ONG afirma que há negligência sobre denúncias de tortura

Larissa Bortoni e Maurício Ribeiro de Santi | 12/04/2017, 19h24

A tortura no Brasil não é obra apenas da polícia, de acordo com organizações não governamentais. A ONG Conectas Direitos Humanos apresentou à Organização das Nações Unidas (ONU), no início de março, a denúncia de que outros atores do sistema judicial agem para perpetuar a prática.

Após acompanhar 400 audiências de custódia no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo (SP), a Conectas concluiu que a negligência é uma das responsáveis pela impunidade da tortura. Segundo a advogada da organização Vivian Calderoni, as audiências de custódia estão servindo apenas para reduzir o número de pessoas encaminhadas para as penitenciárias, mas sem efetividade na prevenção dos crimes de tortura.

- Em 33% das audiências que acompanhamos, os juízes sequer perguntaram se a pessoa tinha sido vítima de violência. Em 80 % dos casos em que a pessoa relatou ter sido vítima, o Ministério Público não atuou no sentido de buscar a apuração.  O Ministério Público tem o dever constitucional de fazer o papel de controle da legalidade da atividade policial, afirma Vivian.

O advogado Guilherme Pontes, da ONG Justiça Global, diz que, mesmo em situações em que detentos relataram aos juízes algum tipo de agressão, as providências legais não foram tomadas.

- Isso aponta para uma conivência do Estado brasileiro com a perpetuação da tortura -, diz.

Não é assim que pensa a Associação dos Magistrados do Brasil. A vice-presidente de Direitos Humanos da AMB, juíza Julianne Marques, assegura que a magistratura não é omissa. De acordo com ela, mesmo quando não há indagações sobre tortura, mas indícios de violência, os casos são enviados para apuração:

- Se no laudo do Instituto Médico Legal a gente viu que há lesões, já manda investigar, mesmo sem perguntas ao preso. Estando evidente no laudo, há um pedido para providências -, explica a juíza.

O promotor Eduardo Ferreira Valério, do Conselho Nacional do Ministério Público diz que, apesar da obrigação legal de mandar investigar, ainda há resistências por parte dos agentes do Estado, até mesmo por um ranço cultural.

- A gente ouve absurdos como: “Tá querendo tratar bandido com chazinho e bolo”. Essa é uma maneira cínica de negar a necessidade de tratar as pessoas com igualdade e com respeito esperados em uma democracia.

A juíza Julianne Marques rebate e assegura que esse tipo de resistência inexiste. O que ocorre, segundo ela, é que muitas vezes o juiz manda apurar, mas não é constatada a tortura ou o crime verificado não pode ser tipificado como tal, mas como lesão corporal ou outro tipo de delito.

- Se você pegar só o crime de tortura, vai achar que pode ser pouco. Se contar o crime de lesão, vai ver que foram apurados.

Combate

O Ministério Público tem tentado implantar nos estados e no Distrito Federal Comitês de Enfrentamento e de Combate à Tortura.  O promotor Eduardo Ferreira Valério esclarece que esses comitês são formados por peritos com livre acesso aos locais onde há privação de liberdade. Não apenas nos presídios, mas nos Centros de Atendimento Socioeducativos para crianças e adolescentes e nas Instituições de Longa Permanência para idosos.

Esse tipo de comitê, diz, existe no Rio de Janeiro e em Pernambuco. Ele lamenta que a falta de dinheiro e de vontade política impeçam o serviço de chegar aos demais estados.

Segundo Valério,  as visitas nesses dois estados resultam em relatórios detalhados que são enviados aos ministérios públicos das respectivas sedes. Os MPs atuam tanto na área criminal, de responsabilização por crime de tortura, como no âmbito cível, por meio da tutela coletiva -- inquéritos civis para que a tortura não mais se repita e responsabilização civil, muitas vezes, por improbidade administrativa dos autores da tortura.

Outra proposta de entidades e pessoas que militam pelo fim da tortura é um esforço de conscientização nacional. A iniciativa, para o advogado Guilherme Pontes, deveria vir dos próprios agentes do Estado.

- Não basta que a gente tenha instrumentos ou políticas públicas que sejam avançadas. É preciso um compromisso de todos os agentes públicos com a efetivação da política de combate à tortura no país..

O promotor Eduardo Valério acrescenta ser imprescindível investimentos em educação em direitos humanos.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)