Falta de clareza sobre deficiências prejudica cidadãos, aponta debate

Aline Guedes | 27/11/2023, 11h51

A falta de uma legislação clara sobre os diferentes tipos de deficiências prejudica quem tem essa condição e leva a uma sobrecarga do sistema de proteção social. A análise foi apresentada nesta segunda-feira (27) pelos participantes de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH), cujo objetivo foi divulgar a avaliação biopsicossocial prevista no parágrafo 3º do art. 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 2015). Trata-se de um instrumento do Grupo de Trabalho (GT) sobre a Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência, instituído pelo Decreto Presidencial 11.487, de 2023, que funciona no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

O requerimento para a audiência foi apresentado pelo presidente do colegiado, senador Paulo Paim (PT-RS), a pedido de representantes do Poder Executivo e de entidades da sociedade civil. Além de subsidiar a avaliação, o GT tem como metas propor os processos de implantação e de implementação das medidas em construção, bem como planejar os processos de formação e de qualificação das equipes envolvidas. O relatório final deve ser apresentado até junho de 2024.

Gradação

Para a especialista em políticas públicas e gestão governamental do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Liliane Cristina Gonçalves Bernardes, a legislação que garante direitos e benefícios para as pessoas com deficiência no Brasil não esclarece a gradação, contemplando indistintamente pessoas com deficiência leve, moderada ou grave. Segundo Liliane Bernardes, isso gera competição entre as próprias pessoas com deficiência, resulta em má alocação de recursos públicos e prejudica os indivíduos com deficiência em maior gravidade, que assim enfrentam maior restrição de participação social. 

Liliane Bernardes apontou a falta de coordenação entre os órgãos públicos e serviços responsáveis por atender demandas das pessoas com deficiência e disse ser preciso revisitar e reestruturar o conjunto de políticas públicas, com vistas à redefinição de objetivo, público e observando as eventuais sobreposições. A especialista frisou também que todo esse trabalho é uma competência comum dos entes federados, com o governo federal como responsável por induzir a implantação da avaliação em âmbito nacional. 

— É uma responsabilidade compartilhada [entre os entes federativos], e isso é importante ser colocado aqui, para que possamos refletir e agir. Além disso, a meu ver, a gradação é uma situação que precisa ser aprimorada, ou seja, a diferenciação na avaliação do grau de uma deficiência, se é leve, moderada ou grave. É necessário orçamento específico para implantação e manutenção do sistema nacional de avaliação ao longo do tempo, com um sistema de tecnologia da informação apropriado, bem como qualificação das equipes — observou. 

Exercício da cidadania

Outro ponto destacado na audiência pública é a necessidade de se esclarecer, junto à sociedade, que a deficiência não é um impeditivo dos indivíduos de gozarem plenamente de seus direitos e de exercer a cidadania. Diretora de Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Naira Rodrigues Gaspar explicou que o modelo biopsicossocial é uma abordagem multidisciplinar que compreende as dimensões biológica, psicológica e social de um indivíduo. Ela disse ser preciso mais difusão de conhecimento sobre o assunto e políticas sociais mais bem direcionadas.

— O fato de eu ser cega não define como eu vivo a experiência de deficiência. No Brasil, a vivência de uma mulher cega, branca, que vive no Distrito Federal e que tenha tido acesso a estudo, como eu, é diferente de uma mulher cega, negra, moradora de outras regiões mais empobrecidas. As populações mais vulneráveis, que vivem mais isoladas, em regiões de menor potencial e negligenciadas pelo Estado brasileiro são pessoas distintas, que precisam de políticas distintas — disse Naira Gaspar.

Modelo biopsicossocial

O diretor do Departamento de Benefícios Assistenciais do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Raimundo Nonato Lopes de Sousa, enfatizou que a avaliação biopsicossocial tem relevância ainda maior junto às camadas mais empobrecidas da sociedade. Ele agradeceu o espaço para discutir o assunto no Senado e pediu apoio da sociedade e dos órgãos públicos que trabalham em favor das pessoas com deficiência. 

— A avaliação feita agora é importante, plena, holística, abrangendo as pessoas com deficiência em sua diversidade. O sistema atual não atende plenamente, por isso é importante que o modelo biopsicossocial seja o único [adotado], porque é necessário abranger o entorno em que vivem esses cidadãos. Não é só uma condição corpórea; as pessoas vivem num território, e todo esse ambiente precisa ser avaliado. Isso é o que analisamos, ouvindo a sociedade, em todos os segmentos, e o que será muito mais justo de ser implementado em favor dessas pessoas — afirmou. 

Avaliação dinâmica

Já o diretor da Associação de Pais, Amigos e Pessoas com Deficiência, de Funcionários do Banco do Brasil e da Comunidade (APABB), Roberto Paulo do Vale Tiné, considerou que os frutos do grupo de trabalho “farão significativa diferença na vida das pessoas com deficiência e de suas famílias”. Ele ressaltou que o conceito de deficiência permanecerá o mesmo, mas as barreiras que impedem a completa interação desses indivíduos na sociedade tendem a ser minimizadas. Tiné lembrou ainda que a avaliação é dinâmica e poderá ser revisada, aperfeiçoada e readaptada ao longo do tempo.

Também participou da audiência pública Sandro Eli Malcher de Alencar, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, gerente de Projeto, da Secretaria Adjunta VIII da Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência da República, e Arthur de Almeida Medeiros, do Ministério da Saúde.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)