Desde antes das cotas, bolsa busca garantir disputa justa

Da Redação | 04/08/2015, 11h15

 

O diplomata Jackson Oliveira, ex-auxiliar de pedreiro, defende ações afirmativas. Foto: Ana Volpe/Agência Senado – 24/7/2015

 

Ex-auxiliar de pedreiro, Jackson Luiz Lima Oliveira passou no concurso para diplomata em 2008. Ainda não havia a Lei de Cotas, mas ele teve direito a uma ação afirmativa que o Itamaraty oferece há 13 anos: o Programa Bolsa-Prêmio de Vocação para a Diplomacia. São R$ 25 mil anuais, em dez parcelas mensais, para o candidato negro ou pardo custear despesas com professores, livros e cursos preparatórios. O benefício pode ser renovado até quatro vezes — desde que o candidato passe na seleção da bolsa em cada uma das renovações. Como diplomata, Oliveira ficou três anos trabalhando na África e hoje é assessor do diretor do Departamento de África.

 

— O programa é importante porque iguala os candidatos. Não conseguiu reverter ainda, porque é uma questão histórica, a deficiência da quantidade de negros no Itamaraty. Mas os dados mostram que 6% dos estudantes beneficiados no programa de bolsas foram aprovados. No público em geral, esse índice é de apenas 1% dos candidatos — afirmou Oliveira.

 

O diplomata calcula que, com a Lei de Cotas e o programa de bolsas, em 10 anos o Itamaraty terá 60 negros — o triplo do que entrou em 12 anos pelo programa de bolsas. Ele afirma que nunca entrou tanto negro em tão pouco tempo na diplomacia.

 

Durante dois anos, Oliveira foi entrevistador na segunda fase da seleção dos bolsistas, quando o candidato apresenta um plano de estudos e faz uma redação sobre a vivência como afrodescendente.

 

— A gente sugere que essa mesma metodologia, de entrevista e redação da experiência pessoal, seja usada pelo Itamaraty na diplomação de quem se declarou negro no concurso.

 

Para a verificação da autodeclaração de negro, Oliveira aponta como exemplo o recente Edital 32 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, publicado em 29 de junho, para o concurso de analista de planejamento e orçamento. Lá está prevista a instalação de uma comissão de verificação antes da segunda fase. Isso evita que um suposto fraudador só seja desmascarado no final do concurso, quando candidatos verdadeiramente negros já tenham sido eliminados. Oliveira sugere também que seja usada a mesma comissão para todos os candidatos, evitando subjetividade. O edital do Ministério do Planejamento, segundo ele, pode servir como padrão para toda a administração federal.

 

— Esse edital prevê que mesmo quem passar na ampla concorrência vai à banca e perde a vaga em caso de declaração fraudulenta. Isso cria constrangimentos para quem quer se aproveitar das cotas — diz.

 

O diplomata defende também que a decisão da comissão verificadora seja sempre unânime. Ele acredita que a unaminidade e a banca única, com os mecanismos de entrevista e redação sobre e experiência pessoal, podem evitar casos como o dos os gêmeos Alan e Alex Teixeira da Cunha, filhos de pai negro e mãe branca, que em 2007 se inscreveram pelo sistema de cotas raciais para o vestibular da UnB. Por meio de fotos, Alan foi considerado negro; Alex, não. Devido à repercussão, a UnB reviu a decisão e incluiu os dois como candidatos cotistas. No resultado final, porém, nenhum dos dois conseguiu a aprovação.

 

— Se todos os dez integrantes da banca não veem o candidato como negro, a sociedade não o vê como negro. O caso dos gêmeos na UnB não diz que o mecanismo de bancas verificadoras é falho, mas que pode haver subjetividade. Em relação a brancos pobres, a gente não vai tirar direito de um por causa do direito de outro. Por exemplo: começamos com 20% de cotas para negros na UnB e outras federais. Depois aumentamos para 50%, incluindo 30% alunos de escola públicas. Quando um médico branco de olhos verdes se declara pardo para pegar a vaga, não é questão econômica; é uma questão de desonestidade.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)