Tatiana Beltrão

Garantir que todas as crianças estudantes de escolas públicas brasileiras sejam alfabetizadas até o final do 3º ano (antiga 2ª série) do ensino fundamental, aos 8 anos, é o objetivo do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, lançado pelo governo federal neste mês. Cursos de formação para cerca de 360 mil professores e avaliações nacionais periódicas estão entre as principais ações, a serem implementadas pelos estados e municípios com apoio técnico e financeiro do governo federal.

A medida provisória que institui o apoio aos entes federados que aderirem ao pacto (MP 586/12) está em análise no Congresso. Na última semana, foi designada a comissão de senadores e deputados que avaliará a medida. O relatório, do senador Eduardo Amorim (PSC-SE), deve ser apresentado à comissão mista na próxima semana.

Depois, a MP será votada pelos Plenários do Senado e da Câmara.

Alfabetizar na idade certa ainda é um desafio no Brasil. Dados do Censo 2010 indicam que 15,2% das crianças brasileiras não sabem ler nem escrever aos 8 anos. O problema se mostra ainda mais complexo quando se consideram os resultados por região: no Norte, o índice chega a 27,3%, e no Nordeste, a 25,4% — uma desigualdade brutal em relação à Região Sul, que apresenta as melhores taxas do país, com 5,4% de crianças não alfabetizadas na faixa etária adequada.

Outros estudos confirmam as deficiências do ensino no ciclo de alfabetização. A Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização), aplicada em 2011 a 6 mil estudantes do 3º ano do ensino fundamental, revelou que apenas 56,1% aprenderam o que era esperado em leitura; em matemática, só 42,8%.

A prova revelou também a grande variação de desempenho entre regiões do país e entre escolas públicas e privadas.

Exclusão social

Reduzir a desigualdade para garantir mais oportunidades às crianças das escolas públicas é o mérito do pacto, acredita a senadora Ângela Portela (PT-RR).

— Ele busca diminuir as diferenças na alfabetização, e isso é de extrema relevância porque a insuficiência de aprendizado é raiz da exclusão social, intelectual, econômica e cultural — afirmou, ressaltando que a ação deve ser acompanhada do esforço dos governos para ampliar as vagas na educação infantil.

Vice-presidente da comissão mista que analisa a MP, o senador Gim Argello (PTB-DF) destaca a destinação de recursos federais para a consecução das metas de alfabetização. O investimento inicial é de R$ 2,7 bilhões (R$ 1,1 bilhão em 2013 e R$ 1,6 bilhão em 2014), que serão repassados aos estados e municípios que aderirem ao pacto. O dinheiro vai financiar os cursos de formação, com pagamento de bolsas aos professores e aos orientadores, e a realização das avaliações anuais, entre outros itens.

— As redes estaduais e municipais são as maiores responsáveis pela alfabetização das crianças. O estímulo é importantíssimo — diz Gim.

Para o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), porém, o pacto é “bem-intencionado, mas insuficiente”.

— Podemos conseguir nivelar um pouquinho, obter algum pequeno avanço, como outros pequenos avanços que vimos obtendo na educação. Mas não vamos diminuir o imenso desnível educacional que temos. Esse problema exige mais que um simples pacto — critica.

Cristovam defende uma mudança mais profunda no sistema educacional, em que o governo federal assumiria a educação básica (hoje, apenas o ensino superior é responsabilidade da União). Só assim, acredita, seria possível superar a desigualdade e garantir um padrão de qualidade a todas as escolas públicas. As propostas integram o projeto do Sistema Nacional de Conhecimento e Inovação, elaborado pelo senador.

Programa do MEC aposta na reciclagem de professores

A Escola Classe 206 Sul, de Brasília, mapeia dificuldades 
de cada aluno e oferece reforço, se necessário

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa já tem adesão de todos os estados e do Distrito Federal.

Até 8 de novembro, dia do lançamento da iniciativa pela presidente Dilma Rousseff e pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, 5.271 municípios haviam aderido — o país tem 5.565 municípios.

Ao aderir, estados e municípios firmam com a União um compromisso formal de assegurar que todos os alunos da rede pública sejam alfabetizados em língua portuguesa e matemática até os 8 anos, ao final do 3º ano. Os estados (que, em princípio, são os responsáveis pelo ensino médio, ficando o fundamental a cargo dos municípios) devem apoiar as prefeituras.

O principal eixo do plano é a formação dos cerca de 360 mil professores alfabetizadores das escolas públicas, que terão aulas presenciais durante dois anos, na cidade em que atuam. Como ajuda de custo para a participação nos encontros presenciais, eles receberão bolsas.

Outro eixo importante é a avaliação. Além da Provinha Brasil, aplicada no início e no final do 2º ano, as escolas participarão de uma avaliação universal anual, realizada pelo Inep e destinada aos concluintes do 3º ano. As provas possibilitarão às redes analisar o resultado do trabalho de alfabetização e planejar medidas corretivas.

A importância de avaliar os estudantes ao final do ciclo de alfabetização, para impedir que prossigam os estudos com déficit numa área que é tão determinante para todo o aprendizado, já era objetivo de um projeto de lei do senador Paulo Bauer (PSDB-SC) que aguarda análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. O projeto (PLS 414/11) institui uma avaliação obrigatória da aprendizagem em língua portuguesa e matemática ao final do 3º ano e estipula que o aluno com desempenho insatisfatório receberá reforço pedagógico intensivo ao longo do 4º ano.

— Sei por experiência própria que não devemos deixar o aluno avançar sem avaliar seu aprendizado. O estudante que não domina língua portuguesa e matemática nessa etapa dificilmente consegue acompanhar depois — disse Bauer, que foi secretário da Educação de Santa Catarina.

O senador apresentou uma emenda à MP do pacto para inserir a obrigatoriedade das avaliações e da oferta de reforço escolar pelas redes.

Os estados e municípios que já têm programas próprios de alfabetização também podem aderir ao pacto. É o caso do Distrito Federal, que mantém o BIA (Bloco Inicial de Alfabetização), voltado a crianças de 6 a 8 anos e com professores formados pelo Pró-Letramento, programa do governo federal em parceria com governos estaduais e universidades.

Na Escola Classe 206 Sul, que faz parte da rede pública do Distrito Federal, é comum o trabalho focado no aluno. Os professores mapeiam as dificuldades de cada criança na leitura e na escrita e planejam formas de ajudá-la a superar o atraso, durante as próprias aulas ou mesmo com reforço escolar no contraturno. Projetos e atividades culturais são usados como motivadores do aprendizado.


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