Para debatedores, jovens negros e mulheres que abortam são as grandes vítimas da violência no Brasil

Da Redação | 30/04/2015, 16h29

Os jovens negros do sexo masculino são as maiores vítimas da violência no Brasil, assim como são os mais encarcerados. As mulheres que abortam são discriminadas no atendimento nos hospitais, sofrem violência obstétrica e tem o sigilo entre paciente e profissional de saúde violado ao ter o crime denunciado, a despeito da proteção aos direitos humanos. Essas impressões já generalizadas entre a população foram confirmadas durante a audiência pública que discutiu o relatório de fevereiro de 2015 da Anistia Internacional sobre violação aos direitos humanos, nesta quinta-feira (30).

— Estas realidades se aproximam por uma questão, que é a violação do direitos à vida e à saúde — resumiu a coordenadora geral de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, Maria Esther de Albuquerque Vilela, na audiência promovida pela Comissão de Direitos Humanos (CDH).

Maria Esther defende o atendimento da mulher pelo sistema de saúde, sem discriminação, nas três modalidades de aborto permitidas pela legislação brasileira: quando é vítima de violência sexual, quando a gestação põe em risco sua vida, e quando o bebê é anencéfalo. Ela também, registrou que os dados sobre estupro são cada vez mais alarmantes, agravados pela possibilidade de a mulher engravidar sem desejar. Por isso, o serviço médico deve atendê-la precocemente, para auxiliá-la a evitar essa gravidez, se assim quiser, com o uso da pílulas do dia seguinte, por exemplo.

A representante do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), Beatriz Galli, mencionou pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde e Universidade de Brasília com mais de 2 mil mulheres de 18 a 39 anos de todo o país, revelando o perfil da mulher que interrompe a gravidez: ela é casada, tem filhos e religião e pertence a todas as classes sociais.

Das mulheres entrevistadas, 15% declararam já ter feito pelo menos um aborto. A pesquisa também diz que 50% das gravidezes são indesejadas no Brasil e que o aborto é a terceira, quarta ou quinta causa de morte materna no país, dependendo da localidade, além de ser o segundo procedimento obstétrico mais praticado do país, perdendo apenas para o parto.

Dados complementares mencionados por Rurany Ester Silva, da Secretaria de Políticas para Mulheres, indicam que Brasília é a unidade da federação cuja primeira causa de morte materna é o aborto. Foram seis mortes em 2013. Em Rondônia, Amazonas, Amapá e Rio de Janeiro, é a segunda causa.

As mortes poderiam ser evitáveis, já que as mulheres que induzem o aborto adiam a busca ao atendimento médico por medo de responderem a processos. Até porque é prática corriqueira o corpo médico romper o sigilo do atendimento agindo contrariamente ao que preconiza a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Atendimento do Ministério da Saúde, acrescentou Beatriz Galli. Tortura, maus tratos, discriminação, atendimentos demorados, dolorosos e até curetagens sem anestesia são práticas corriqueiras, como forma de penalizar quem aborta.

— No Brasil, o aborto é uma questão de saúde pública, penalizando mais severamente as mulheres negras, pobres e jovens que acessam os serviços públicos de saúde para finalizar um aborto iniciado em condições inseguras. É sabido que a criminalização e as leis restritivas não levam à eliminação ou redução de abortos provocados, além de aumentarem consideravelmente os riscos de morbidade feminina e de mortalidade materna — disse.

Contraponto

A senadora Regina Sousa (PT-PI), autora do requerimento da audiência pública, e que a presidiu, permitiu a participação da plateia, ocasião em que se manifestaram duas participantes contrárias ao aborto. Elas criticaram o que consideraram “defesa da legalização do aborto” pelas palestrantes, trouxeram representações em gesso de bebês de dez semanas, já formados, período em que ocorre a maioria dos abortos, “um atentado contra a vida”, afirmaram. Segundo Damares Alves, que é funcionária do Senado e assessora a Frente Parlamentar da Família, não existe gravidez indesejada, apenas inesperada, ainda que ela seja desejada apenas por Deus.

A senadora Regina Sousa explicou que haverá uma audiência pública com representantes contra qualquer tipo de aborto no dia 7 de maio, requerida pelo senador Magno Malta (PR-ES).

Negros

Em 2012, houve 56.337 homicídios no Brasil. Deste total, 30.072 eram jovens de 15 a 29 anos, dos quais 71,5% eram negros. O número de mortes entre jovens brancos vem caindo, enquanto o de negros aumentou 32,4% desde 2001. A situação piora dependendo do estado, da escolaridade e do nível de pobreza, esclareceu Ana Janaína Alves, da Secretaria Nacional de Juventude.

— Na Paraíba, o risco de um jovem negro ser morto é 13,4 vezes maior do o risco vivido por um jovem branco; em Pernambuco, 11,57; em Alagoas, 8,75. A média brasileira é de 2,7 — disse.

Além disso, os jovens representam 54,8% da população encarcerada, ou seja, 266.356 jovens estavam presos em 2012. Nesse mesmo ano, 60,8% da população carcerária era negra (295.242). O perfil predominante dos encarcerados é semelhante ao perfil dos jovens mortos: negros, do sexo masculino.

Adolescentes e jovens, por características físicas e território de moradia, são “matáveis”. Negros, do sexo masculino, moradores de periferia, territórios com baixa presença do Estado, tem como destino a morte por homicídio — por arma de fogo — ou o encarceramento em condições desumanas.

— O Brasil prende muito e prende mal. De 40% a 50% dos encarcerados estão aguardando julgamento, e a maioria é presa por crimes ao patrimônio ou tráfico de drogas, e não por crimes contra a vida — observou ainda Renata Neder, assessora de Direitos Humanos da Equipe da Anistia Internacional.

Já Andréia Macêdo, representante da Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal e coordenadora do Pacto pela Vida do Distrito Federal, mencionou que o governo federal, estados e municípios deveriam se concentrar nas experiências que tiveram êxito na redução da violência para a realização de um trabalho conjunto, sistematizado. Ela observou  que, por mais que a sensação seja de crescimento da insegurança, há experiências isoladas pelo país onde houve redução dos índices de criminalidade, a partir de alterações nas políticas de segurança pública, como em Minas Gerais e em Pernambuco. Mas, para isso, são necessárias lideranças políticas que se sintam responsáveis e se empenhem pela busca de soluções, opinou.

Andréia Macêdo frisou ainda que o problema da violência é multicausal, não se restringe apenas à segurança pública ou uma causa policialesca. E que deve ser desfeito o discurso “que a mídia reproduz” de que a vítima de homicídio estava envolvida com o crime ou com drogas, e por isso “merecia morrer”. Segundo ela, esse é um mecanismo perverso para justificar as mortes.

Também participou da audiência o chefe da Assessoria Internacional da Secretaria de Direitos Humanos, Rodrigo Morais.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)