contra a Violência à Mulher, instalada em 2015 para marcar de perto a evolução das políticas públicas de combate a todas as formas de violência contra a mulher.

 

A presidente é a senadora Simone Tebet.

 

— Somos um dos únicos países do mundo a ter uma comissão permanente mista no Congresso trabalhando 24 horas à disposição da sociedade para o enfretamento das questões de violência contra a mulher, inclusive a doméstica — registra a senadora.

 

Observatório

 

Simone Tebet é autora do Projeto de Resolução do Senado (PRS) 64/2015, que viabilizou na Casa a criação do Observatório da Mulher contra a Violência. O objetivo é suprir a falta de mecanismos para monitorar e avaliar programas, ações e serviços destinados a enfrentar o problema. Serão reunidas e sistematizadas estatísticas oficiais coletadas em todo o país.

 

O lançamento está marcado para o dia 17, como parte das celebrações pelos dez anos da Lei Maria da Penha. Nesse dia, também ocorrerá uma sessão comemorativa no Congresso, quando será lançado pelos Correios o Selo Maria da Penha.

 

Para Simone Tebet, o Senado deve se tornar referência na consolidação de dados sobre a violência contra a mulher. Nesse sentido, outra proposta da senadora (PRS 65/2015) atribui ao Instituto DataSenado o papel de auxiliar nas pesquisas e levantamentos sobre o tema.

 

— Vamos reunir esses dados e entregar à sociedade o raio-x, o diagnóstico de cada problema e situação. Com isso, saberemos onde colocar mais recursos e melhorar a gestão, para que tenhamos resultados eficazes nas políticas. É preciso estancar esse mal e tirar o país do ranking dos dez países mais violentos contra a mulher — afirma.

 

O observatório também vai promover estudos e elaborar e coordenar projetos de pesquisa sobre políticas de prevenção e atendimento às vítimas, articulando esforços de estados, municípios e de órgãos do Judiciário. Um trabalho que, segundo Simone, depende mais de “vontade política que de dinheiro”.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)