Integração de dados aprimora política nacional de desaparecidos, aponta debate

Da Agência Senado | 13/06/2024, 14h36

Durante audiência pública nesta quinta-feira (13), representantes de órgãos públicos envolvidos na Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas e senadores apontaram a falta de integração dos dados e de estruturação dos sistemas e o baixo orçamento como maiores desafios para a execução das ações. O debate aconteceu na Comissão de Segurança Pública (CSP) atendendo ao requerimento (REQ) 21/2024 da senadora Damares Alves (Republicanos-DF). 

Os convidados explicaram sobre o funcionamento das comunicações entre os órgãos e sobre a divulgação de dados básicos dos desaparecidos para subsidiar os membros da comissão que escolheram avaliar a execução dessa política com o objetivo de apresentar aprimoramentos. Esta foi a primeira de quatro audiências públicas a serem realizadas. 

Damares disse que o objetivo da avaliação é de fato ouvir todos os representantes de cada setor envolvido no sentido de buscar ações para aprimorar a política e não apenas ficar no âmbito das críticas. Para ela, não se pode falar de política pública sem recursos e sem um sistema integrado de comunicação eficiente para nortear a sua execução.  

— Então que a gente trabalhe uma avaliação dos avanços, dos obstáculos, do que a gente precisa melhorar, mas vamos ser muito coerentes, a gente está precisando de recurso, então vamos falar de recurso. 

Para o senador Jorge Seif (PL-SC), é preciso mais esforço de união entre as entidades que lidam com o tema. Existe, segundo ele, “vaidade e preciosismo” quando se trata do compartilhamento de dados entre os órgãos públicos. 

— Nós trabalhamos no governo federal e a senhora [Damares Alves] sabe como existe preciosismo e até vaidade em compartilhamento de dados entre os órgãos. Não vamos mentir aqui, a verdade é essa. Preciosismo para quê? Quando se resolve um problema, quando se elucida um problema, ou se acha algo as pessoas querem mostrar seu serviço, mas isso, muitas vezes, prejudica outros órgãos que poderia fazer cooperação — disse, ao citar exemplo do seu estado que, conforme dados apresentados por ele, tem trabalhado com integração e, em 2023, conseguiu 73% de elucidação dos casos de desaparecimento. 

Novas tecnologias

Para os especialistas e representantes de entidades que atuam na ponta, as principais dificuldades para a implementação da política são: a falta de uniformidade das informações encaminhadas aos órgãos, o baixo efetivo de pessoal, a ausência de um serviço operacional que permita essa unificação de dados de forma automatizada e falta de capacidade estrutural. 

Atualmente o Brasil registra um total de 269 mil desaparecidas com base nos dados colhidos em 2022, por meio do Relatório Estatístico Anual, realizado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Desses, 54,5 mil são crianças do gênero masculino e 45,4 mil são meninas, com maior predominância de crianças pretas ou pardas nessa situação. Ainda conforme as estatísticas, são seis crianças desaparecidas por dia e somente três localizadas.

Diretora de Gestão e Integração de Informações da Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão responsável pela execução da política,Vanessa Fusco Nogueira Simões disse que um dos maiores gargalos para a efetividade da iniciativa é a produção de dados qualificados. Ela relatou que apenas 11 estados possuem o sistema de registro de Boletim de Ocorrência (BO) e preenchimento do formulário com informações básicas padronizadas e uniformizadas conforme a secretaria demanda. 

Simões disse que é preciso buscar instrumentos para melhorar a qualidades dos dados e de estudos específicos que possam subsidiar a elaboração de ações e  o direcionamento da política pública. Para isso, ela defendeu que o Ministério da Justiça e Segurança Pública tenha mais acesso a recursos de suporte à infraestrutura necessária para a sistematização, com uso de tecnologias mais avançadas e da inteligência artificial. 

— Nós podemos fazer cruzamento e análises preditivas. Incorporação do reconhecimento facial, reconhecimento de objetos, reconhecimento de tatuagens, por que não? Porque nós estamos hoje com a tecnologia avançadíssima e para isso nós precisamos de quê? Investimentos na infraestrutura dos ministérios. Precisamos da infraestrutura tecnológica, precisamos de recurso para o desenvolvimento de aplicações e precisamos também de pessoal qualificado. 

Damares, que foi ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos de 2019 até 2022 e esteve à frente da regulamentação da lei que estabeleceu a política nacional, alertou sobre a possibilidade de subnotificação do número desaparecidos no Brasil. Para ela, a padronização das informações presentes no BO precisa levar em consideração questões mais específicas sobre localização, origem, renda, gênero e cor. Esses detalhes, conforme explicou, serão significativos para efetividade dessa e das demais políticas voltadas aos públicos mais vulneráveis. 

— A gente precisa muito dizer se essa criança é ou não pertencente aos povos tradicionais, eu acho que essa informação precisa constar. São crianças ciganas que estão desaparecendo? São crianças indígenas? São crianças ribeirinhas? São crianças de quilombos? Eu acho que esse dado a gente vai precisar também estar atentos a eles. 

Experiências 

A delegada da Polícia Federal Larissa Brenda da Silva de Miranda citou um programa desenvolvido no final do ano passado, pela PF, que busca desenvolver e implementar uma estratégia integrada de análise contínua de violações dos direitos humanos, com foco na busca de desaparecidos. 

Ela destacou que uma das ações tem ajudado a resolver casos, com sistemas que reúnem dados papiloscópicos, multibiométrico e de reconhecimento facial. Segundo Larissa, um dos sistemas da corporação centraliza todas as demandas que os estados repassam a nível federal, e essas informações são unificadas no banco de dados da PF para auxiliar na conclusão dos casos. 

— A gente teve uma situação que o estado do Mato Grosso compartilhou a lista de pessoas que eles tinham de desaparecidas. E a gente rodou com os nossos sistemas, pesquisando essas informações, mas também subimos dados dessas pessoas desaparecidas e um desses casos acabou gerando um hit com um hospital aqui de Brasília em que uma pessoa estava internada. E acabou que a Polícia Civil é quem foi lá, fez a coleta da digital e quando subiu contra nosso sistema isso permitiu identificar que aquela pessoa desaparecida no estado do Mato Grosso há mais de dois anos era uma pessoa que estava hospitalizada aqui em Brasília.  

A comunicação, segundo a delegada, tem sido feita em parceria com as polícias civis, os institutos de identificação e medicina legal. Ela salientou como ponto a melhorar a busca de integração para cruzamento mais efetivo dos dados e a comunicação com instituições como hospitais, abrigos, asilos e presídios, já que muitas vezes essas informações estão fora da polícia judiciária. 

Programa Sinal

O policial rodoviário federa Arlei Gomes de Almeida citou como iniciativa da corporação o Programa Sinal, voltado para busca de desaparecidos. Após a registro do desaparecimento no próprio site do programa, que é totalmente diferente do boletim de ocorrência feito na Polícia Civil, ele emite um alerta imediato para todos os policiais rodoviários federais que estão no raio de 500 quilômetros do registro da última visualização dessa pessoa para que eles possam ficar atentos ao caso. No entanto, o sistema também não possui integração os demais órgãos e polícias judiciais. Segundo Almeida, há tratativas para buscar sanar esse problema. 

— Essa integração para a agente é muito cara, é uma coisa que todos nós sabemos aqui que é necessário, porque dificilmente um órgão só vai conseguir abranger toda uma seara de desaparecidos no Brasil. 

Comitê gestor

A coordenadora-geral substituta de Segurança Pública e Direitos Humanos e coordenadora do Comitê Gestor da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, Bruna Martins Costa, informou que o Ministério de Direitos Humanos tem buscado a participação de outras pastas para elaborar protocolos direcionados, especialmente para a localização de crianças desaparecidas, de modo a efetivar o acionamento do conselhos tutelares nesses casos e melhorar o processo de adoção. 

— Um dos pontos que vão envolver a atenção prioritária do Ministério dos Direitos Humanos, que a gente vai pautar no comitê gestor, tem a ver justamente com a questão das crianças desaparecidas. Justamente também pensando em protocolos para a adoção segura, para a investigação desses casos, para casos de tráfico de pessoas, que a gente tem também discutido recentemente, no âmbito do Ministério da Justiça, o plano de enfrentamento ao tráfico de pessoas. E um dos eixos desse plano diz respeito à questão do tráfico de pessoas. Dentro do Ministério de Direitos Humanos, isso dialoga com a questão do tráfico de crianças.  

Governança 

O secretário do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública, Thiago Frederico de Souza Costa, celebrou o modelo de governança estabelecido pela lei nacional que trata sobre a política de busca de desaparecidos. No entanto, sugeriu que os estados também possam compor o comitê gestor da política nacional. 

— Porque lá [os estados] tem a representação de vários órgãos federais e o que a gente costuma dizer é o seguinte: a segurança pública não é um problema só dos estados, mas a política de segurança também não pode ser feita sem os estados. Então é importante que os estados estejam participando — disse, ao lembrar que atualmente os estados detêm maior parte da responsabilização financeiramente em se tratando de gastos com segurança pública. 

Ele citou que, em relação ao PIB, a União contribui com 0,18%, enquanto os estados contribuem com 1,3%. 

Política Nacional

A política, que abarca União e estados, é regulamentada pela Lei 13.812, de 2019. A norma dá prioridade com caráter de urgência na busca e localização pelo poder público de pessoas desaparecidas e estabelece diretrizes e regras para sua implementação. O plano de trabalho para avaliar a política foi aprovado em maio.

A avaliação da Comissão de Segurança Pública é uma das atribuições dos colegiados do Senado, que devem selecionar, anualmente, uma política pública do Poder Executivo para exame mais detalhado, com o objetivo de aprimoramento da gestão do Estado. 

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)