Na CPI, Lewandowski defende cooperação nacional e internacional contra o crime
Da Agência Senado | 09/12/2025, 10h12 - ATUALIZADO EM 09/12/2025, 14h05
O crime organizado é um “fenômeno novo” que saiu do mundo físico para o digital, das cidades para o mundo e da clandestinidade para as estruturas do poder e da economia. A avaliação é do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, que compareceu à CPI do Crime Organizado nesta terça-feira (9).
O convidado afirmou que é preciso iniciativas locais, nacionais e internacionais para combater as facções criminosas. O ministro defendeu que o Brasil possui uma “atuação forte” no plano internacional, tendo assinado 12 acordos de cooperação neste ano, além de ser o terceiro país de fora da Europa a integrar a Agência da União Europeia para a Cooperação Policial (Europol).
— Em São Paulo, nos anos 90, nós lidamos com crimes relativamente simples do ponto de vista daquilo que a humanidade estava acostumada. Roubo, estelionato, crimes contra a economia popular... Hoje é extremamente complexo. É um fenômeno que preocupa tanto quanto o aquecimento global, a corrida por armas nucleares. Ouvimos falar de máfia chinesa, russa, latino-americana... Transcendeu as fronteiras nacionais e, do ponto de vista de sua natureza, mudou completamente.
Na década de 1990 foi criado o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que hoje atua em todo o mundo, como também faz o Comando Vermelho, que surgiu na década de 1970 no Rio de Janeiro.
Em resposta aos senadores, o ministro afirmou que o principal obstáculo às ações federais é a falta de dinheiro. Ele também defendeu que o Congresso aprove a PEC da Segurança Pública (Proposta de Emenda à Constituição 18/2025), para integrar todas as polícias e forças de segurança brasileiras. Assim, o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) deverá obrigar o compartilhamento de informações e operará de forma “semelhante ao SUS”.
A previsão do Susp na Lei 13.675, de 2018, não é suficiente para seu pleno funcionamento, argumentou. Proposta em abril, a PEC ainda está em análise pelos deputados.
Infiltração no poder
Lewandowski explicou que atualmente o crime organizado se infiltra em setores da economia para dar aparência de legalidade a seus lucros. É o caso de atividades no setor de combustíveis, de coleta de lixo, da construção civil e até de streaming, disse o ministro. Também atinge as instituições, avaliou.
— Está infiltrado até no setor político. Nas últimas eleições, juntamente com o Tribunal Superior Eleitoral, a Polícia Federal fez um esforço muito grande para evitar que o crime se infiltrasse nas eleições municipais — disse.
Em agosto, a Polícia Federal deflagrou duas operações que investigam lavagem de dinheiro dos criminosos na cadeia produtiva de combustíveis, com adulteração de gasolina, por exemplo. As movimentações ilícitas ultrapassam R$ 23 bilhões, segundo o órgão.
Código de ética
O relator Alessandro Vieira chamou de “escândalo” as notícias de que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli teria viajado em jatinho junto com advogado do banco Master dias antes de tomar decisão na Corte em favor da instituição financeira. O banco é investigado em fraudes que podem chegar a R$ 17 bilhões.
— Os pontos de infiltração do crime organizado em relação aos Poderes brasileiros se dão essencialmente por meio do lobby e da advocacia que vende acesso a gabinete de juízes. Temos ministros que acham normal caronas em jatinho pago pelo crime organizado e retornam a Brasília para julgar na nossa Corte superior.
Alessandro indagou se um Código de Ética para magistrados superiores contornaria o problema. Para Lewandowski, a legislação atual já atende a esses propósitos.
O senador Jaime Bagattoli (PL-RO) afirmou que o avanço do crime organizado é um reflexo da impunidade dos crimes cometidos por membro de Poder.
— A culpa é de todos nós, que aceitamos diversos crimes aqui dentro mesmo, no Congresso Nacional, os desvios de dinheiro público. E nada acontece nesse país.
Jovens faccionados
O senador Fabiano Contarato (PT-ES), presidente da CPI, defendeu sanções maiores para crianças e adolescentes envolvidas com o tráfico. Contarato declarou que há uma visão “romântica” e “extremamente impactada pela academia” com relação aos jovens “seduzidos pelo tráfico”.
— Eu não acho razoável a gente aquiescer que um rapaz de 17 anos de idade que pratica um latrocínio vai ficar internado no máximo por 3 anos. Se tivesse 18 anos, a pena seria de 20 a 40 anos. Temos que botar os pés no chão.
O ministro defendeu que os menores de idade, quando completam 18 anos durante a responsabilização por suas infrações, devem continuar sofrendo alguma restrição que não seja a prisão.
— Os menores são vítimas do tráfico. É preciso, talvez, escolas em tempo integral, onde a criança possa ter alimentação, café da manhã, almoço, eventualmente o jantar, esportes, lazer...
Investimento
Em resposta ao relator, Lewandowski afirmou que o principal obstáculo às ações federais é a falta de recursos. O Fundo Nacional da Segurança Pública (FNSP) teve R$ 500 milhões a mais no Orçamento de 2025, com relação aos R$ 2 bilhões em 2022. O aumento “não é nada”, segundo ele.
O ministro considerou que o contingenciamento de R$ 400 milhões no FNSP neste ano deixou o fundo “de mãos amarradas”. A PEC 18/2025 tornará as verbas perenes e não contingenciáveis, segundo Lewandowski.
Os recursos do FNSP são destinados aos estados e municípios para ações de segurança pública, no âmbito de programas definidos pela União. Para o senador Eduardo Girão (Novo-CE), estados mais violentos, como o Ceará, precisam de ações mais incisivas, como a intervenção federal. A medida retira autonomia do estado em favor da União enquanto durar a intervenção.
— O Ceara é talvez o pior [caso de segurança pública] no Brasil. A cada três dias tem uma família que está sendo expulsa de suas casas [por facções criminosas]. Foram 219 famílias que o governo do Ceará mandou escoltar para irem embora, entre janeiro de 2024 a setembro de 2025 — disse o senador.
Novo fundo
Lewandowski elogiou a proposta de Alessandro de criar uma “nova aba” no FNSP para combater exclusivamente o crime organizado, alimentada por um tributo a ser criado sobre as empresas de apostas on-line. É o que prevê o substitutivo (versão alternativa) do senador ao Projeto de Lei (PL) 5.582/2025, que institui o marco legal do enfrentamento a facções e outras formas de crime organizado.
Segundo o texto, a gestão e os recursos do fundo serão compartilhados entre estados, União, Ministério Público e Poder Judiciário.
A proposta, que tem Alessandro como relator, ainda dá ao governo federal 180 dias para redesenhar os atuais fundos federais de segurança pública. Para Lewandowski, a medida trará dificuldades por envolver mudanças em diversas leis, mas poderá resultar em uma “sistemática de financiamento da segurança pública completamente inovadora”.
Convocação
Na reunião desta terça, os senadores aprovaram a convocação (comparecimento obrigatório) do deputado estadual do Rio de Janeiro Rodrigo Bacellar (REQ 138/2025 - CPI do Crime Organizado). A Polícia Federal prendeu o deputado no início de dezembro sob alegação de Bacellar ter vazado informações de operação sigilosa relacionada a crime organizado.
O colegiado ainda deve ouvir o ministro da Defesa, José Mucio Monteiro Filho, e o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Luiz Fernando Corrêa. A CPI funcionará até abril de 2026 para investigar as organizações criminosas e propor alterações legislativas para combatê-las.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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