O presente de Dia das Crianças que Maria de Fátima, 8 anos, vai receber nesta sexta-feira virá das mãos de duas pessoas que ela não conhece. São jovens voluntários que moram perto da Creche Criança Cidadã, frequentada por ela há mais de seis anos no Varjão, comunidade de baixa renda do Distrito Federal. Os dois vizinhos da creche decidiram arrecadar brinquedos para as crianças da instituição comunitária que não cobra mensalidade, não recebe dinheiro público e sobrevive de doações e serviços oferecidos por pessoas como eles.

Isso é voluntariado, prática de um entre cada quatro brasileiros com mais de 16 anos, segundo o Ibope. São 35 milhões de pessoas que fazem ou já fizeram algum serviço voluntário, experimentando a sensação de sentirem-se bem por fazerem o bem.

— Ano passado participei de uma apresentação de teatro. Era a história de uma caixa que eu abria e de onde saíam flores que ensinavam sobre amor e respeito. Também gosto muito dos passeios que a gente faz — contou a pequena Maria de Fátima.

Os passeios e o teatro a que a menina se refere são algumas das atividades que a ONG Sonhar Acordado promove mensalmente para a creche, há oito anos: o Dia do Sonho (brincadeiras, gincanas, mágico e outras atrações infantis), o Super Ação (mutirões, captação de profissionais e campanhas de doação como Quilômetro de Brinquedos e Quilômetro de Agasalhos) e o Amigos para Sempre (atividades recreativas, esportivas e culturais para desenvolver valores como solidariedade, respeito ou amizade). Para cada evento, a Sonhar Acordado busca patrocinadores, mas muitas vezes os recursos têm que sair do bolso dos voluntários.

— Nossa meta não é apenas melhorar o bem-estar das crianças, mas também o de quem trabalha como voluntário. Porque é um privilégio receber da infância ensinamentos como pureza e alegria pelas coisas simples da vida — disse Fernanda Carneiro, uma das coordenadoras da ONG em Brasília.

Momento raro

A voluntária lembra um passeio ao zoológico de Brasília, quando ajudava um menino de 13 anos que precisa de cadeira de rodas.

— Quando voltávamos para o ônibus, ele falou baixinho: “Tia, eu vou ser o primeiro!”. Não entendi, e ele começou a repetir cada vez mais alto, todo feliz: “Eu vou ser o primeiro! Eu vou ser o primeiro!”. Era um momento raro na vida dele, por causa da deficiência física. O que para mim seria simples e banal deu a ele uma alegria incrível.

Isso me emocionou muito — contou.

A emoção que Fernanda sentiu é o verdadeiro estímulo dos voluntários, já que eles nunca são remuneradas pelo serviço, conforme determina a Lei 9.608/98. A pesquisa do Ibope revela que 87% dos 1.550 voluntários ouvidos em novembro estão totalmente motivados em continuar fazendo o trabalho. O trabalho foi feito para registrar a década do voluntariado, a partir da declaração de 2001 como Ano Internacional do Voluntariado pela ONU. Numa primeira etapa, em junho, foram entrevistadas 2 mil pessoas para detectar o percentual de brasileiros voluntários.

— Acreditamos que esse número é dinâmico e está aumentando, pois o Brasil tem potencial para mais e mais pessoas realizarem a sua parte. Todos ganham no voluntariado — disse Silvia Naccache, coordenadora do Centro de Voluntariado de São Paulo e uma das fundadoras da Rede Brasil Voluntário, que encomendou a pesquisa ao Ibope.

A maioria dos voluntários brasileiros, segundo o Ibope, pertence à classe C (43%), tem filhos (62%) e trabalha fora (67%). Em média, cada pessoa dedica 4,6 horas por mês ao serviço voluntário. Como motivação, 67% dos entrevistados apontam “ser solidário e ajudar os outros”; 32%, “fazer a diferença e melhorar o mundo”; e 32%, motivações religiosas.

Empresas intensificam ações de responsabilidade social

Diferentemente do voluntariado tradicional, que no Brasil tem como marco inicial a fundação da primeira Santa Casa de Misericórdia, em 1543, o voluntariado empresarial é muito recente no país. Surgiu na década de 1990 com algumas iniciativas de responsabilidade social, mas só a partir de 2000 se expandiu.

A Ação da Cidadania contra a Fome, liderada pelo sociólogo Herbert de Souza (Betinho) em 1993, é um exemplo inicial de mobilização que também envolveu empresas. Fortalecendo a atuação em prol da cidadania e dos direitos, as companhias descobriram uma maneira produtiva de agregar mais valor ao negócio e à marca.

Devido a essa prática crescente, foi criado em 2008 o Conselho Brasileiro de Voluntariado Empresarial (CBVE), que hoje reúne 28 empresas, institutos e fundações para trocar experiências, fazer pesquisas e divulgar ferramentas para iniciativas desse tipo.

— As empresas não podem ver o voluntariado apenas como uma ferramenta de marketing. Há um ganho enorme de outras formas: melhora o clima organizacional; o público interno e a comunidade interna se veem mais envolvidos, facilitando ações; e os colaboradores desenvolvem habilidades como cooperação, responsabilidade, liderança e trabalho em equipe — observa a secretária executiva do CBVE, Heloisa Coelho.

Pesquisa realizada pelo CBVE em 2010 revelou que 85,9% das empresas ouvidas tinham um ­programa de voluntariado ­institucionalizado, e 59,4% estavam dispostas a ampliar os investimentos na área. Mês que vem deve sair uma nova pesquisa, segundo Heloisa, que ressalta ações.

— Na semana do Dia Nacional do Voluntário, 28 de agosto, propusemos uma ação voltada para a questão do lixo e do meio ambiente. O tema foi “O planeta em boas mãos”. Queremos fazer isso sempre — disse.


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