Manssur afirma a CPI ter dúvida quanto à fala de Wesley Cardia sobre propina

Da Agência Senado | 02/07/2024, 18h56

Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas (CPIMJAE) nesta terça-feira (2), o ex-assessor especial do Ministério da Fazenda José Francisco Manssur confirmou que o presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias, Wesley Cardia, relatou um suposto pedido de vantagem financeira feito por membros da CPI das Apostas Esportivas da Câmara dos Deputados, mas disse não ter como aferir a veracidade da informação.

A oitiva atende a requerimento (REQ 28/2024 - CPIMJAE) apresentado por Eduardo Girão (Novo-CE). O senador citou publicação da revista Veja de setembro de 2023, segundo a qual Manssur alertou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre um pedido de R$ 35 milhões feito pelo deputado Felipe Carreiras (PSB-PE), relator da CPI, à associação. O dinheiro seria supostamente destinado a defender os interesses do setor na regulamentação e evitar represálias na comissão de inquérito.

Manssur disse que recebeu Wesley Cardia em seu gabinete. Na ocasião, Cardia — que também deverá ser ouvido pela CPI do Senado — teria relatado que vinha recebendo pressões crescentes para pagar os valores pedidos.

— A minha reação foi, em primeiro lugar: “Não pague absolutamente nada a ninguém. E, se vier de dentro do Ministério da Fazenda, de qualquer pessoa da minha equipe, ou fora da minha equipe um pedido nesse sentido, me relate imediatamente. Procure as autoridades e relate a elas o que o senhor está relatando a mim”. Ato contínuo, o Sr. Wesley Cardia falou: "Agora eu fiquei seguro de que não há nenhum tipo de orientação no sentido de deixar isso ou ser omisso em relação a isso". Eu falei: "Jamais haveria" — disse Manssur.

Ele acrescentou que todos os fatos foram levados ao conhecimento da Ouvidoria do Ministério da Fazenda e ao chefe de gabinete do ministro Fernando Haddad, o qual teria orientado a entrega do caso à Justiça. Eduardo Girão, porém, questionou os motivos pelos quais Cardia teria procurado Manssur — e não diretamente a polícia ou o Ministério Público — quando se tratava claramente de um crime de corrupção passiva.

— Acredito que Vossa Excelência vai ter que perguntar ao Wesley Cardia. Ele me procurou e eu o recebi.

Manssur acrescentou que conhece Felipe Carreiras, com o qual teve diálogos “republicanos”, e que, no caso do relato sobre o pedido de dinheiro, Cardia não teria citado uma abordagem direta do deputado, mas do “gabinete do deputado”. Em resposta ao presidente da CPI, senador Jorge Kajuru (PSB-GO), Manssur disse não ter ouvido de Cardia menção ao valor de R$ 35 milhões citado pela Veja, mas ressalvou que “em muitos momentos” teve dúvidas sobre as afirmações de Cardia.

— A pessoa que estava sentada à minha frente disse e reiterou que estava tomando muitos remédios. E não trouxe nenhuma prova. “O senhor gravou?” “Eu não gravei.” Não falou o horário, não falou o local, não falou nada sobre quando, como isso havia acontecido. [...] Nós trabalhamos com a presunção de inocência. Em muitos momentos eu considerei o testemunho dele duvidoso. Não estou afirmando aqui que ele mentiu, nem que falou a verdade.

Agência reguladora

Na abertura da oitiva, Manssur defendeu a atuação do Ministério da Fazenda no controle e tributação das apostas online, setor que desde a entrada em vigor da Lei 13.756, de 2018 seguiu sem regulamentação até janeiro de 2023 — período em que houve grande expansão da atuação das chamas bets.

—  Esse segmento fazendo cada vez maiores faturamentos, ano após ano, mês após mês, sem recolher um real de imposto, enquanto quem produz alimento recolhe, quem produz vestuário recolhe, o trabalhador com carteira assinada, 27,5%, e esse segmento sem recolher. Mas não era só sobre isso. Havia uma série de outras externalidades negativas que precisavam ser enfrentadas e que somente o braço do Estado regulamentando poderia fazer. Por exemplo, o enfrentamento à questão da lavagem de dinheiro decorrente das apostas. Era preciso ter uma regulamentação entre Ministério da Fazenda e Banco Central para regular os meios de pagamento que recebem o dinheiro das pessoas para fazer a aposta, e depois paga as pessoas, e nada disso havia acontecido.

Em resposta ao senador Romário (PL-RJ), Manssur defendeu a criação de uma agência reguladora do setor de apostas, formada de representantes dos Poderes da República e da sociedade civil, como forma de aumentar a força de trabalho do Estado diante dos problemas inerentes aos jogos de azar e assegurar um reforço orçamentário proporcional às suas atribuições.

— Essa agência, inclusive, é como as outras agências são, teria uma independência maior em relação ao Executivo e poderia trabalhar com mais gente, mais orçamento, mais recursos e mais independência para combater não só a manipulação de resultado, mas todas as externalidades negativas. 

Entre outros assuntos, Manssur também expressou preocupação com a manipulação de resultados esportivos e disse que é preciso tanto controlar o comportamento irregular dos atletas quanto apurar a existência de apostas fora do normal. Para ele, o Ministério da Fazenda tem recursos técnicos para acompanhamento em tempo real das apostas e cruzar os dados com desvios de comportamento padrão dos atletas.

Evasão fiscal

Ao senador Carlos Portinho (PL-RJ), que apontou a falta de controle sobre tributos das empresas de jogos sediadas no exterior, Manssur disse que ainda não vigora a “obrigação acessória” dessas bets de prestar informações à Receita Federal, mas os ganhadores de prêmios são, de qualquer forma, sujeitos a tributação.

— Na declaração do Imposto de Renda, qualquer ganho que seja a apurável no Imposto de Renda tem que ser declarado e sobre ele incide o imposto.

Portinho também questionou a regularidade das operações de câmbio das bets por avaliar — conforme apurado pela CPI da Câmara dos Deputados — que as empresas de meios de pagamento estejam envolvidas em esquema para escapar da incidência de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre remessas do exterior. Ele disse esperar que a Receita Federal e as empresas de meios de pagamento também sejam ouvidas pela CPI.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)