Senadores divergem sobre decisão do STF na questão do marco temporal
Da Agência Senado | 27/09/2023, 17h07
Os senadores divergiram em reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), nesta quarta-feira (27), sobre a constitucionalidade do Projeto de Lei 2.903/2023, conhecido como marco temporal para demarcação de terras indígenas. As discussões se basearam nas atribuições do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) e na preservação do direito indígena pela Constituição Federal. Apesar das divergências, o texto foi aprovado e segue para o Plenário em regime de urgência.
Na quinta-feira passada (21), o tribunal alcançou maioria de votos para a tese de que o marco temporal é inconstitucional. O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) lembrou que a decisão possui repercussão geral, isto é, a decisão deve ser observada por todos.
— É preocupante que a CCJ persista em legislar em entendimento contrário àquele consagrado pelo STF. Parece não fazer sentido.
Já segundo o senador Marcos Rogério (PL-RO), que é relator do projeto da CCJ, a repercussão geral não se aplica ao poder de legislar do Congresso Nacional.
— Veja o que diz o precedente do STF em uma reclamação, que ocorre quando uma medida desafia uma decisão do SF: “o efeito vinculante e a eficácia contra todos incidem unicamente sobre os demais órgãos do Poder Judiciário e do Executivo, não se estendendo em tema de produção normativa ao legislador, que pode (...) dispor, em novo ato legislativo, sobre a mesma matéria versada em legislação anteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo" — disse o relator, citando trecho da Reclamação 13.019 do STF, de 2014.
Confronto
O senador Sergio Moro (União-PR) elogiou a disposição dos parlamentares de debater o tema do marco temporal mesmo após a decisão do STF.
— Não vejo nenhuma afronta ao STF. O Senado exerce sua prerrogativa de legislar. Quando se examinam os votos [dos ministros do STF], apesar de haver maioria, há divergência dos votos. É uma decisão que não fixou uma súmula vinculante — disse Moro.
Líder do governo no Congresso Nacional, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) discorda de Moro. Para ele, a tramitação do projeto desrespeita o tribunal:
— Me parece que isso confronta frontalmente o Supremo Tribunal Federal, porque o direito à demarcação foi a grande conquista da Constituição de 1988 e é o que a diferencia de todas as constituições anteriores. No estado democrático de direito, existe um [Poder] Executivo para governar, um Legislativo para legislar e um Judiciário para julgar. O STF tem que dizer o que é constitucional ou não. Será que, às vezes, não é a gente que está querendo se meter no que é atribuição do Supremo Tribunal Federal?
Marco temporal
A possibilidade de estipular uma data para servir de parâmetro para a definição da ocupação tradicional da terra pelos indígenas foi outro ponto discutido pelos senadores. O senador Rogerio Marinho (PL-RN), que é líder da oposição na Casa legislativa, lembrou do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3.388-4, do STF) para defender a possibilidade de definir um marco temporal.
— Em 2009 houve um caso extremamente importante para o nosso país, que foi a demarcação das terras de Raposa Serra do Sol. De repente, por uma deliberação do STF, pessoas que ocupavam terras limítrofes, fronteiriças, e de forma produtiva, foram desalojadas. E lá estavam, em alguns casos, há 80 e até 100 anos. E se definiu um marco no tempo. E esse marco no tempo, na época, os senhores ministros do Supremo Tribunal Federal o fizeram, para que nós tivéssemos previsibilidade e segurança jurídica.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES), por outro lado, apontou que todas as Constituições da República brasileira desde 1934 já tratavam dos direitos indígenas:
— O relator [da ação sobre o marco temporal no STF, Edson Fachin] pondera que a Constituição vigente não representa um marco para aquisição de direito por parte das comunidades indígenas, e sim uma sequência assegurada pelas cartas constitucionais desde 1934. Os direitos dos índios são inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis, vale dizer, não podem ser negociados, ter outra destinação ou serem perdidos com o passar do tempo.
Os aspectos gramaticais da Constituição também foram debatidos pelos senadores. Para o senador Esperidião Amin (PP-SC), o texto constitucional pressupõe um marco temporal.
— Tudo está no presente do verbo, em cada constituição. Mas não há marco temporal desse presente?
Para a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), o projeto está “fadado ao veto” pelo presidente Lula. Ela considera que os parlamentares deveriam se dedicar à debater as indenizações devidas pela União aos proprietários que tiveram suas terras desapropriadas em prol das demarcações.
— Temos hoje a continuação do debate pelo STF, sobre a questão das indenizações, que nesse caso é competência legislativa. Vamos deixar o marco tempo, esse debate é inócuo, e debater as indenizações.
Uso da terra
O projeto prevê a exploração econômica das terras indígenas, inclusive em cooperação ou com contratação de não-indígenas. Os senadores discordaram sobre o interesse dos índios em aumentar suas terras e produzir nelas.
A senadora Augusta Brito (PT-CE) afirmou que, no Ceará, as comunidades indígenas têm a demarcação de suas terras como principal demanda
— Com relação aos povos indígenas que tenho contato no Ceará, a primeira reinvidicação se trata da demarcação do seu território. Não acredito que seja diferente do resto do país. Algumas [opiniões] diferentes podem até existir, mas a grande maioria [pede como] primeiro ponto de reconhecimento histórico a demarcação do território.
O senador Alan Rick (União-AC) compartilhou sua experiência com indígenas do Acre. Segundo ele, os povos das etnias huni kuin, caxinauá têm mais interesse em qualidade de vida.
— Eu os questionei: "Meus amigos, vocês estão precisando de mais terra? Vocês querem mais demarcação de terras?". Sabe o que eu ouvi? "Senador, não. Nós queremos é energia solar na aldeia. Nós queremos uma saúde indígena de qualidade. Nós queremos internet. Nós queremos acesso às nossas estradas vicinais, aos ramais. É isso que nós queremos. Nós não queremos mais demarcação de terra". Precisamos conversar com os próprios indígenas. É importante ouvi-los também.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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