Popular no Nordeste, a vaquejada consiste na tentativa, feita por dois homens a cavalo, de derrubar um boi pelo rabo
 foto: Tatiana Azeviche/Turismo BahiaPara o Conselho Federal de Medicina Veterinária, não há como evitar maus-tratos a animais na vaquejada. Já associações de vaqueiros defedem a regulação da atividade

 De um lado, o bem-estar de animais submetidos estresse, tração nas caudas e quedas arriscadas enquanto tentam escapar dos vaqueiros. De outro, uma prática secular que é tradição cultural no Nordeste, gera empregos e movimenta a economia na região. A polêmica envolvendo as vaquejadas se intensificou em outubro, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente ação do Ministério Público contra a lei que regulamenta as vaquejadas no Ceará. O relator, ministro Marco Aurélio Mello, considerou haver “crueldade intrínseca” contra os animais.

A decisão do STF pode se estender a vaquejadas de todo o país. Para tentar garantir a continuidade da tradição, parlamentares tentam aprovar quatro proposições que tramitam no Congresso Nacional. Três projetos de lei classificam a atividade como patrimônio cultural brasileiro e uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 50/2016) assegura sua continuidade, com regulamentação em lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos. O texto autoriza essas competições desde que “comprovadamente não submetam os animais à crueldade”

 A possibilidade de fazer uma vaquejada sem crueldade, no entanto, é descartada por entidades e especialistas que defendem os animais. É o caso da veterinária Vânia Plaza Nunes, diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, entidade que reúne 127 entidades de todos os estados brasileiros. Para ela, não há vaquejada sem sofrimento, especialmente porque a cauda, que recebe a tração, é uma continuação da coluna vertebral dos bois.

 — Os animais podem ter diferentes lesões: luxação, fratura de vértebras, hemorragia interna — disse Vânia, nomeada como perita técnica do Ministério Público para esse tipo de evento.

Mas, para os defensores da vaquejada, há desconhecimento do tema. Antonio Travassos, zootecnista e juiz de equipamentos e bem-estar do animal em provas, cita o exemplo da cauda artificial. Feito de nylon, o equipamento foi criado para evitar arrancar o rabo dos bois com a tração.

 Regras

 Na internet, o equipamento é vendido por cerca de R$ 50 em selarias e anunciado como adequado também para bois que já perderam o rabo. Defensores dos animais argumentam que, em algumas competições pelo país, a cauda do boi arrancada é uma espécie de “troféu informal”. As entidades que representam o esporte atribuem essas práticas a vaquejadas não regulamentadas.

 — Não posso negar que na antiga vaquejada havia quebra de cauda, é verdade. Mas após o protetor de cauda, é zero. Não existe quebra de cauda hoje — explicou Travassos.

O regulamento para competições da Associação Brasileira de Vaquejada (Abvaq) prevê ainda medidas para amenizar o sofrimento dos animais. Entre elas, a presença de veterinários, cocheiras separadas para bois e cavalos, transporte adequado e faixa de areia de 50 centímetros para amortecer a queda.
Para os defensores da vaquejada, o que deve ser combatido são as competições clandestinas que não seguem normas. — Estamos tentando regulamentar o esporte para acabar com abusos por quem não entende que a vaquejada mudou — disse Leonardo Almeida, advogado da Abvaq.

 Economia

 Números divulgados pela Abvaq apontam que a vaquejada movimenta R$ 600 milhões por ano, gerando 120 mil empregos diretos e 600 mil indiretos. Os números incluem leilões e feiras agropecuárias. De acordo com a associação, são feitas 4 mil vaquejadas por ano, das quais 60 apresentam premiação superior a R$ 150 mil.

 — O desconhecimento do negócio pode levar a desemprego — afirmou Paulo Farah, presidente da Associação Brasileira de Criadores de Cavalo Quarto de Milha (ABQm).

 Em defesa da prática, vaqueiros de vários estados vieram a Brasília na terça-feria. De acordo com os organizadores, a manifestação reuniu 6 mil pessoas e 2 mil animais, além de 700 caminhões de transporte, que tomaram a Esplanada dos Ministérios.

 Na opinião do juiz Anderson Furlan, o argumento econô- mico não é justificativa para qualquer prática. Como exemplo, citou o tráfico de drogas, que também gera empregos, e outras tradições já proibidas, como as brigas de galos e a farra do boi, em que esses animais eram torturados pelas ruas até a exaustão.

 — Quando as rinhas de galo foram extintas, milhares de pessoas ficaram sem emprego. Quando a farra do boi foi extinta, as pessoas que vendiam produtos na farra do boi ficaram sem emprego. O argumento infelizmente não é esse. O argumento é jurídico e está decidido pelo STF.

 O Conselho Federal de Medicina Veterinária também já se posicionou contra as vaquejadas. A veterinária Carla Molento, que representou a entidade em audiência pública na Câmara dos Deputados, disse que, após longa discussão, a entidade reconheceu a “intrínseca relação com maus- -tratos aos animais”.


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